Reuters
07/03/2002 - 18h55

Filme "Latitude Zero" mergulha no desespero dos marginalizados

da Reuters, em São Paulo

O primeiro longa-metragem de ficção do diretor Toni Venturi, "Latitude Zero", que estréia nesta sexta-feira, traz um embate entre dois personagens solitários e desesperançados num lugar árido e desolador, que em muitos momentos lembra "Paris, Texas", do alemão Wim Wenders.

Com um orçamento pequeno para uma produção tão bem cuidada, o diretor se cercou de excelentes profissionais e mostrou um domínio da arte de fazer cinema como só os melhores cineastas conseguem.

Ao lado do trabalho preciso dos atores, há ainda a direção de arte de Andréa Velloso, a cenografia de Helcio Pugliese, a fotografia de Jacob Solitrenick e a música de Lívio Tragtenberg que se fundem com precisão numa história densa e que acabam se tornando também personagens da trama.

A partir de uma peça teatral de Fernando Bonassi, de onde extrai diálogos econômicos e precisos, o roteiro foi elaborado para servir não só ao trabalho da atriz Débora Duboc e do ator Claudio Jaborandy, mas para explorar cada detalhe da produção. Nada está fora de lugar.

A solidão de Lena, uma ex-gerente de hotel do centro de São Paulo, grávida e abandonada pelo amante, se amplifica naquele bar-restaurante de beira de estrada, ao lado de um garimpo abandonado.

O ritmo lento do início, bastante teatral, no lugar de incomodar prepara a platéia para a desesperada tentativa da personagem em encontrar uma saída para o beco existencial para onde foi lançada.

A chegada de Vilela, rechaçada no início, irá despertar aos poucos a sensualidade e a sexualidade adormecidas em Lena. Este estranho pode muito bem ser o caminho do recomeço.

Vilela, um PM com problemas na corporação, chegou até este lugar para esperar que tudo se acalme e possa voltar a São Paulo.

Subalterno do amante de Lena, deixa a obediência e a amizade de lado quando vê a chance de retomar a vida longe dos seus problemas e construir um futuro ali.

Para Lena, cansada de guerra, ele é apenas mais um sonhador. Mas com a insistência de Vilela, e mesmo dentro daqueles limites de desolação e abandono a que se entregou, a mulher antevê uma solução.

O desfecho para uma história de redenção e amor não poderia ser diferente naquele mundo inóspito, tanto em paisagem quanto em sentimentos brutalizados pelo ambiente e desilusões.

Mesmo a gravidez é encarada e vivida por Lena como um terrível acidente de percurso. Seu distanciamento daquela criança aparece escancarado.

"Esse calor, essa barriga", diz Lena a Vilela, que rebate com o chavão: "Tem um lado bom". Ela retruca: "O lado de fora".

Alternando dor e desesperança com a busca do eterno retorno, a relação entre os dois vai se impregnando de uma violência que é a herança dos deserdados.

Toni Venturi nos revela sem nenhum anestésico os grandes dramas vividos por pessoas comuns e à margem da abastada sociedade do país.

"Latitude Zero" é ousadamente autoral e comprometido com a discussão que transcende questões meramente pessoais. É um filme que foge dos padrões hollywoodianos a nós impingidos atualmente: da paisagem desolada do Planalto Central direto para o estômago do espectador. Em uma única palavra: visceral.

 

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