Reuters
30/04/2002 - 18h33

"Abril Despedaçado" mergulha na cegueira da vingança

da Reuters, em São Paulo

Ao adaptar o livro "Abril Despedaçado", de Ismail Kadaré, o cineasta Walter Salles transportou a história da Albânia dos anos 1930 para o Nordeste brasileiro dos anos 1910. O ponto crucial do filme cerceia um tema visceral para qualquer pessoa: o primitivo desejo de vingança.

Essa trama -não-recente, mas nem por isso ultrapassada-, ganha um tratamento especial na narração do menino Pacu (Ravi Ramos Lacerda, mais uma certeira descoberta do diretor para o cinema nacional).

Ele, como o garoto de "Central do Brasil", nem sabe ler. Mas é capaz de inventar nas entrelinhas um caminho que pode superar a guerra interminável entre sua família, os Breves, e os Ferreira -dois clãs que, há décadas, disputam cada palmo de terra, com visível desvantagem para os Breves.

A estirpe da qual Pacu é o caçula só resiste por ele e outros três integrantes: o pai (José Dumont), a mãe (Rita Assemany) e o irmão mais velho, Tonho (Rodrigo Santoro), a quem cai a responsabilidade de vingar a morte de outro irmão, Inácio (Caio Junqueira).

Naquele que é o filme mais ambicioso, maduro e bem-acabado do cineasta (sendo superior a "Central do Brasil"), a câmera de Walter Carvalho está sempre impecavelmente bem-colocada.

Há enquadramentos belíssimos, desses capazes de ficar na memória por muito tempo, como a corrida dos dois rivais entre os mandacarus, numa montagem que contrapõe o ponto de vista de cada um para uni-los no final.

Outros destaques são o vôo no balanço de Tonho, o giro sensual de Clara (Flávia Marco Antonio) na corda do circo e a caminhada solitária de Pacu na penumbra da madrugada, as mais nítidas traduções visuais da luta pela vida e do escape pela arte, pelo amor, pelo sacrifício.

Cenas que sedimentam a ambivalência da sensação de que, no meio de tanta beleza, a paz não possa sobreviver.
 

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