Pensata

Valdo Cruz

06/05/2008

Novela decadente, mas ainda relevante

Em Brasília, quando se cria uma grande expectativa a respeito de algum evento, o resultado costuma ser frustrante para alguns e um alívio para outros. É o que pode acontecer com o depoimento da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) na Comissão de Infra-estrutura do Senado. Sem munição, a oposição joga todas suas fichas na fala da ministra como última tentativa de sangrar o governo na CPI dos Cartões Corporativos. Se Dilma se sair pelo menos razoavelmente, adeus comissão. Ela estará definitivamente sepultada. Já é praticamente uma morta-viva, sem forças, pelo menos por enquanto, para assombrar quem quer que seja.

Convocada para falar do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Dilma será testada de verdade nas perguntas da oposição sobre o dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua mulher, Ruth Cardoso. A oposição não está muito interessada em falar do carro-chefe eleitoral do presidente Lula, mas sim da confusão armada dentro do Palácio do Planalto com a montagem de uma planilha paralela com despesas presidenciais dos tempos de FHC. Até aqui, porém, tucanos e democratas não conseguiram muita coisa para tentar encurralar o governo no episódio.

Tanto que entre governistas a maior preocupação não está mais no Congresso, mas na investigação em curso pela Polícia Federal sobre quem vazou e quem montou o dossiê dos gastos tucanos. Já temendo um desfecho desfavorável do inquérito da PF, governistas seguem na articulação de tentar mostrar que gastos de ex-presidente não são sigilosos. Daí que o dossiê deixaria de ser crime. Uma operação já tornada pública pelo próprio Lula, que em entrevista deu ares oficiais para a estratégia palaciana ao dizer que depois de deixar o governo seus gastos não serão mais sigilosos. Isso depois de muita gente do governo dizer que os dados do dossiê eram, sim, reservados e protegidos e não deveriam ter sido vazados. Mas, pelo visto, que se danem os fatos, o importante é a versão mais apropriada.

Mais incrível ainda é que o relator da CPI dos Cartões Corporativos, o petista Luiz Sérgio, tende a propor em seu relatório que os dados de ex-presidente se tornam públicos e perdem o caráter de confidenciais quatro anos após o término de seu mandato. Deve ser apenas uma coincidência, mas para Lula essa regra começaria a valer apenas depois de ele terminar seu segundo mandato. Já para FHC ela já estaria em vigor, se for acatada e transformada em lei. Ou seja, os dados vazados não seriam sigilosos. Não sendo sigilosos, toda confusão criada em torno dos gastos tucanos não tinha serventia nenhuma e ninguém precisa ser punido.

O único risco para a ministra continuará sendo a PF. Por sinal, a fala de Dilma ocorre fora do timing preferido pelo Palácio do Planalto. Na estratégia ideal dos palacianos, ela só enfrentaria os senadores depois de concluído o inquérito da PF, ficando livre assim de futuras contradições caso os agentes federais consigam decifrar o caminho do dossiê, desde a sua origem até o seu vazamento. Mas até nesse caso a estratégia governista já foi montada. Aí, alguém será sacrificado dentro do Palácio do Planalto. Um assessor ou assessora da ministra. Fala-se em sua secretária-executiva, Erenice Guerra. A conferir os próximos capítulos de mais essa novela brasiliense. Cuja audiência já caiu e muito. Está um pouco decadente. Principalmente depois que tucanos e democratas descobriram que o tema não tem lá grande apelo entre o eleitorado. Mas seu final não deixa de ser relevante. Será uma pena se se transformar em mais um daqueles casos sem fim.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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