Reuters
07/06/2002 - 15h46

Museu do Rio mostra 50 anos da arte feita por esquizofrênicos

da Reuters, em SãoPaulo

Desde que pincéis e tintas entraram pela primeira vez no então chamado Centro Psiquiátrico Pedro 2º, no Rio de Janeiro, a produção artística dos internos não parou mais de crescer, gerando um novo meio de estudo médico e terapia para pessoas esquizofrênicas.

A qualidade artística de muitos dos trabalhos criados, assim como o grande interesse científico, fez com que a psiquiatra Nise da Silveira fundasse o Museu Imagens do Inconsciente, que completou cinquenta anos no mês passado. Durante esse tempo, a instituição, que possui um acervo de 350 mil peças, já realizou mais de 100 mostras no Brasil e no exterior.

Na próxima terça-feira, dia 11, em comemoração do cinquentenário da instituição, será inaugurada a "Mostra Retrospectiva" na sede localizada no Instituto Municipal Nise da Silveira, o antigo Centro Psiquiátrico, no Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro.

Serão exibidas 140 obras de 35 artistas, entre elas as esculturas e pinturas de Adelina Gomes, que foi internada em 1937, aos 21 anos de idade, ao estrangular um gato após uma decepção amorosa.

Adelina foi uma das primeiras a frequentar o ateliê de pintura, dedicando-se às figuras de barro que impressionaram pela semelhança com as imagens datadas do período neolítico.

Outro destaque da mostra é Fernando Diniz, que foi preso e enviado a um manicômio ao ser pego nadando nu em Copacabana em 1944. Morto em 1998, Diniz deixou mais de 30 mil obras e viu o reconhecimento de seu trabalho em museus do Brasil e do exterior. Fez uso dos mais diferentes materiais, como em "Tapetes Digitais", onde usou lençóis do hospital, e os desenhos em série de caleidoscópios coloridos.

Emygdio de Barros e Raphael Domingues também estão na lista de pacientes mais antigos reconhecidos por seus trabalhos que têm obras expostas na mostra.

O público também poderá apreciar trabalhos de frequentadores atuais do ateliê, uma prova da vitalidade do museu. Diariamente, o instituto recebe cerca de 30 pessoas, entre internos e não internos, para a realização de atividades artísticas.

As comemorações continuam em julho, no Centro Cultural da Saúde, com a exposição "5 Artistas de Engenho de Dentro", que mostrará os trabalhos de Carlos Pertuis, Abelardo Corrêa, Arthur Amora, Geraldo Aragão e Emygdio.

Arte marginal

Radicalmente oposta às práticas invasivas de tratamento psiquiátrico, como a lobotomia e o eletrochoque, Nise da Silveira foi afastada da profissão ao ser presa durante a ditadura de Getúlio Vargas, em 1936. Anistiada, foi trabalhar no Centro Psiquiátrico que hoje leva seu nome.

Morta há três anos, a psiquiatra escreveu em seu livro "Mundo das Imagens" (1992), que as atividades terapêuticas teriam de ser absolutamente livres e espontâneas, sem intervenções de monitores e num ambiente acolhedor.

Os pacientes dos ateliês são em geral esquizofrênicos - pessoas que perdem o contato com a realidade e criam para si um mundo imaginário. Com as atividades artísticas, eles dão formas aos seus tumultos internos, criando uma nova linguagem e possibilitando ao médico uma outra forma de comunicação.

"As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosos, sedutores, dramáticos, vivos ou belos, constituindo em si verdadeiras obras de arte", escreveu o crítico de arte Mário Pedrosa em 1947, no jornal "Correio da Manhã".

O texto defendia a primeira mostra realizada pelo ateliê, três meses depois da sua inauguração, em 1946. A exposição causou polêmica, levando à imprensa o debate sobre o reconhecimento ou não do valor artístico das obras.

Hoje, esse tipo de produção ganhou instituições próprias, como o Museu de Arte Bruta, em Lausanne, na Suíça. No Brasil, integrou um módulo da Mostra do Redescobrimento no ano de 2000 e até esta sexta-feira, o Instituto Itaú Cultural acolhe a exposição "Pioneiro Palatnik", um dos criadores da arte cinética e colaborador por vários anos de Nise da Silveira.
 

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