Reuters
29/01/2002 - 17h26

Fórum Social quer mostrar mais propostas e menos protestos no RS

FRANCES JONES
da Reuters

Começa na quinta-feira em Porto Alegre a segunda edição do Fórum Social Mundial, com uma dimensão internacional ainda maior do que em 2001 e o desafio de deixar um pouco de lado o campo da simples contestação para apresentar mais alternativas concretas ao atual modelo de globalização.

``Uma das coisas que dizem aqueles que não querem outro mundo é que as pessoas não têm propostas'', disse à Reuters Oded Grajew, fazendo menção ao slogan do evento, ``Um Outro Mundo é Possível''.

``Vamos de novo tentar mostrar que existem propostas'', completou Grajew, quem primeiro teve a idéia de realizar o FSM, criado para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial, que leva há mais de 30 anos a elite política e econômica do globo à cidade suíça de Davos.

Os organizadores estimam que 50.000 pessoas --entre elas, 10.000 delegados-- passarão pela capital gaúcha até 5 de fevereiro, quando termina o fórum.

No ano passado, foram 20.000 (destes, 4.700 delegados), mas, muito mais do que as discussões e propostas, obtiveram repercussão na mídia a destruição de um experimento de plantas transgênicas da Monsanto co-protagonizado pelo ativista francês José Bové e o debate via satélite de Porto Alegre com alguns dos presentes em Davos, que terminou em bate-boca.

Desta vez, Bové não é convidado oficial do comitê organizador, mas já está no Brasil como delegado da Via Campesina, Articulação Internacional dos Movimentos Camponeses, da qual o MST também faz parte. Além disso, não deve ocorrer nenhum debate entre os dois fóruns nos moldes do ano passado. O fórum econômico, aliás, ocorre este ano pela primeira vez fora de Davos, mais precisamente em Nova York.

Mais do que as manifestações de rua --há marchas previstas para a abertura e na véspera do encerramento do fórum--, os organizadores se concentram na preparação de cerca de 800 oficinas, conferências, seminários, depoimentos e painéis.

Atentados e Argentina
Entre os temas de debate, que vão do comércio mundial a saúde e Aids, sustentabilidade ambiental e educação pública, deverão prevalecer o novo cenário mundial desenhado após os ataques de 11 de setembro nos EUA e a situação argentina, já que o país vizinho, que enfrenta uma gravíssima crise, foi um dos ``melhores alunos'' das lições pregadas pelo FMI, duramente criticado pelos integrantes do fórum.

Ao contrário da visão proposta pelo presidente norte-americano, George W. Bush, segundo a qual ou se está a favor da ``guerra contra o terrorismo'' ou se está do lado do terrorismo, os integrantes do fórum colocam a guerra liderada pelos EUA e os atentados de 11 de setembro do mesmo lado.

``O 11 de setembro é o marco da insanidade globalizada'', disse à Reuters o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro (PT). ''Tanto pelo atentado como pela resposta de Bush.''

``Nós defendemos uma postura de resistência contra o neoliberalismo, pelos direitos humanos e contra a visão belicista que impera hoje'', acrescentou o prefeito, cuja administração investirá 818 mil reais no FSM, o dobro do investimento municipal do ano passado, de 400 mil reais.

Será o primeiro grande evento do gênero após os ataques em Nova York e Washington. Segundo alguns ativistas, depois da tragédia, houve uma espécie de ``anestesia'' dos protestos antiliberalismo, que começaram em 1999 em Seattle, seguiram-se em Washington, Praga e Gênova, quando um militante foi morto pela polícia em julho do ano passado.

Para abrir a chamada ``Conferência da Paz'', virá o linguista norte-americano Noam Chomsky, professor do MIT, conhecido por sua visão crítica da política dos Estados Unidos.

Outras personalidades, como os prêmios Nobel da Paz Peres Esquivel (argentino) e Rigoberta Menchú (guatemalteca), participarão dos debates.

Prestígio
O prestígio internacional adquirido pelo fórum do ano passado para este pode ser medido pela presença de representantes de entidades que em 2001 praticamente ignoraram o evento, como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Confederação Internacional de Organização de Sindicatos Livres (ICFTU), que reúne as principais sindicais trabalhistas do mundo.

A alta comissária da área de direitos humanos da ONU, Mary Robinson, estará presente, assim como o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, e representantes de governo de outros países.

Na França, os jornais ressaltam há semanas que Porto Alegre virou um ``must'' para os políticos (principalmente de esquerda) e centrais sindicais.

Seis ministros ou secretários de Estado estarão presentes, além do número 1 do Partido Socialista francês, do presidente da Comissão de Finanças da Assembléia Nacional, da ex-primeira-dama Danielle Mitterrand --já presente em 2001--, de três candidatos à Presidência da República e até mesmo de um representante do presidente Jacques Chirac.

Críticas
Se o fórum ganhou força no exterior, no Brasil ele está longe de ser um consenso, mesmo dentro da esquerda.

``Na verdade, eles não sabem o que querem'', criticou Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, mencionando a forte presença do governo francês no evento. ``O grande mote do fórum é a paz, mas a França tem participado dos atos de guerra ao lado dos Estados Unidos. É a incoerência absoluta.''

Para evitar a instituição do caráter ``franco-brasileiro'', no entanto, a organização formou um Conselho Internacional. Além disso, em princípio o próximo FSM deverá ser realizado fora do Brasil, e eram fortes as possibilidades de ser realizado na Índia, segundo organizadores do evento.

Quem não gostou muito da idéia da mudança foi o prefeito de Porto Alegre, que no ano passado obteve um retorno de 8 milhões de reais e espera este ano um retorno de aproximadamente 18 milhões de dólares (cerca de 43 milhões de reais).

Além do retorno financeiro, a repercussão política e internacional é ``enorme''. ``Porto Alegre ficou conhecida mundialmente como a cidade de novas saídas democráticas. Além disso, aumentou muito a auto-estima do porto-alegrense'', comentou Tarso Genro.

Este ano, a repercussão não deve ser diferente. Uma semana antes, estavam cadastrados para o evento 1.800 jornalistas de 800 meios de comunicação de 41 países. O mundo parece estar curioso para ouvir as respostas de Porto Alegre.

 

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