Publifolha
06/11/2006 - 13h38

Modernidade da obra de Vinicius é foco de ensaio sobre o poeta

CARLOS RENNÓ
Especial para a Folha de S.Paulo

A biografia de Vinicius de Moraes tem enriquecido sua mitologia, mas contribuído para uma apreciação crítica insuficiente, até para uma depreciação preconceituosa, de sua obra. Para atestar a relevância desta, o volume da coleção "Folha Explica" dedicado ao poeta focaliza o que, nela, constitui "estranhamento, novidade, construção", segundo seu autor, o também poeta Eucanaã Ferraz ("Martelo", "Desassombro").

O estudo, breve, busca abranger com equilíbrio a poesia escrita e a poesia cantada, formadas pelas letras de música vinicianas. Na abordagem da primeira, recebe um tratamento focal a ligação entre a adoção de procedimentos tradicionais, como a metrificação e a forma fixa e a criação de poemas complexamente modernos, analisados como experiências de linguagem.

Clássicos como "O Dia da Criação" e "A Bomba Atômica" são observados a partir das relações entre seus jogos internos, suas faturas e seus sentidos, em interpretações objetivamente elucidadoras de seus mistérios. O mesmo se dá na detida exegese que ganham os versos que fizeram de Vinicius o maior sonetista brasileiro do século 20.

Sonetos

"Soneto de Intimidade" é definido como um marco na sua obra, pela assimetria estabelecida entre sua forma clássica e "o uso de uma linguagem chã (sintonizada com a temática do poema)". E, nos amorosos, Ferraz chama a atenção para como "o virtuosismo sintático-conceitual e a densidade reflexiva convertem-se em expedientes de controle da efusão sentimental".

O distanciamento emotivo e o caráter construtivo também são relevados no comentário sobre "A Pêra", modelo de radicalidade, entre outros fatores estilísticos, pela ausência, ou pela presença, apenas como observador, do eu-lírico. O poema, de versos atipicamente curtos para o formato, é considerado evidência "da lucidez e do exercício formal que guiam o conjunto de sonetos de Vinicius de Moraes".

Canção mais apurada

A segunda parte do livro trata de como o poeta colaborou para a sofisticação e intelectualização da canção brasileira, incutindo-lhe elementos da poesia moderna que incluem paralelismos e polissemias, "metáforas renovadoras" e "associações inesperadas", indo do lirismo concentrado à estruturação com base em anáforas e similares. Em "Eu Sei que Vou Te Amar", parceria com Tom Jobim, por exemplo, Ferraz destaca o uso da repetição, aplicada em variações sutis, como a "expressão de uma certeza, de uma evidência já determinada pela melodia".

Aqui, demonstra como Vinicius "reconhecia as sugestões melódicas" e convertia seus "conteúdos afetivos" em letras marcadas por uma "espontaneidade construída".

Místico

De particular interesse por seu caráter revelatório, o autor vê uma retomada do substrato místico da obra inicial do poeta, com nova perspectiva e vocabulário, em composições com Toquinho e no célebre "Samba da Bênção", com Baden Powell.

Este não só reveste de sacralidade, como sintetiza a própria história do gênero musical, no qual a tristeza "transcende a si mesma".

Ao fim, definindo o tema preferido de Vinicius com a equação "amor-problema", Ferraz aprofunda, com originalidade de visão, a associação entre amor e paz, "utopia máxima do cancioneiro viniciano", enumerando uma série de casos que terminam por outra parceria com Baden, "Tempo de Amor". Nesta se encrusta, como uma jóia, um dos versos mais impressionantes de uma canção, ao falar do amor: "Ah, não existe coisa mais triste que ter paz".

CARLOS RENNÓ é letrista e jornalista, apresentador do programa "Uma Vez, Uma Canção", da TV Cultura, e organizador de "Gilberto Gil Todas as Letras" (Companhia das Letras)

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"Folha Explica Vinicius de Moraes"
Autor: Eucanaã Ferraz
Editora: Publifolha
Páginas: 114
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha