Pensata

Valdo Cruz

04/12/2007

Lula, o ausente

Súbito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter despertado de um longo sono e saiu falando de CPMF, nos últimos dias, por onde passasse. Disparou fogo na direção dos democratas, se assanhou para os tucanos, bajulou com cargos e verbas os aliados, tudo em nome de prorrogar o chamado imposto do cheque. Um aliado faz a seguinte análise da mudança de comportamento do presidente: até então, Lula estava praticamente ausente do debate, não havia entrado, em nenhum momento, de corpo e alma nas negociações. Assistia a um tudo como um espectador, certo da vitória na reta final.

Segundo esse governista, ou Lula estava muito mal informado ou sofria mais um daqueles típicos ataques de quem se considera ao lado do povo e, portanto, tudo se resolve no final, pois assim o povo deseja. Tudo indica, na avaliação desse amigo do presidente, ser um pouco de cada coisa. Exemplos: um ministro, durante reunião com senadores, disse na semana passada, para espanto de todos, que o presidente desconhece metade dos problemas do Congresso.

Mais: para quem precisa dos votos dos senadores, Lula não recebeu no último mês vários deles em seu gabinete para conversas individuais. Pior, tem gente da base aliada que nunca foi recebido por ele. Sintoma de quem não gosta de se envolver no contato direto com os parlamentares. Em certo sentido, Lula tem lá sua razão. Alguns são bem chatos, só falam de cargos e verbas. Só que sem os votos dessa turma o presidente não conseguirá a prorrogação da CPMF.

Diríamos que esse pessoal não está lá muito ligado no que o povo quer, como confia Lula, mas em seus interesses particulares. Difícil imaginar que o petista não soubesse disso, mas estava agindo como tal. Na oposição, a leitura é um pouco mais ácida. Lula estaria atuando com a arrogância de sempre, de quem se imagina acima do bem e do mal e tudo pode. Sua sorte é que pode ter acordado ainda a tempo. Mas terá de manter os olhos abertos. E o cofre também.

Afinal, para mudar a opinião de alguns senadores rebeldes da base aliada e outros da oposição, apenas conversa não vai adiantar. E o quadro, nessa reta final, é de insegurança total para os dois lados. A esperança do Palácio do Planalto é que governadores e prefeitos descubram a tempo o tamanho do prejuízo que terão com a extinção da CPMF e entrem em campo. Por sinal, alguns deles já estão fazendo isso. Senadores têm recebido ligações de prefeitos, inclusive de filiados aos Democratas, pedindo que eles votem a favor do imposto do cheque. O mesmo estão fazendo governadores. O empurrão final viria com a ajuda de José Serra (SP) e Aécio Neves (MG). A conferir. E não vai demorar muito. O tempo é curto.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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