Publifolha
04/03/2007 - 09h17

Boris Casoy: "Empresário primoroso, jornalista completo"

da Folha Online

Depoimentos e palestras de 26 jornalistas e intelectuais brasileiros estão reunidos em "Um País Aberto: Reflexões sobre a Folha de S.Paulo e o jornalismo contemporâneo", livro da Publifolha sobre a história do jornal e temas atuais do jornalismo --econômico, on-line, cultural-- e a relação entre imprensa e pesquisas de opinião.

Leia abaixo o texto de Boris Casoy, jornalista que foi editor-responsável da Folha de 1974 a 76 e de 1977 a 84. Na televisão, foi âncora do "TJ Brasil" (SBT) e do "Jornal da Record" (Rede Record). O relato fez parte do ciclo de seminários de 2002 da Cátedra de Jornalismo Octavio Frias de Oliveira, mantida pela UniFiam-Faam.

Também estão disponíveis para leitura os artigos "Um pai puritano e iluminista", de Otavio Frias Filho; "Um País Aberto", de Octavio Frias de Oliveira, e "Independência: formidável artigo jornalístico", de Clóvis Rossi.

EMPRESÁRIO PRIMOROSO, JORNALISTA COMPLETO

25 de fevereiro de 2002

Em nosso grupo de amigos, a gente sempre brinca com as pessoas dizendo --já que o sr. Frias sempre foi avesso às homenagens, e esta é uma das raras homenagens que ele recebe-- que "fulano de tal vai sofrer hoje uma homenagem". Mas hoje ele está recebendo uma homenagem. Quero cumprimentar dirigentes e alunos da Fiam pela justa outorga do título de doutor honoris causa ao sr. Octavio Frias de Oliveira e também pela criação da Cátedra de Jornalismo Octavio Frias de Oliveira. Agradeço aos amigos que viram em mim uma das pessoas que estão tendo o privilégio de saudar Frias nesta ocasião.

Flávio Florido/Folha Imagem
Octavio Frias de Oliveira na redação da Folha de S.Paulo em 2003; veja galeria de fotos
Octavio Frias de Oliveira na redação da Folha de S.Paulo em 2003; veja galeria de fotos

Além da justiça desta homenagem, tenho certeza de que o sr. Frias a aceitou por conhecer o valor desta organização de ensino e pelo que ela representa para o jornalismo do país. Aí estão, em todos os escalões da imprensa brasileira, profissionais saídos desta casa, produto das idéias e do trabalho do professor Edevaldo Alves da Silva [nota da redação: presidente das instituições UniFMU, UniFIAMFAAM e Fisp]. Melhor prova de qualidade não há. Nos muitos anos que me ligam ao Octavio Frias de Oliveira, jamais --eu repito-- o vi aceitar quaisquer honrarias ou homenagens. Honrarias, homenagens nunca fizeram parte do seu mundo. Daí a importância também deste singular evento.

Embora suspeito, devido à fraterna amizade que nos liga, a proximidade com que trabalhei com ele na Folha me concede o benefício de observador privilegiado. Peço antecipadas desculpas aos cultores da objetividade jornalística, dentre os quais me incluo e incluo Frias também, por qualquer observação permeada pela emoção que eu possa fazer, mas me sinto neste momento com licença para qualquer tipo de constatação emocional.

Quem vê o sucesso jornalístico e empresarial da Folha raramente consegue avaliar os esforços e os sacrifícios, a estratégia e a inteligência que são combustíveis desse sucesso. Não tenho dúvidas em afirmar que a maior parte do mérito disso tudo pode ser atribuído a Frias. Ele e seu sócio, o saudoso Carlos Caldeira Filho, quando aportaram na Folha, eram dois empresários ascendentes sem nenhum contato com o mundo da imprensa. E não foi por um golpe de sorte que eles produziram uma empresa jornalística com tal credibilidade e sucesso empresarial. Jornalistas e um sem-número de profissionais de vários setores se envolveram nessa tarefa.

Posso dizer com absoluta tranqüilidade que a mola mestra desse sucesso é Octavio Frias de Oliveira. Ele soube conduzir a empresa. Sou testemunha pessoal de vê-lo, muitas vezes, solitário timoneiro nas tempestades, nas adversidades produzidas pelos planos econômicos de plantão e por avassaladoras crises que têm se abatido sobre este país. Frias sempre soube administrar e canalizar competências e vaidades dos que o cercam. A presença constante em todos os setores da empresa, a disciplina rígida que ele se auto-impõe e as 14 ou 16 horas de trabalho que ele ainda cumpre ajudam a explicar um pouco dos resultados da Folha. O meio empresarial conhece a sua competência, mas os resultados gritam muito mais alto, falam por si sós.

Não se justifica o horror que ele tem de ser chamado de jornalista. "Eu não sou jornalista" é uma de suas respostas clássicas. Mas, mesmo sem querer, acabou sendo um jornalista, e da melhor qualidade. Poucos questionam tão bem como ele nas conversas com o poder. Na verdade, além de sua ânsia de conhecer, ele se empenha em ir a fundo nos fatos. O desejo de fazer um bom produto o transforma, às vezes, num crítico ácido do seu próprio jornal, um ombudsman informal que se dá à ousadia de telefonar às sete horas da manhã para um diretor de Redação para interpelá-lo sobre a qualidade do produto que está nas bancas. Nenhum Procon faria isso melhor. Dotado de uma extraordinária criatividade, Frias nunca determina, nunca manda, nunca, jamais impõe; sempre sugere, e sugere mesmo. Contestado, desde que com argumentos convincentes, rende-se com tranqüilidade. Sabe ser voto vencido. Mas é voto vencido em nome da melhor verdade e na busca da qualidade do produto.

As discussões políticas e empresariais, muitas vezes envolvendo questões pessoais de "neurotismo" que permeia a produção de um jornal, acabam sendo verdadeiras aulas que Frias proporciona aos profissionais mais moços e a alguns calejados jornalistas, que acabam revelando ter sempre algo a aprender com ele. Algo que vai de coragem e generosidade. Peço perdão mais uma vez pelo aparente pieguismo que minhas palavras possam aparentar, mas acho que esta é a hora de revelar algumas coisas dessa personalidade tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexa.

Mais de uma vez, vi Frias repreendendo jovens jornalistas que, impulsivos, procuravam dar o chamado troco a alguém que havia sido injusto com o jornal ou com seu publisher. São impulsos próprios da fraqueza do ser humano. A resposta de Frias sempre era "não. "Eu jamais bato em homem deitado." É claro que todo ser humano tem seus defeitos, e o Frias também tem. Eu posso criticá-lo, porque ele não é mais meu patrão. O defeito mais grave do Frias, defeito que todos nós lamentamos, é que ele é um pouquinho "seguro". Alguns o acham "mão-fechada" demais. Mas ele diz que isso é para o bem da empresa, e todos fazemos força para acreditar nessa versão.

A soma de tudo isso resulta num empresário primoroso, num jornalista completo, num ser humano sensível, que, junto com sua mulher, dona Dagmar, soube dividir bem o tempo entre empresa e família. Aí estão seus filhos ocupando de maneira brilhante seus postos na Folha. E não pensem os senhores que eles estão fora do alcance do ombudsman implacável; ao contrário, a intimidade permite observações em volume maior e mais veemente.

Pai de família e empresário-jornalista, Frias acaba se revelando, acima de tudo, um amante da liberdade e da democracia. O país deve muito a Octavio Frias de Oliveira. Foi por coragem de Octavio Frias de Oliveira --e disto eu sou testemunha-- que a Folha enfrentou agressões de regimes autoritários e de presidentes eleitos. Foi por coragem e determinação de Octavio Frias de Oliveira que a Folha, num momento difícil, escancarou suas páginas a todas as tendências de pensamento e a um amplo leque ideológico. Foi pela coragem e determinação de Octavio Frias de Oliveira que a Folha manteve, apesar das pressões, sua independência e seu apartidarismo. Defensor intransigente da independência do jornal, Frias opta sempre pelo Brasil, opta sempre pela democracia. Por tudo isso, ele recebe, repito, esta justa homenagem. Uma homenagem a um brasileiro que coloca toda uma vida a serviço de seu país.

"Um País Aberto"
Autor: Vários
Editora: Publifolha
Páginas: 204
Quanto: R$ 29
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha.