Reuters
30/06/2002 - 18h23

Filme "Rabbit-Proof Fence" revela lado sórdido da história aborígene

da Reuters, em Sydney

"Rabbit-Proof Fence", um filme de baixo orçamento feito pelo importante diretor de Hollywood Phillip Noyce, vai expor aos espectadores de cinema de todo o mundo o segredo mais vergonhoso da Austrália: o esquema do governo para sequestrar crianças aborígenes.

O filme conta a história real de três meninas aborígenes tiradas de suas famílias, sob uma ordem oficial da política de assimilação cultural, que visava acabar com a herança cultural dos habitantes originais da Austrália.

Muitos australianos ainda têm crises de consciência com a chamada "Geração Roubada" -dezenas de milhares de aborígenes arrancados de seus lares, na política que durou cerca de oito décadas, até os anos 1960.

Agora, "Rabbit-Proof Fence" (cerca à prova de coelhos, em tradução literal) será lançado internacionalmente no segundo semestre deste ano, revelando esse lado sórdido do passado da Austrália.

A história das três meninas que caminharam quase 2.500 quilômetros pelo "outback" australiano (região árida e pouco habitada do país) para encontrar seus pais tem paralelos com a incrível história de produção do filme.

O australiano Noyce disse que a época foi ideal para o filme, o primeiro que ele produz em sua terra natal em 12 anos.

"As relações da Austrália com a Austrália aborígene mudaram muito nos últimos anos, e eu sabia que era a época certa para uma história como esta, não apenas aqui, mas para todo o mundo", disse ele em entrevista.

"Achei a história mais comovente do que qualquer roteiro que já tinha lido, reforçada pelo fato de que as meninas fizeram de verdade a jornada", disse o cineasta sobre o trabalho da roteirista Christine Olsen, que levou dois meses para convencer o ocupado diretor a ler o trabalho.

Noyce, de "O Colecionador de Ossos" (com Denzel Washington e Angelina Jolie) e "Jogos Patrióticos" (com Harrison Ford), já estava se preparando para dirigir outra superprodução, mas os planos mudaram e ele abraçou o projeto aborígene.

O ator britânico Kenneth Branagh topou atuar no filme, e o legendário Peter Gabriel ficou a cargo da trilha sonora.

Escravidão virtual

O roteiro foi adaptado do livro "Follow the Rabbit-Proof Fence", da escritora aborígene Doris Pilkington Garimara, que havia sido separada de sua mãe na infância, que só voltou a ver depois de 31 anos.

O título vem da cerca que divide o país-continente de norte a sul. A cerca, criada para proteger lavouras e pastos dos coelhos, foi construída por operários temporários.

A mãe de Doris, Molly, fugiu de um assentamento do governo aos 14 anos, acompanhada de sua irmã e de uma prima. Para voltar para casa, caminhou ao longo da cerca. Aos 24 anos, Molly foi sequestrada novamente.

Conseguiu mais uma vez fugir, mas só pôde levar uma filha consigo, Annabelle, deixando Doris para trás. Um ano depois, o governo tirou Annabelle de Molly, e as duas nunca mais se viram.

Os aborígenes sequestrados em tenra idade viviam em condições de virtual escravidão, muitas vezes sendo até submetidos a castigos físicos, além de frequentes estupros.

O filme, que custou US$ 5 milhões, já arrecadou US$ 4 milhões apenas na Austrália, apesar da controvérsia. Políticos exigiram que a Miramax retirasse o pôster promocional de circulação e pedisse desculpas pela frase da campanha: "O que aconteceria se o governo sequestrasse sua filha?"

"Não pedimos desculpas pela verdade", disse o estúdio.

Grupos de direitos humanos acham que o governo é quem deveria pedir desculpas pela "Geração Perdida", pelo que consideram, na prática, um genocídio.

Segundo eles, a reconciliação com os cerca de 400 mil aborígenes do pais só seria possível depois da aceitação da responsabilidade, o que não deverá ocorrer no atual governo conservador australiano.


 

FolhaShop

Digite produto
ou marca