Reuters
10/10/2002 - 21h09

Tom Tykwer recria o paraíso amoroso de Kieslowski

da Reuters, no Rio de Janeiro

Aos 37 anos, Tom Tykwer é a prova viva de que há um novíssimo cinema alemão, com personalidade para encarar um passado em que despontaram nomes como Wim Wenders, Werner Herzog, Volker Schlondorff e Rainer Fassbinder -os quatro primeiros, aliás, ainda na ativa.

Com apenas cinco filmes a seu crédito, três deles já vistos no Brasil - "Inverno Quente", "Corra Lola Corra" e "A Princesa e o Guerreiro"-, o jovem Tykwer arriscou-se na tarefa de filmar pela primeira vez uma história que não havia escrito e, numa ousadia maior ainda, de um roteiro inédito deixado por um dos monstros sagrados do cinema moderno, o polonês Krzystof Kieslowski, morto em 1996.

O resultado está em "Paraíso", uma das principais atrações do Festival do Rio BR 2002, com estréia brasileira marcada para o dia 18.

Um dos principais convidados do festival, em sua primeira visita ao Rio de Janeiro e à América do Sul, o franco e jovial cineasta não hesita em confessar que quase recusou o convite da Miramax para filmar "Paraíso".

"Era muito perigoso. Se eu errasse a mão, teria arruinado um roteiro de Kieslowski, todos me odiariam para sempre. Depois, senti que não poderia de fato arruiná-lo, seguindo meus próprios termos. No final, sempre haverá pessoas que odiarão o que você faz, não importa o que seja", justificou em entrevista exclusiva.

E o público brasileiro que viu o filme aprovou inteiramente sua visão dessa insólita e delicada história de amor entre a professora de inglês Philippa (Cate Blanchett), assassina acidental de quatro pessoas num atentado equivocado, e o policial Filippo (Giovanni Ribisi), que se obstina por deixá-la escapar da justiça. O cineasta observa que esse tipo de reação positiva é um dos fatores que alimentam sua vontade de filmar.

Tykwer também não é o tipo de cineasta que se coloca num pedestal acima do público. "Sou espectador também. Não me coloco separado da platéia, como diretor. Só continuo fazendo filmes porque, como espectador, ainda estou à procura de algo que ainda não vi", afirmou Tykwer.

"Acho que minha inspiração vem das deficiências que sinto como espectador. Como público, ainda sinto falta de filmes específicos, que ainda não foram produzidos. Então, tenho que produzi-los. Assim é que consigo fazê-los."

Além de reações como a da platéia brasileira no Cine Odeon, o cineasta alemão também conseguiu uma aprovação de peso para sua adaptação de "Paraíso": a do parceiro de Kieslowski na elaboração do roteiro, Krzsystof Piesewicz.

Depois de assistir ao filme, o co-roteirista disse-lhe: "Esse é o melhor de dois mundos". Para Tykwer, esse "foi o maior elogio que já recebi na vida".

Trilogia

Essa aprovação, porém, não o leva a entusiasmar-se para assumir uma possível direção das duas outras partes desta trilogia, da qual fazem parte ainda "Inferno" e "Purgatório".

Tykwer relata que existem uma primeira versão do script de "Inferno" e um esboço de "Purgatório", mas que ele não pretende envolver-se em nenhum dos dois projetos caso sejam levados adiante pela Miramax.

"Não existe a menor possibilidade de isso acontecer", assegurou. O motivo reside nas enormes dificuldades que encontrou para produzir "Paraíso".

"Equilibrar o filme, fazer a ambiguidade e a ambivalência da história funcionarem e manter a fluidez, o rigor e a clareza que eu experimentei quando li o roteiro da primeira vez foi complicado", disse Tykwer. "Queria que o filme fosse tão fluido, tão rigoroso e tão claro quanto o roteiro e, ao mesmo tempo, complexo como quando eu li a história. E chegar aí foi realmente solitário."

Por isso, ele não pensa em voltar a essa seara, mas insiste que, a seu ver, "Inferno", já foi feito. Lembrando que esse capítulo da trilogia deveria, originalmente, ser filmado em Los Angeles, ele afirma: "'Cidade dos Sonhos', de David Lynch, é o filme que mostra Los Angeles como o inferno."

Passaporte para Hollywood recusado

Fazer "Paraíso", seu primeiro filme em inglês, marcou também a abertura das portas de Hollywood ao diretor alemão. Ele admite estar recebendo diversos convites dos EUA para dirigir todo tipo de filmes, inclusive projetos que nada têm a ver com seu perfil profissional, como o gênero de ação.

"Os produtores norte-americanos identificam você como um talento em potencial e tentam engajá-lo em qualquer coisa, apenas para tê-lo a serviço deles", criticou.

Mas a meca do cinema não seduz o diretor, que pretende manter sua independência. "Não me sinto tentado a ir para lá e a filmar o que têm me oferecido. Seria apenas dinheiro. Não compreendo porque pessoas precisam de milhões de dólares para viver. Não terão tempo de vida para gastar tudo isso!", alfinetou Tykwer.

Longe de Kieslowski e de Hollywood, tudo o que o diretor quer agora é descansar dos dois anos de árduo trabalho dedicado a "Paraíso" e pesquisar novos projetos, voltando a dedicar-se à sua produtora X Films, uma das mais ativas formadoras de novos talentos na Alemanha hoje.

Em sete anos de existência, a empresa produziu 16 filmes -inclusive os quatro anteriores de Tykwer --, empregando hoje 50 pessoas e fazendo sua própria distribuição.

O segredo deste sucesso, para Tykwer, é simples. "Tudo se resume a produzir bons filmes, que sejam tão pessoais, ousados e complexos quanto possível sem perderem sua conexão com o público."
 

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