Publifolha
08/07/2003 - 08h50

Resenha: Violência, vida e esperança

LUIZ EDUARDO SOARES
Especial para a Folha de S.Paulo

Bertolt Brecht lamentava: "pobre do país que precisa de heróis". O nosso precisa de democracia substantiva e desarmamento, justiça social e paz. Menos racismo, exclusão e desigualdade, mais cidadania e tolerância pela diversidade. Já passou, entre nós, o tempo dos heróis, felizmente.

Divulgação
Livro apresenta os patamares da violência urbana no Brasil
Livro apresenta os patamares da violência urbana no Brasil

As mudanças, agora, podem ser feitas através das instituições, sob regência constitucional. Entretanto, o Brasil precisa, sim, de biografias exemplares e de referências tangíveis: o discreto heroísmo cívico, delicado mas firme, flexível mas rigoroso, sobretudo coerente, que habite conosco nosso pedaço de planeta, sem bravatas e grandiloquência, sem arrogância acusatória, interrogando a experiência aparentemente banal das cidades e da cidadania, e divisando o novo, na simplicidade do cotidiano, para ajudar a promover as mudanças.

Nosso país precisa da presença pública revitalizante e eticamente inspiradora, transitando entre diásporas políticas e Tordesilhas ideológicas, de Paulo Sergio Pinheiro, o gentleman cosmopolita que tece com a África, as Américas e o velho mundo a rede dos direitos humanos.

Mas esse texto telegráfico não é uma homenagem; é uma apresentação sumaríssima de seu livro mais recente, em parceria com seu colega do Núcleo de Estudos da Violência, da USP, o professor Guilherme Assis de Almeida.

Impossível, entretanto, apresentá-lo sem situá-lo no âmbito de uma prática, a um só tempo ético-política e intelectual. Prática que, para desvelar-se, não pode prescindir do perfil de seus protagonistas.

Paulo Sérgio e Guilherme estiveram à frente da Secretaria de Estado (hoje, Especial) dos Direitos Humanos. Hoje, de volta ao NEV e à vida acadêmica internacional, prosseguem na mesma trajetória, cumprindo o mesmo programa: diagnosticar o quadro nacional de transgressões aos direitos, identificando pontos de inflexão instalados à margem dos processos desagregadores, analisando movimentos populares e iniciativas cidadãs, discutindo políticas públicas e apoiando sua formulação.

Seu livro, "Violência Urbana", é mais um passo prático-reflexivo, carregado de compaixão e compromisso, porém objetivo e competente, analiticamente denso e lúcido, ainda que sempre claro e didático, para que jamais se perca de seu destino ético-político: contribuir para a formação de uma cultura cívica, que se converta em ação pública democrática.

Mesmo modesto nas dimensões, o livro é ambicioso na delimitação de seu objeto e no movimento de seu foco analítico. Seus temas incluem: a conceptualização da violência, na qual intencionalidade e dano emergem como as variáveis significativas (e aqui reside um dos pontos mais polêmicos do livro); uma classificação tipológica de suas formas; o exame dos dados empíricos sobre a criminalidade, inscrevendo o Brasil no contexto global; breves considerações sobre as fontes sociológicas, históricas e políticas da violência urbana nacional; algumas referências a experiências relevantes e a linhas gerais de políticas promissoras.

Os autores ainda contemplam os leitores com sugestões de livros e sites -nesse ponto, faltam alguns importantes, como o do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, www.cesec.ucam.edu.br).

Os autores tornam a violência urbana mais inteligível ao relacioná-la à tradição autoritária da sociedade brasileira e à precariedade de nossas instituições da segurança e da justiça, cujas reformas são urgentes.

O livro demonstra que as principais vítimas são os jovens, particularmente os mais pobres, e que há saídas, sobretudo quando as políticas públicas buscam promover participação social.

A alusão à interessante experiência francesa dos contratos locais -que poderia ser acrescida do projeto italiano "cidades seguras"-e a ênfase na importância político-cultural do hip-hop e de outras modalidades da cultura jovem popular encerram o livro com um sopro de vida e esperança.

Luiz Eduardo Soares, 49, é secretário nacional de Segurança Pública

"Violência Urbana"
Autor: Paulo Sérgio Pinheiro e Guilherme Assis de Almeida
Editora: Publifolha
Páginas: 96
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha