Reuters
21/02/2002 - 20h32

Filme "Um Amor de Borges" aborda paixão platônica do poeta

da Reuters, em São Paulo

Na biografia do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), talvez a autora Estela Canto não passe de uma nota de rodapé.

O próprio Borges, se pudesse ser consultado a respeito, porém, talvez descordasse disso. Afinal, nutriu pela colega uma das maiores e, para variar, não-correspondidas paixões de sua vida, mas conservou por ela uma amizade profunda, a ponto de ter-lhe dedicado um dos contos mais elogiados de sua obra monumental, "Aleph".

Com sua difusa melancolia, acentuada por uma trilha musical mais do que apropriada (de Jose Luis Castineira de Diós), "Um Amor de Borges", de Javier Torre, estréia desta sexta-feira, humaniza o grande artista, transformando-o num personagem que caberia num tango.

O enredo recria um episódio real da vida de Borges. Aos 46 anos, bem antes da consagração e do prêmio Nobel de Literatura, o escritor vive de um cargo burocrático na Biblioteca de Buenos Aires e mora com a mãe viúva, dona Leonor (Inde Ledesma).

A mãe é uma figura cooperativa, que ajuda o filho já em suas iniciais dificuldades com a visão (ele ficou cego na década de 1950), mas ao mesmo tempo revela-se uma implacável opressora da vida amorosa de Borges.

Optando por não ocultar o lado edipiano e impotente do escritor, o diretor Torre criou polêmica na Argentina, o que, com certeza, repercutiu nas modestas bilheterias do filme em terra natal, muito embora nenhum dos fatos mencionados pelo roteiro seja segredo.

A maior parte do que se coloca na tela tem origem num livro da própria Estela Canto, ``Borges à Contraluz'', e coincide com diversas biografias do escritor.

É bom ressaltar que a franqueza deste retrato nunca se reveste de falta de respeito pela figura do escritor nem procura qualquer sensacionalismo. Ao contrário, é uma escolha que ilumina algumas das limitações humanas que Borges superou com genialidade e galhardia numa carreira magnífica.

Se o homem perdeu quase todas as suas batalhas amorosas, ganhou-as com certeza o escritor, um dos maiores de todos os tempos.

Feliz encontro entre cinema e literatura, a produção venceu três troféus no Festival de Gramado/2001: melhor filme latino, prêmio da crítica e melhor ator para Jean-Pierre Noher.
 

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