Pensata

Valdo Cruz

11/05/2010

Mordendo a isca

O comando de campanha de Dilma Rousseff comemorou a entrevista do tucano José Serra à rádio CBN. Enfim, comentavam os petistas, Serra mordeu a isca. Não totalmente, mas pelo menos parte dela. Não dá para fisgar o tucano completamente, mas Serra deu a escorregada que os petistas tanto desejavam.

Ao sair do sério e se irritar com perguntas da colunista de economia Miriam Leitão, o tucano fez uso de expressões que, na avaliação dos aliados de Dilma, denotaram total deselegância com a jornalista. Durante a entrevista, Serra, demonstrando desconforto com as indagações, soltou expressões como "tenha paciência" ou "mas que bobagem".

Palavras que, se saíssem da boca de Dilma, afirmavam ontem os petistas, seriam motivo de crise total. Em tom de provocação, aliados da ex-ministra questionavam: "Será que essas declarações do Serra vão estar reproduzidas nos jornais?".

Bem, em primeiro lugar, a turma petista tem razão ao dizer que Serra saiu da linha. E não foi a primeira vez. Ele já havia se irritado com jornalistas em outras entrevistas, mas a da CBN tem maior repercussão. As expressões e o tom usado pelo tucano parecem muito com o estilo recente de Dilma, que foi orientada a abandoná-lo para evitar parecer arrogante.

Segundo, Serra distanciou-se um pouco daquela personagem criada por ele, repleta de elogios ao presidente Lula, de concordância quase que total com os programas do atual governo. Na entrevista da CBN, criticou a política monetária do Banco Central de Lula, dando a senha para que Dilma viesse a público marcando posição contrária.

Em outras palavras, para enfatizar que petistas são uma coisa, tucanos, outra. Um olhar mais atento de quem acompanha a ex-ministra da Casa Civil de perto saberá, porém, que o contraditório criado por Dilma é coisa recente. Há bem pouco tempo, ainda no governo, suas colocações sobre a política do BC não se diferenciavam em nada do que Serra disse ontem.

Agora, porém, ela está no papel de candidata. Nessa posição, segundo aliados, tem de demonstrar o peso do cargo que pode vir a assumir. Daí a mudança de tom. Bem, o fato é que ela é a candidata de Lula, que também sempre criticou o BC nos bastidores, mas deu quase total liberdade a Henrique Meirelles na condução da política monetária. Não sem pressioná-lo reservadamente. Às vezes, com sucesso. Muitas vezes, não.

A dúvida que fica é se os escorregões de Serra são suficientes para começar a colar no tucano a imagem de quem pode mudar tudo no governo se vencer a eleição. Afinal, essa é a estratégia petista desde o início. Outra dúvida: será que pega tão mal assim o conteúdo das declarações de Serra sobre o BC, demonstrando claramente que não poupará de críticas públicas um Banco Central sob seu comando que tome medidas com as quais não concorde?

No mercado financeiro, com certeza. No setor produtivo, quem sabe. Acho que deve ter mais gente comemorando nesse mundo real da economia do que criticando. Pelo menos num primeiro momento. Depois, se declarações como essas começarem a contaminar a vida real...

Mas como fez questão de ressaltar Serra na mesma entrevista, o próprio Lula disse não acreditar em "virada de mesa", seja quem for o vencedor na eleição presidencial. Nessa passagem da entrevista à rádio CBN, prevaleceu o Serrinha Paz e Amor.

Bem, tudo isso anima a plateia, faz esquentar a campanha, mas ela só está começando. Ainda não ganhou nem corações nem mentes do grosso do eleitorado. Esse, só depois da Copa vai se sintonizar no que dizem Serra, Dilma e Marina.

Valdo Cruz

Valdo Cruz é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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