Reuters
12/02/2002 - 13h27

Julgamento de Milosevic começa com retrato sombrio do regime

da Reuters, em Haia (Holanda)

Os promotores iniciaram hoje o julgamento de Slobodan Milosevic acusando-o de tramar assassinatos, torturas e deportações nos Bálcãs durante os dez anos de seu sanguinário regime.

É o maior julgamento por crimes de guerra na Europa em meio século, desde a condenação de oficiais nazistas no tribunal de Nuremberg. A acusação disse aos juízes do Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia, instalado em Haia (Holanda), que o ex-ditador terá de enfrentar suas vítimas pela primeira vez.

Reuters - 30.out.2001
Slobodan Milosevic, ex-presidente da Iugoslávia
"Alguns dos incidentes revelaram uma selvageria quase medieval e uma crueldade calculada que foi muito além dos limites de uma guerra legítima", disse a promotora-chefe Carla del Ponte, que deve convocar militares e políticos de primeiro escalão para depor.

Mais de 1 milhão de pessoas foram presas ou expulsas de suas casas e dezenas de milhares foram mortas ou feridas durante os conflitos pela independência da Bósnia, Croácia e Kosovo. "Este tribunal, e particularmente este julgamento, dão a maior demonstração de que ninguém está acima da lei e fora do alcance da Justiça internacional", disse Del Ponte.

Um subordinado dela, Geoffrey Nice, descreveu ao tribunal como crianças eram queimadas vivas e mulheres eram jogadas em poços por soldados sérvios. A acusação quer provar que Milosevic, 60, sabia de tudo isso e nada fez para evitar.

Os promotores esperam passar pelo menos dois anos julgando Milosevic em um prédio cinzento e nada monumental de Haia. Observadores acham que o ex-ditador vai tentar prolongá-lo enquanto for possível -ele nem mesmo indicou um advogado, que precisou ser providenciado pelo tribunal.

Um dos assessores legais de Milosevic, Zdenko Tomanovic, disse hoje que ele fez contato pela primeira vez com esses advogados indicados. "Estão ouvindo esse lixo? Como podem não reagir", teria perguntado amistosamente Milosevic aos ''amici curiae'', como são chamados esses defensores públicos.

Ironia
As considerações iniciais da acusação devem durar até quarta-feira. Só então Milosevic poderá responder. Ele ouviu os relatos de Nice com um leve sorriso e as sobrancelhas arqueadas, em sinal de divertida ironia.

O promotor acusou Milosevic de concentrar poder de maneira dissimulada e ``controlar as pessoas que constituíram os corpos (militares) que praticaram o mal''. Ele explicou também os planos do ex-ditador para criar uma ``Grande Sérvia'' sobre a ruína do regime comunista na antiga Iugoslávia. Para isso, argumentou ele, seria necessário praticar a ``limpeza étnica'' de não-sérvios.

O tribunal decidiu unificar as acusações contra Milosevic em um só julgamento. Primeiro, serão apresentadas as acusações de crimes contra a humanidade supostamente cometidos em Kosovo, em 1999. A partir de julho, devem entrar as acusações de genocídio na Bósnia (1992-95) e crimes contra a humanidade na Croácia (1991-92).

Pequenos grupos de manifestantes a favor e contra o ex-ditador estiveram em frente ao tribunal. Seus simpatizantes disseram que Milosevic estava sendo "linchado", enquanto a outra parte pedia mais ajuda internacional aos sobreviventes e refugiados dos conflitos.

Milosevic se diz vítima de uma vingança da Otan (a aliança militar ocidental, que em 1999 interveio para defender os albaneses de Kosovo). Tomanovic afirma que todo o povo sérvio está sendo julgado em Haia, interpretação que Carla del Ponte rejeita.

Em sua defesa, Milosevic promete apresentar depoimentos favoráveis de personagens como o ex-presidente norte-americano Bill Clinton e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair.


Leia mais no especial sobre Slobodan Milosev

 

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