Reuters
09/05/2002 - 21h43

Godard volta ao circuito com dois filmes aclamados

da Reuters, em São Paulo

O diretor Jean-Luc Godard reestréia nesta sexta-feira em São Paulo com dois filmes de sua fase mais aclamada, no início dos anos 1960: "O Demônio das Onze Horas" e a ficção científica "Alphaville".

Em "O Demônio das Onze Horas", o diretor inspira-se na dupla de ladrões americanos Bonnie e Clyde. Os personagens aqui têm algo da famosa dupla, tanto pelo estilo quanto pela maneira aventuresca com que encaram o crime.

Cansado de sua confortável e previsível vida burguesa, o professor de espanhol Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo) abandona a mulher e os filhos e foge com Marianne (Anna Karina), com quem teve um caso cinco anos antes.

Depois que um corpo é encontrado no apartamento dela, o casal ruma em direção ao sul da França, fazendo dos roubos meio de vida.

Lançado em 1965, o filme de Jean-Luc Godard golpeou os defensores do classicismo, agitando as salas em que foi exibido.

Tendo como ponto de partida a metalinguagem, recurso do qual o franco-suíço parece ser devoto até hoje, a fita exibe inúmeros desafios ling ísticos, mas é na estrutura que se nota a maior ruptura com o modelo cinematográfico tradicional.

Em um dado momento, algumas pessoas que fazem uma pequena participação no filme contam suas vidas olhando para a câmera.

O último deles diz: "Eu sobrevivo fazendo pontas no cinema". Godard parece querer acordar seu espectador alertando-o para o fato de que aquilo que ele está vendo é falso. Para isso usa ironias do tipo "essa explosão tem que parecer real, isso não é cinema".

Em "Alphaville", também de 1965, o agente secreto Lemmy Caution é enviado a Alphaville, uma versão futurista e nebulosa em Paris, com a missão de encontrar o colega de profissão Henry Dickson e investigar os misteriosos desaparecimentos de outros agentes.

A resposta para suas pergunta está em Alpha 60, computador autônomo e fascistóide criado pelo professor Leonard von Braun e que controla todas as atividades e mantém a população do local inteiramente sob seu comando.

Na entrada de Alphaville, uma placa alerta para os lemas da cidade: "Ciência, Lógica, Segurança e Prudência". Nessa tecnocracia fascista, as pessoas agem como zumbis, identificadas apenas por números, e seguem, como valores máximos, coerência de raciocínio e eficiência.

Não há arte e tampouco amor, e escritores morrem por falar coisas sem sentido. A bíblia de Alphaville é um dicionário, renovado quase que diariamente, no qual não constam palavras como "por que" e "consciência".

Por trás dos preceitos de justiça e bem universal, Alpha 60 desenvolve os princípios do nazismo, apontados por Godard através de incursões como o símbolo "SS" ou por meio de escolhas tanto do nome do criador do computador como de uma das locações, o Parisian Hotel Continental, onde os nazistas se alojaram durante a ocupação da França.

O ideal da raça pura é transformado, aqui, no conceito de pessoas de cérebros limpos que são enviadas para os chamados "países exteriores" para perturbar desde relacionamentos amorosos à questões de segurança mundial.

Para Alpha 60, homens comuns não merecem o espaço que ocupam no mundo, e para aqueles que se encontram em Alphaville as opções são o suicídio ou a recuperação em um "hospital", graças a uma eficiente propaganda.

Os gângsteres dos anos 30, com seus socos visivelmente encenados e revólveres de incontáveis balas, dão o tom ao protagonista, o agente 003, que atira no isqueiro apenas para acendê-lo.

Godard abusa da câmera por trás de portas de vidros, artifício que acarreta planos longos e de bastante profundidade de campo. Ousadias certeiras que renderam merecidamente ao filme o Urso de Ouro no Festival de Berlim.

 

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