Pensata

Valdo Cruz

09/10/2007

Tudo ou nada

Tão logo venceu a batalha no plenário do Senado no primeiro processo que pedia sua cassação, Renan Calheiros foi alertado por aliados que o cenário ainda era muito incerto e o aconselharam a pedir uma licença ou tirar uns dias de férias para acalmar os ânimos na Casa. O presidente do Senado deu de ombros e rejeitou os conselhos. Na condição de vitorioso, entendia qualquer afastamento temporário como uma demonstração de fragilidade. No seu entender, cabia à oposição aceitar a derrota e recolher armas, não a ele.

Na ocasião, aliados se reuniram e comentaram que Renan tomava um rumo perigoso. O vento poderia mudar diante de sua posição beligerante. Hoje, há quem no grupo renanzista que já aviste uma tempestade no horizonte, e se aproximando cada vez mais. Dependendo de sua velocidade, avaliam aliados do peemedebista, esse temporal pode mudar a opinião daqueles que se abstiveram na votação do primeiro processo e o livraram, na ocasião, da cassação.

Se batesse hoje no teto do Senado, por sinal, essa tempestade já seria fatal para o senador alagoano. Isso na avaliação até de alguns renanzistas. Daí que sua estratégia passa, agora, por atrasar o quanto puder a tramitação dos demais processos que ainda pendem sobre sua cabeça. Só que ele não pode ficar arrastando esses processos por muito tempo. Vai que surge uma nova representação no início do próximo ano. Aí, a mudança feita no regimento do Senado impõe que ele deixe a presidência da Casa.

O fato é que o presidente do Senado esticou a corda num ponto que pode começar a se esgarçar. Seu trunfo continua sendo, nesse momento, o poder que ainda dispõe para fabricar derrotas para o presidente Lula no plenário do Senado, tal como na derrubada da medida provisória que criava a secretaria de Mangabeira Unger.

Além do fantasma da ameaça a colegas que ronda os gabinetes do Senado. O presidente da Casa nega, mas seus adversários enxergam suas digitais na tentativa de montagem de dossiês contra senadores da oposição, como Demóstenes Torres (DEM-GO) e Marconi Perillo (PSDB-GO). Verdade ou mentira, o clima no Senado se transformou num vale tudo, um tudo ou nada. Algo na linha do velho oeste. Quem piscar primeiro pode ser abatido antes de triscar no gatilho.

No meio desse tiroteio, o governo teme ser uma das vítimas. Nada pior para os governistas do que votar a prorrogação da CPMF, o imposto do cheque, num plenário envolto em discórdias, ameaças, suspeitas e cheiro de traição no ar. Se tudo parecer arriscado demais, alguém pode ser riscado do mapa. Aí a corda pode arrebentar do lado que estiver mais isolado. E hoje, na avaliação corrente no Senado, Renan ruma para o isolamento. A conferir. Até aqui, ele já foi dado como morto mais de uma vez, mas mostrou ter fôlego de gato.

Estranho no ninho

Na semana passada, o ministro petista Paulo Bernardo (Planejamento) compareceu ao casamento do ex-ministro tucano Martus Tavares. Único petista presente à cerimônia realizada em São Paulo, Paulo Bernardo, amigo do casal, foi alvo de provocações de tucanos. "Traz a ficha de filiação para ele", cutucou o vice-governador de São Paulo, Alberto Goldman. O ministro do Planejamento se defendia dizendo que havia muito petista enrustido no salão. Bem difícil, diante do grupo de ex-ministros e ex-assessores de Fernando Henrique Cardoso reunido no salão.

Por outro lado, depois de uma e outra taça de vinho, era possível perceber que os discursos públicos de muitos dos tucanos ali presentes guardam uma boa distância daquilo que eles pensam de verdade. Foi possível ouvir naquele salão que há uma expectativa de que pelo menos 60% do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dê certo, o que já vai ter um impacto significativo na economia. Que a economia tende a registrar taxas de crescimento sempre acima de 4%, podendo realmente fechar o segundo mandato de Lula na casa dos 5%. E que num cenários desses o candidato a ser escolhido por Lula será muito competitivo.

Pão de queijo tecnológico

Você sabia que, há quinze anos, fabricantes mineiros de pão de queijo tentaram congelar sua massa para fazer um negócio praticamente caseiro ganhar o mundo. Não deu certo. Descobriram que o processo de congelamento impedia que o pãozinho de queijo saísse do forno corado e fofinho. E sem ser corado e fofinho o negócio não iria cruzar as fronteiras do Estado. Apelaram então, veja você, para a inovação tecnológica. Um grupo de pesquisadores de tecnologia de Farmácia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com o apoio de outras escolas mineiras, buscou no laboratório a solução para o problema. Surgiu então uma nova receita do tradicional pão de queijo mineiro, com um fermento especial e uma mistura de polvilho doce e azedo. Deu certo.

Resultado. A nova receita permitiu o surgimento de mais de 400 empresas ligadas ao ramo, com a criação de mais de 8 mil pontos de venda só no Brasil. E o negócio do pão de queijo ganhou o mundo, registrando um ritmo de crescimento de 100% nos Estados Unidos, Argentina, Canadá, França e Espanha.

A história acima, de uso de inovação tecnológica num negócio tradicional, ilustra a abertura do livro "Inovar ou Inovar", do economista Glauco Arbix, professor da USP e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no primeiro mandato do presidente Lula. Glauco diz que poderia ter aberto o livro com histórias de inovação tecnológica sofisticadas desenvolvidas no Brasil por empresas como Petrobras, Embraer, Weg e Vale do Rio Doce. Preferiu o caso do pão de queijo para mostrar que um pequeno passo inovador pode representar um grande salto num determinado setor. O que dirá em outros mais sofisticados. O livro de Glauco Arbix disseca o tema inovação tecnológica num momento em que o Brasil começa a despertar para o tema. Sem ela, dificilmente o Brasil terá condições de dar o salto de qualidade que necessita para manter um crescimento sustentável de sua economia. Uma boa leitura.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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