Reuters
14/02/2002 - 21h26

Secretário dos EUA enfrenta saia-justa em programa da MTV

da Reuters, em São Paulo

O secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, enfrentou perguntas espinhosas de jovens de vários países do mundo hoje e, apesar de toda a diplomacia e respostas evasivas, deixou escapar farpas para o Brasil.

Ao responder a uma pergunta da relações públicas brasileira Fernanda Bastos, 24, sobre o fato de a guerra contra o terrorismo ter mais ênfase que a luta contra a pobreza, Powell disse que "o governo (brasileiro) usa o dinheiro com o que não deveria gastar", referindo-se aos 50 milhões de brasileiros em situação de miséria citados por Fernanda.

A relações públicas, que trabalha para a instituição Cidade Escola Aprendiz, estava entre os 37 participantes do programa "MTV Conexão Global" no estúdio da MTV Brasil. A entrevista contou com a participação de jovens em outros estúdios da emissora norte-americana na Itália, no Oriente Médio, Inglaterra, Irlanda e Índia, além dos Estados Unidos.

"Você tem toda a razão, procuramos ajudar com alimentos (...) mas o problema é que o governo usa o dinheiro com o que não deveria gastar", disse Powell, irritando os jovens do palco e deixando o apresentador Cazé Peçanha boquiaberto com o comentário.

Durante o programa a declaração de Powell foi considerada como uma crítica ao Brasil, fato que foi negado pela representação dos EUA no Brasil e pela assessoria da MTV, que disse, após receber a transcrição da entrevista, que a frase de Powell durante o programa deixou as pessoas presentes no estúdio pensarem que ele referia-se ao Brasil, quando ele falava da Coréia do Norte.

A entrevista não foi aberta aos jornalistas que somente assistiram à gravação, com tradução simultânea para o português, transmitida por um link direto dos estúdios da emissora em Washington.

Jovens impertinentes

A primeira das várias saias-justas enfrentadas por Powell durante o programa foi de uma jovem norueguesa que perguntou a opinião dele sobre o fato de os Estados Unidos serem considerados como "satã da política contemporânea" por sua influência sobre outros governos e seu poderio econômico-militar.

O secretário rejeitou a classificação. "Defendemos a democracia e isso nos torna um grande centro de atração do mundo, derrotamos o fascismo, (...) fomos à Coréia e ao Vietnã e demos regimes democráticos a eles", disse.

Logo após veio outra questão, ainda mais direta, de um jovem muçulmano de 21 anos do Cairo, Egito: "Quais as provas que os Estados Unidos têm contra Bin Laden (o militante saudita acusado pelos ataques de 11 de setembro) e a Al Qaeda?"

Decidido, Powell disse que "informações" colhidas de várias fontes mostram que Bin Laden é o culpado e que o próprio militante admitiu "com orgulho" os ataques. Powell ainda contra-atacou: "Se ele é inocente, porque não aparece e defende sua inocência?"

Os EUA divulgaram como evidência da culpa de Bin Laden nos atentados fitas gravadas com comentários do próprio militante sobre a destruição das torres gêmeas do World Trade Center.

Várias vezes Powell nomeou Iraque, Irã e Coréia do Norte como formadores de um "eixo do mal", expressão usada pelo presidente norte-americano, George W. Bush, e que dedicam seus orçamentos apertados à construção de armas de destruição em massa "em vez de gastarem em saúde, comida e educação para seus povos".

O funcionário chegou a dizer que os EUA podem tomar uma ação solitária contra o Iraque, caso o país não libere a vistoria de inspetores da ONU de armas de destruição em massa.

"Não estamos buscando guerra, achamos que o regime (do ditador iraquiano Saddam Hussein) precisa mudar, estamos estudando todas as possibilidades, inclusive uma medida solitária."

Jovens brasileiros

Os jovens brasileiros, segundo a diretora da versão nacional do programa, Lilian Amarante, estavam mais preocupados com a pobreza provocada pela globalização, um dos principais pontos de discussão do Fórum Social Mundial de Porto Alegre no início deste mês e tema recorrente das cerca de 600 perguntas recebidas pela produção da MTV Brasil.

Os brasileiros perguntaram também por que os Estados Unidos defenderam as patentes de remédios que formam o coquetel para o tratamento da Aids.

A funcionária da entidade "Abrigo Amor e Vida" (Abravi), Rosa Maria, 28, disse que é portadora do HIV há nove anos e quis saber de Powell por que o governo Bush se opôs à quebra de patentes de medicamentos para torná-los mais baratos, medida defendida pelo Brasil para o combate à Aids.

Político e com elogios à postura de Rosa em admitir a doença, Powell começou sua resposta afirmando que não é só com quebra de direitos que se combate uma epidemia e emendou defendendo seu país, pois "é preciso proteger o retorno dos investimentos" dos laboratórios farmacêuticos.

Debate

O secretário de Estado dos Estados Unidos foi bastante criticado durante um debate entre especialistas em relações internacionais e o público após a entrevista, que seria transmitida na noite de hoje nos Estados Unidos e às 23h de amanhã no Brasil.

Segundo o jornalista José Arbex, Powell usou em suas respostas dois pesos e duas medidas quando tratou do terrorismo.

"Ele disse que terrorismo é matar civis inocentes, mas ele se esqueceu de dizer que os Estados Unidos mataram 70 mil pessoas com as bombas de Hiroshima e Nagazaki."

O professor de ciências políticas da PUC-SP Fernando Abruscio concordou com Arbex e acrescentou que o governo Bush "está acabando com os fóruns internacionais de discussão" para tomar atitudes isoladas segundo seus interesses. Para ele, há contradição quando Powell diz que os EUA defendem a democracia e ao mesmo tempo apóiam o regime do ditador do Paquistão, aliado na guerra contra o terrorismo, Pervez Musharraf.
 

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