Pensata

Valdo Cruz

01/07/2008

Leituras e exemplos

O governo Lula perdeu uma boa oportunidade para servir de exemplo no último final de semana. Bastava dar uma simples ordem às autoridades de trânsito de Brasília no sábado passado: que elas mandassem montar uma blitz na saída da Granja do Torto, com policiais munidos de bafômetros. A cada ministro que deixasse o "Arraiá do Torto", tradicional festa junina organizada pelo presidente Lula e sua mulher, Marisa Letícia, os policiais mandariam estacionar o carro e submeteriam o condutor do veículo às maquininhas que estão tirando a alegria de muito brasileiro por aí. Aqueles que tivessem ingerido bebida alcoólica na festança presidencial, com certeza entregariam o volante à mulher. Os que estivessem desacompanhados, que chamassem um serviço de táxi. E ninguém seria preso na saída da Granja do Torto, mostrando ao Brasil que a lei que proíbe o consumo de bebida alcoólica para quem está dirigindo, sancionada pelo próprio presidente, tem de ser cumprida por todos.

A nova legislação tem sido criticada por muitos por ser radical. Torna passível de punição até aquele motorista que ingerir apenas um copo de cerveja ou uma taça de vinho. Tudo bem, realmente ela é muito severa e talvez pudesse ter algum tipo de tolerância. Só que foi exatamente o quadro crítico do trânsito no Brasil, com inúmeros exemplos de motoristas embriagados provocando mortes país afora, e mesmo assim ficando impunes, que levou à aprovação de uma regra tão radical e severa. Infelizmente, talvez seja esse o caminho para tornar alguns motoristas mais civilizados, mesmo que à custa de prejudicar outros que bebem com responsabilidade.

Daí que realmente o governo poderia ter dado sua contribuição para fazer essa lei realmente pegar no Brasil. Não apenas determinando a operação "tolerância zero", que no último final de semana prendeu 189 motoristas e multou outros 255 por conta de ingestão de álcool antes de dirigir, mas também dando seu exemplo de evitar o volante após tomar uma cervejinha, um quentão ou uma pinguinha nas barraquinhas da Granja Torto. Porque, infelizmente, estamos repletos de exemplos de legislação que se transformam em letra morta. E, como todos sabemos, a posição de governos é fundamental para que algo realmente seja cumprido nesse país.

Para finalizar, não vou resistir, o ideal é que a ordem partisse do próprio presidente Lula e que fosse uma blitz de verdade, daquelas que pegam as pessoas de surpresa. Lula, com certeza, ficaria rindo à toa dentro da Granja do Torto, a cada notícia de um assessor flagrado no teste do bafômetro. Seria uma bela propaganda. Para a nova lei e para seu governo, também. E o presidente ainda poderia, de quebra, condecorar aqueles que fossem aprovados pelos policiais ou entregassem o volante à mulher.

Recado ou indiscrição

Saindo dos exemplos, passando para as leituras, nos bastidores de Brasília o grande questionamento desse início de semana tinha como alvo a entrevista concedida pelo chefe-de-gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, à revista Veja. Pela proximidade e amizade com o presidente Lula, muita gente fazia a leitura de que Gilberto Carvalho passou recados do chefe. Mas havia também a interpretação de que as declarações do chefe-de-gabinete devem ser classificadas como indiscrições palacianas.

Na entrevista, Gilberto Carvalho fala de um Lula irritado com seu ministro Guido Mantega (Fazenda) por conta da inflação, diz que o chefe, entre o "cerradinho e a soja", prefere a soja, afirma que é coisa "séria" a idéia do presidente de lançar Dilma Rousseff candidata em 2010 e por aí vai. Uma entrevista recheada de cutucadas e revelações que animou os bastidores de uma Brasília sem agenda forte nesse início de semana.

Uma leitura da entrevista de Gilberto Carvalho, contudo, é líquida e certa: ele apenas refletiu o que se passa no gabinete presidencial. Agora, se foi escalado ou não para passar recados pelo chefe, essa é outra história. Um assessor palaciano duvida. Diz que Lula não precisa disso. Se tem de passar um recado, fala diretamente com o interlocutor ou, então, usa seus inúmeros discursos. Bem, o fato é que Gilberto Carvalho, na definição de amigos, foi "ousado" e "corajoso".

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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