Pensata

Valdo Cruz

02/10/2007

Intervencionismo e petismo, tudo a ver

Milton Zuanazzi está próximo de deixar o comando da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Quando partir, deixará para trás mais uma daquelas trapalhadas criadas pelo petismo que, quando dá tudo errado, simplesmente faz de conta que não tem nada a ver com o assunto. Zuanazzi foi parar na agência por obra do Palácio do Planalto, sedento por controlar um órgão que, em tese, deveria ser independente. Só em tese, porque, na prática, ele tinha de dar ciência ao Planalto de tudo o que fazia.

Depois do caos estabelecido na aviação civil, o presidente da Anac ficou quase órfão. O Planalto passou a agir como se nada daquilo fosse resultado de sua política intervencionista, deixando o peso da responsabilidade cair sobre Zuanazzi --que, é bom dizer, não tem culpa por boa parte das confusões criadas no setor, mas vai sair como essa fama.

O dia da partida, contudo, ainda não está marcado, apesar de toda pressão do ministro Nelson Jobim (Defesa) para que Zuanazzi renuncie não hoje, mas ontem. O ainda presidente da Anac bateu o pé e já avisou o Palácio do Planalto que antes de sair pretende fazer uma "transição responsável e civilizada" para sua possível sucessora, a economista Solange de Paiva Vieira, assessora de Jobim.

Uma forma de dizer que não sairá "enxovalhado" do posto para o qual foi indicado pelo governo. Em conversa com amigos, Zuanazzi disse que "seria uma irresponsabilidade sair agora e deixar a Anac sem comando". Segundo ele, somente depois de fazer uma transição civilizada é que ele se sentiria "tranquilo para ir embora".

Agora, resta ao ministro Nelson Jobim --que também não tem nada a ver com o aparelhamento da agência feito pelo PT-- convencer seus amigos no Senado a fazer algo que anda difícil naquela Casa: votar, principalmente as indicações encaminhadas por Jobim para substituir os diretores que já renunciaram ao posto depois que ele assumiu o comando da área. Até lá, será obrigado a conviver com um Zuanazzi solitário e isolado na Anac, mas disposto a mostrar resistência nessa fase final à frente da agência.

Pensamento único

E por falar em intervencionismo, mais um pode estar em plena gestação na praça. Trata-se de uma operação em curso no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão de pesquisas do governo que sempre teve como tradição a pluralidade. Fala bem e fala mal do governo de plantão. Lá dentro, é possível encontrar de tudo: economistas petistas, economistas tucanos, economistas tucano-petistas e outros tipos.

Essa liberdade reinante no Ipea sempre sempre incomodou o Palácio do Planalto, mas por obra do ex-ministro Antonio Palocci e do ministro Paulo Bernardo (Planejamento) o órgão foi sobrevivendo sem interferências em seu trabalho.

O clima começou a mudar quando o Ipea saiu dos braços do Ministério do Planejamento e passou a responder ao novo ministro Mangabeira Unger, que trocou o comando do órgão. O novo presidente, Márcio Pochman, renovou a diretoria e provocou um enorme mal-estar dentro da equipe.

Tanto que, no dia em que o Senado derrubou a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo de Mangabeira Unger, pesquisadores do Ipea só faltaram soltar fogos de artifício. Só não o fizeram por saber que o Palácio do Planalto encontrará uma saída jurídica e ressuscitará a secretaria.

Naquele dia, pesquisadores do órgão contaram a jornalistas como estão avaliando as mudanças no Ipea promovidas por Mangabeira e Pochman. Dizem que o governo Lula estaria conseguindo fazer algo que sempre desejou desde o início do primeiro mandato: implantar um "pensamento único" no Ipea e enquadrar sua equipe.

Se essa intervenção se consumar, Pochman terá rasgado seu discurso de posse, quando prometeu manter a tradição de pluralidade do órgão. Como tudo ainda está no começo, é preciso esperar os próximos passos da dupla Mangabeira/Pochman. A troca de diretoria pode ser um sinal, mas também pode ficar por aí. A conferir.

Enquadramento

Escaldado pela derrota no Senado, quando a bancada peemedebista se insurgiu e ajudou a derrubar a medida provisória que criava a secretaria de Mangabeira Unger, o governo chamou seus aliados para cobrar fidelidade. Entre eles, o ministro Hélio Costa (Comunicações). Seu suplente, Wellington Salgado, se uniu aos rebelados e votou contra o governo. A explicação do ministro é que a medida ia cair mesmo e seu suplente decidiu votar junto com a bancada, para não ficar isolado.

Mas Hélio Costa prometeu: se da próxima vez existir algum risco de Salgado continuar jogando contra, ele sai do ministério, reassume sua cadeira de senador e vota como mandar o Palácio do Planalto. Corre o risco de não voltar, alfinetavam peemedebistas insatisfeitos com sua gestão no ministério.

A favor

Depõe a favor do ministro José Temporão (Saúde) uma conversa reservada entre peemedebistas. O assunto era distribuição de cargos. A conclusão de todos naquela reunião é que o novo ministro da Saúde, nomeado na cota do PMDB da Câmara, é "duro na queda". Em outras palavras, anda resistindo a fazer algumas nomeações políticas para a pasta. Para quem não se recorda, Temporão entrou no ministério na cota peemedebista dos deputados, sob o aval do governador Sérgio Cabral, mas seu padrinho de fato é o presidente Lula.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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