Pensata

Valdo Cruz

30/10/2007

Falta foco

Cena recente ocorrida em Nova York. Um grande produtor de óleo de soja brasileiro reuniu-se com um grupo de investidores estrangeiros para tentar convencê-los a investir no seu negócio. O plano industrial do empresário brasileiro agradou. Custo de produção baixo, boa plantação de soja, transparência total do projeto. Enfim, o plano estava repleto de qualidades e encheram os olhos dos investidores. Fora isso, as condições macroeconômicas no país são favoráveis, economia em crescimento, inflação baixa, juro ainda alto mas bem menor do que num passado recente. Só que aí veio uma perguntinha final: E o seu plano de logística? Qual será seu custo de exportação? Como estão as condições de escoamento da produção pela via portuária? Aí deu vontade de chorar, confidenciou o empresário brasileiro a amigos.

Aí está o problema de hoje no Brasil, uma conclusão óbvia, segundo o empresário, mas que ainda não ganhou a urgência merecida e necessária. É fato que há um esforço do governo Lula para tentar aumentar investimentos no setor de infra-estrutura, materializado no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas será que ele vai resolver tudo sozinho? Infelizmente tudo indica que a resposta seja negativa. Por mais esforços e vontade do governo, dificilmente ele conseguirá suprir todas as necessidades brasileiras no campo da infra-estrutura num futuro próximo.

Vejamos o caos dos aeroportos. A população já está começando a achar que essa confusão periódica veio para ficar, o melhor é se acostumar com ela e encontrar fórmulas de minorar os prejuízos. Se tem uma agenda pela manhã em São Paulo, não saia mais de Brasília no mesmo dia. Trate de ir no dia anterior. Só que isso significa mais custo e perda de tempo. Antes, bastava seguir cedo para o aeroporto e chegar na reunião em tempo. Não dá mais. Para quem detesta aeroportos, é um suplício.

E qual o sinal de solução? No curto prazo, nenhum. No médio prazo, também. No longo prazo, quem sabe. E sabe por quê? Porque o governo acredita que consegue solucionar sozinho esse problema. Não vai. Com o país crescendo, o tráfego aéreo só tende a crescer. E o que estamos fazendo no meio da crise? Tentando diminuir o fluxo aéreo, num momento em que deveríamos estar tomando medidas para acomodar de forma eficiente o seu aumento inexorável diante do crescimento da economia.

Por que então não partir para o caminho da privatização dos aeroportos? Ah, não, a Infraero é um fonte inesgotável de dividendos políticos, são obras que rendem favores no futuro, lojinhas distribuídas a amigos nos aeroportos, uma capacidade de geração de caixa enorme. Mas aí quando ficará pronta a tão necessária terceira pista no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo? Como ainda, felizmente, não explodiu nenhum outro avião, o tema parece ter voltado ao ritmo natural de todos os governos. A crise vai esfriando e os planos vão ganhando um ritmo de tartaruga.

E voltando ao dilema portuário enfrentado pelo empresário brasileiro diante de investidores estrangeiros, quando o governo decidirá colocar um plano que resolva o problema. Nossos custos portuários estão entre os mais elevados do mundo, filas de caminhões para desembarcar produtos nos nossos portos é uma rotina a cada final de safra, há um esquema antigo e atrasado de gerenciamento de nossas docas. E o governo diz que está preocupado, está agindo, mas há, no empresariado, uma sensação de que não com a urgência necessária.

E com o país crescendo é tiro e queda. Teremos filas de caminhões cada vez maiores à espera de desembarcar seus produtos. Estrada esburacada ainda dá para enfrentar. Pega-se um atalho aqui, enfrenta-se um buraco ali, perde-se mais tempo, mas dá para chegar ao porto. Mas do gargalo ali, na boca do mar, não dá para fugir. Não há caminho alternativo a buscar.

Essa é a agenda que deveria estar na lista dos temas prioritários do governo. Deveria consumir cada gota de suor da equipe de Lula. Juros ainda são um problema? Sim, são. Por mais que tenham caído, e caíram, ainda são altos. Mas não dá para jogar a culpa sempre na política monetária. Bem ou mal, ela reduziu a inflação. E abriu caminho para a retomada do crescimento. E se os juros continuarem a cair, o que parece bem provável no próximo ano. Tome mais investimento, tome mais crescimento. E a nossa infra-estrutura deficiente, como fica? Teremos tempo para torná-la pelo menos razoável num ponto que possa suportar o novo ritmo de crescimento do país?

Será um triste destino se descobrirmos que teremos perdido a possibilidade de garantir taxas de crescimento acima de 5% por conta de um país ainda em frangalhos no seu sistema de transporte, de energia, de portos e por aí vai. O governo Lula deu um passo no sentido de atrair investimento privado ao fazer um leilão vitorioso de sete trechos de rodovias federais. Que tal incrementar esse caminho? Acelerar o leilão de novos trechos, colocar na lista de privatização os aeroportos, os portos. É mais do que uma questão de prioridade, é de necessidade do país. Urgente. Só que ainda tem petista sonhando com o passado, com ojeriza de empresários, os representantes do diabo na terra. Acredite, tem muita gente ainda com essa visão dentro do governo petista, que acha que empresário só quer explorar. É triste, mas é uma realidade. O presidente Lula até que tem se mostrado distante dessa turma. Mas talvez não ainda o suficiente.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

FolhaShop

Digite produto
ou marca