Reuters
04/10/2002 - 18h28

Um ano depois, agências dos EUA sofrem por ações sobre antraz

da Reuters, em Washington

Um ano depois que uma série de ataques misteriosos com antraz matou cinco norte-americanos, algumas das principais autoridades de saúde dos Estados Unidos afirmam que suas agências poderiam ter atuado com mais rapidez para proteger o sistema de correio.

Os especialistas do Centro de Controle e Prevenção de Enfermidades (CDC) dos Estados Unidos concluíram que os esporos foram enviados pelo correio. A conclusão veio dias depois de um editor de fotografia da Flórida ter se tornado a primeira vítima dos ataques.

Seus superiores pediram o fechamento do correio de Boca Raton que pode ter recebido a carta com antraz. Mas as autoridades do CDC decidiram não atuar.

Entrevistas recentes com autoridades importantes do CDC mostraram que a decisão não foi tomada com facilidade - e nem sem um grande debate.

O secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Tommy Thompson, garantia na época que o editor Bob Stevens poderia ter se contaminado com antraz durante viagem ao interior da Carolina do Norte, mas especialistas do CDC sustentavam que instalações do correio poderiam estar contaminadas.

Mas pouca gente acreditou no começo que os esporos fatais de antraz pudessem vazar de envelopes selados e ninguém estimava que o pó poderia flutuar por longas distâncias e infectar as pessoas ao redor.

A situação era confusa. Nenhuma carta com esporos de antraz foi encontrada no escritório de Steven e a origem da doença não foi imediatamente conhecida.

Mas um especialista importante argumenta que se a instalação de Boca Raton fosse fechada de imediato, isso estabeleceria um precedente para fechar outras instalações de correio em todos os lugares quando fossem encontradas cartas com antraz em Nova York e Washington.

Contaminações
"Meu instinto imediato foi fechar o correio de Boca Raton", disse o especialista, que pediu para não ser identificado. "Se tivéssemos fechado o correio na Flórida, seria um precedente para fechar Brentwood".

Oito funcionários do correio foram contaminados depois por correspondências e dois, que trabalhavam em Brentwood, Washington, morreram. Uma mulher em Connecticut e outra, em Nova York, também morreram, aparentemente contaminadas por correspondência.

Muitos empregados de Brentwood protestaram, afirmando que a empresa não fez o suficiente para protegê-los, enquanto no Congresso foram tomadas medidas drásticas quando duas cartas com antraz foram abertas, como fechamento dos escritórios e distribuição de antibióticos.

"O risco de funcionários de Brentwood serem contaminados por envelopes em trânsito não foi reconhecido a tempo de evitar a doença em quatro empregados, dos quais dois morreram", disse Brad Perkins, especialista em antraz do CDC, em artigo para a revista da agência (Emerging Infectious Diseases).

Mas a diretora do CDC, Julie Gerberding, que assumiu o cargo neste ano e não esteve envolvida na resposta ao antraz, disse que o quadro não estava claro na época.

"Havia um monte de gente participando dos detalhes", disse ela em entrevista recente. "Você não fecha a central postal sem uma boa razão".

Jim Hughes, chefe do Centro Nacional de Doenças Contagiosas, do CDC, concorda.

"Havia um monte de coisa que pensávamos que sabíamos quando o ataque começou", disse ele, que foi um do principais responsáveis pela decisão.

Esporos mortais
O antraz sempre foi o primeiro dos potenciais agentes terroristas porque é fatal quando inalado, relativamente fácil de ser transformado em pó e, comparado a outros agentes, fácil de ser obtido.

Muitas das ameaças falsas envolveram cartas com pó branco dentro.

O que o CDC não suspeitou de imediato foi que os envelopes poderiam vazar um aerossol que pode ser inalado.

"A hipótese que fez sentido do ponto de vista científico era que... se você manipula uma das cartas, você pode pegar antraz cutâneo", disse Gerberding. "Se abrisse uma, poderia pegar antraz pulmonar".
"A forma cutânea de antraz é algo que as pessoas não querem ter, mas é tratável e não ameaça a vida".

Já naquela época a agência enfatizou que jamais tinha lidado com um ataque e que os especialistas estavam aprendendo enquanto trabalhavam.

A decisão de não fechar as agências do correio parecia justificada, já que não houve contaminação de outras cartas em Boca Raton. E quando apareceram casos de antraz em Nova York eram todos, como previsto, infecções na pele.

Quando uma carta carimbada pelo correio chegou ao escritório do líder da maioria do Senado, Tom Daschle (Dakota do Sul), o CDC e outras agências se apressaram em testar o ar, os narizes dos funcionários e fechar todo o edifício.

Experiência limitada
Mas, com base na experiência limitada, decidiram não fechar o centro de distribuição postal de Brentwood, um edifício que lida com a maior parte do correio da capital dos Estados Unidos. Quando alguns trabalhadores começaram a ficar doentes, foram informados de que era gripe e mandados para casa.

Os médicos não suspeitaram que poderiam ter inalado antraz. Agora, o CDC afirma que os esporos usados na carta a Daschle parecem ter sido muitos mais mortíferos que os anteriores.

Brentwood foi fechado em 21 de outubro, após a morte dos funcionários Thomas Morris Jr., 55, e Joseph Curseen, 47.

Foram encontrados depois traços de antraz em diversas instalações de correio que servem a escritórios do governo, incluindo da Nasa, Casa Branca e Suprema Corte.

Os prédios foram tomados por técnicos que testaram superfícies à procura de esporos, mas isso não garantia nada, pois as partículas poderiam ter sido levadas pelo ar, já que eram muito pequenas.

Mas de 10 mil pessoas receberam antibióticos após a carta ao senador democrata, uma atitude que, quase certamente, salvou muitas vidas. "Todo mundo naquela sala (o escritório de Daschle) teria morrido sem tratamento", disse uma autoridade do CDC.

Uma ano depois, o CDC e o Departamento de Saúde dizem que agirão de maneira muito diferente se houver outro ataque.

"Parece que não foi uma grande coisa fechar um escritório do correio", disse uma autoridade. Brentwood continua fechada, mas outras instalações estão sendo usadas e Washington recebe e manda correspondência normalmente.

Lições
"Acho que todos queríamos ter fechado Brentwood", disse Gerberding. "As lições a serem tiradas disso não são culpar ou criticar depois da ação, mas sim manter todas as possibilidades abertas".

A revista do CDC disse que o risco de outro ataque continua, já que os responsáveis pelas cartas não foram encontrados. "Um ataque usando um número maior de envelopes com esporos pode levar a muito mais casos, por causa da contaminação dentro do correio", escreveu uma equipe de especialistas do CDC em uma revisão do caso.

Hughes disse que o CDC aprendeu a importância da comunicação. Um dos obstáculos no começo do caso de antraz foi a relutância das agências em informar a população.

"Com certeza reconhecemos a importância de falar à população e a grupos profissionais".

Leia mais sobre o antraz:
  • Como é a contaminação

  • Diferença entre contaminação e exposição

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  • Doença é conhecida desde a era bíblica


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