Pensata

Valdo Cruz

01/12/2009

Triste realidade do se gritar...

Infelizmente, nesse exato momento, nesse exato instante, em algum canto do país, estão se repetindo as mesmas cenas divulgadas nos últimos dias mostrando autoridades brasilienses, entre elas o governador José Roberto Arruda (DEM-DF), recebendo dinheiro ilegal. A diferença é que elas continuam inéditas, mantidas sob sigilo, fazendo com que o dinheiro público seja usado para enriquecer alguns e eleger outros. Dinheiro do contribuinte, que paga pesados impostos e não recebe de volta serviços públicos dignos na educação, na saúde.

Ficamos, infelizmente, sempre na dependência de alguém de dentro do esquema sair contrariado e decidir colocar a boca no trombone. Ou ser flagrado em algum desvio pela Polícia Federal e começar a abrir o bico, entregando seus comparsas. Só assim ficamos sabendo da malversação do dinheiro público, só assim esquemas são desmontados.

A certeza de que os episódios revelados em Brasília se repetem aos borbotões país afora, em maior ou menor escala, vem de uma rápida checagem de fatos recentes da história política brasileira. Afinal, quem não se lembra do mensalão petista, com deputados da base aliada do governo Lula sacando dinheiro na agência de um banco em Brasília. Ou do escândalo do governo de Fernando Collor. Ou então da famosa CPI dos Anões do Orçamento, aquele grupo de deputados que fazia uma festa desviando recursos públicos. Não vou citar todos os casos. Daria nojo. Por sinal, dá mais do que nojo assistir imagens de políticos escondendo dinheiro dentro de bolsas, bolsos, meias e até cueca. É revoltante.

O inacreditável é que, depois de tantos escândalos, tudo continua o mesmo. A única resposta que encontro é que, em maior ou menor grau, o mundo da política se beneficia desses esquemas. Com raríssimas exceções, o dinheiro do caixa dois continua a irrigar campanhas políticas, a enriquecer funcionários corruptos, inclusive daqueles que ficam por aí condenando o sistema atual de financiamento de campanha, que estimula o político a ser um lobista do setor privado. O fato é que estamos cansados de ouvir o diagnóstico correto para os desmandos da política nacional, mas ficamos nisso. No diagnóstico. Ação, mesmo, que é bom, ninguém parece disposto a concretizar. E vamos seguindo, até o próximo escândalo. Com imagens cada vez mais chocantes.

Não salva um...

Lembra daquela música, "se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão"? Pois bem, vou relembrar um fato que ouvi alguns anos atrás sobre financiamento de campanha. Alguns tesoureiros toparam conversar reservadamente para falar sobre o modus operandi de arrecadação de recursos para eleições. Um desses relatos foi emblemático.

O tesoureiro havia recebido a oferta de uma grana alta de um empresário, mas com duas condições: teria de ser em dinheiro vivo, porque era caixa dois, e ele fazia questão de entregar pessoalmente ao candidato _um político que passou por todos, todos, os cargos importantes desse país e que figura na lista daqueles "acima de qualquer suspeita". Bem, o tesoureiro foi logo dizendo que era difícil o candidato recebê-lo naquelas condições. Talvez depois da entrega do dinheiro, num outro dia, mas a grana tinha de ser entregue a ele, tesoureiro. O empresário não concordou. Como a grana era alta, o tesoureiro convenceu o candidato a receber o financiador. Data combinada, o empresário partiu no seu jatinho para fazer a entrega. Ao chegar na cidade de destino, dirigiu-se ao escritório do candidato. Não conseguiu passar da recepção. Teve de voltar para casa com a maleta cheia de dinheiro.

Depois, em conversa com o tal tesoureiro, ele recebeu as explicações. "Meu candidato é pessoa que não se envolve com esses detalhes, ele nunca aceitou receber diretamente dinheiro de campanha. Seja de caixa um ou de caixa dois. Para essas tarefas, eu sou o encarregado. Se quiser, pode entregar a mim aquela sua doação. Caso contrário, esqueça."

O tesoureiro me disse que não recebeu aquele dinheiro. Tenho minhas dúvidas. Mas ali fiquei com a certeza de que aquele candidato, acima de qualquer suspeita, sempre teve o cuidado de não deixar suas digitais nesse negócio de financiamento de campanha. Até hoje nunca vi seu nome ligado a nenhum escândalo.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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