Pensata

Valdo Cruz

11/03/2008

A novela de sempre

Tudo de novo, sem grandes modificações no roteiro seguido há anos em Brasília. O Congresso se enrola todo na votação do Orçamento da União, o projeto que define onde o governo deve gastar o dinheiro arrecadado dos contribuintes, ou seja, onde o Executivo vai aplicar o seu, o meu, o nosso dinheirinho. E mais uma vez, como sempre, a novela está atrasada. É fato que dessa vez o governo deu sua contribuição com a derrota da CPMF. O Orçamento teve de ser refeito e a votação da proposta ficou para 2008, quando deveria ter ocorrido no ano passado. Mas a turma do Congresso não ficou atrás. Criaram uma espécie de orçamento paralelo, destinando R$ 534 milhões a um grupo de privilegiados. Só que a esperteza foi descoberta e agora virou uma guerra dentro do Legislativo. O fato é que a montagem do Orçamento continua rendendo confusões e levantando suspeitas de todos por aqui. O mesmo Orçamento que gerou os anões do Congresso, aquele grupo de deputados que mandava e desmandava na destinação das verbas orçamentárias e ganhava comissões pelo trabalho. Boa parte foi cassada. Era para os parlamentares terem aprendido a lição. Só que a história se repetiu, mais recentemente no caso dos sanguessugas, aquela turma que ganhava um dinheirinho por fora para destinar dinheiro do Orçamento para compra de ambulâncias. Infelizmente, a elaboração do Orçamento continua sendo um campo fértil para desvios e maracutaias. E, infelizmente, até hoje pouco foi feito para moralizar e tornar mais transparente esse processo.

Agora, o presidente Lula decidiu intervir e chamou sua base governista para uma reunião em que cobrará a votação do Orçamento ainda nessa semana. Sem o texto aprovado, o governo vai começar a enfrentar dificuldades para tocar seus projetos e até pagar despesas para manutenção da máquina pública. O grande temor do presidente é provocar atrasos nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Lula aposta em seu projeto para manter a economia aquecida e garantir taxas de crescimento do país perto dos 5%. É tudo o que ele deseja para ter condições de fazer seu sucessor. Daí sua pressa. Daí que até adiou uma viagem para reunir sua base aliada no Congresso. Como o governo pode argumentar que sem orçamento não pode liberar a graninha das emendas dos parlamentares, a pressão deve surtir efeito. É isso, tudo continua funcionando na base da pressão e das barganhas.

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Esquece

Aqui e ali, em Brasília, a tese do terceiro mandato para Lula volta a circular. Bem timidamente, é verdade, mas voltou a ser citada por gente do governo e da oposição. Estimulada pela avaliação de que não será tarefa fácil viabilizar o nome da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) como candidata à sucessão do presidente Lula e diante de uma popularidade presidencial em alta. Bem, primeiro, ainda continuo acreditando na sinceridade do presidente quando diz que jamais faria um movimento nesse sentido, de ter direito a um terceiro mandato. Caso esteja sendo ingênuo, o que não pode ser descartado, mesmo assim acho que essa tese não prospera. Pelo simples fato de que tem muita gente com expectativa de poder em 2010. Dentro e fora do complexo governista. Só para lembrar, um terceiro mandato demanda a aprovação de uma emenda constitucional no Congresso. São necessários três quintos dos votos de deputados e senadores. Seria necessário ter o apoio em bloco dos governistas de plantão e ainda conquistar a simpatia de parlamentares da oposição. Sinceramente, esquece. Ninguém do PSDB e do Democratas embarca nessa canoa. Nem do PSB de Ciro Gomes. Diante dessas dificuldades, seria uma batalha cara demais para ser encampada. Mas não se iluda. Os serviçais de sempre vão soltar seus balões de ensaio. Não vai dar em nada, mas vai gerar barulho.

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Teste do sereno

O presidente Lula inaugurou no Rio a fase mais importante para tentar viabilizar o nome de Dilma Rousseff como sua candidata à Presidência em 2010. É a fase do sereno. Vai intensificar a exposição pública da ministra Casa Civil. Quer torná-la conhecida nacionalmente e associar seu nome a ações que beneficiem diretamente o eleitorado de baixa renda. Daí que não basta apenas entregar a ela a gerência do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Boa parte do programa conquista a simpatia e o apoio do empresariado. Essa turma é importante. Financia campanhas, mas é minoritária no eleitorado. Então, é preciso conquistar "corações e mentes" de outra fatia do eleitorado, aquela majoritária, que vai da classe média baixa à turma da baixa renda. Aí, a ordem é mostrar Dilma como responsável pelos projetos de saneamento e habitação, como os que vão ser tocados nas favelas do Rio de Janeiro. Vai dar certo? Cedo pra dizer. O fato é que Lula colocou sua ministra da Casa Civil, a "mãe do PAC", no sereno.

Dilma tem pela frente dois desafios: nunca enfrentou o clima de uma campanha eleitoral e fora do meio político e empresarial poucos sabem quem ela é, o que se reflete nas pesquisas eleitorais que mostram a ministra com 4% de intenção de votos. Para superar essas dificuldades, Lula decidiu que a ministra vai acompanhá-lo nas viagens de lançamento das obras do PAC, como aconteceu no Rio de Janeiro. O foco das viagens desse ano são os projetos de habitação e saneamento, exatamente aqueles que terão um impacto eleitoral maior por causa dos benefícios diretos para a população.

Nome preferido do presidente, Dilma não é bem aceita dentro de seu partido. O PT costuma reclamar que a ministra não defende os interesses partidários, mas apenas do presidente. Hoje, os petistas têm maior inclinação pelo nome de Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), o ministro do Bolsa Família. Assessores de Lula avaliam, contudo, que o PT terá de engolir Dilma Rousseff caso ele consiga viabilizá-la como candidata. O Palácio do Planalto acredita que há tempo de sobra para uma forte exposição da ministra até 2010, apostando no resultado das obras do PAC.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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