Lula repete façanha de Mitterrand ao mudar discurso
MARCIA DETONIda Reuters
Luiz Inácio Lula da Silva chega à Presidência na quarta disputa sucessiva para o cargo, repetindo o feito de outros esquerdistas, como o chileno Salvador Allende --eleito, em 1970, na quarta tentativa -- e o francês François Mitterrand-- que se elegeu em 1981, na terceira campanha presidencial. Mas, ao contrário de Allende e Mitterrand, Lula só chegou lá depois de renunciar ao socialismo.
Muitos, dentro e fora do Partido dos Trabalhadores, achavam que o ex-metalúrgico, com seu discurso raivoso contra as elites e falta de educação formal, jamais conseguiria levar o PT ao poder.
Mas, numa jogada política que lembra a modernização do Partido Trabalhista britânico cinco anos atrás, Lula e a cúpula do PT abandonaram velhos dogmas de esquerda. Assumiram um discurso conciliador, aliaram-se a setores liberais e conservadores e prometeram manter os acordos do atual governo e a estabilidade econômica, conquistando a confiança dos eleitores.
Os opositores alertam que o ``Lula light,'' com ternos Armani e postura de estadista, não passa de lobo em pele de cordeiro. Mas analistas políticos dizem que as posições moderadas do PT não são meramente eleitoreiras e refletem o amadurecimento da esquerda no mundo inteiro.
``Não me parece que a liderança do PT seja cega a ponto de dizer essas coisas todas sem pretender cumpri-las. Teria um preço elevadíssimo. O discurso me parece sincero'', diz Plínio Dentzien, da Unicamp.
Francisco Fonseca, da PUC-SP, argumenta que ``a moderação é um movimento que o PT vem fazendo já há algum tempo em direção ao centro, incorporando outras classes sociais, a classe média, os profissionais liberais''.
``Isso é claramente percebido em diversas prefeituras e governos do Estado petistas. Não é apenas discurso'', completa.
SOCIAL-DEMOCRACIA OU TERCEIRA VIA?
O PT, que, na sua fundação, 22 anos atrás, desprezava a social-democracia, caminha agora, segundo os analistas, nessa direção.
Dentzien observa, no entanto, que as mudanças ideológicas no PT não são tão profundas quantas as ocorridas na esquerda européia, ``mais habituada a trabalhar dentro de limites e sem veleidades de grandes rupturas''.
``A Terceira Via de Tony Blair é mais liberal'', diz Fonseca ao comparar o novo programa do PT com a proposta do primeiro-ministro trabalhista britânico de buscar uma combinação de crescimento econômico e justiça social, com a eliminação de subvenções e clientelismos inerentes ao Estado patrão e assistencialista.
A nova linha adotada pelo PT, segundo Fonseca, assemelha-se mais à social-democracia européia do pós-guerra, com um Estado desenvolvimentista induzindo o crescimento econômico.
Mas se o discurso de Lula não é o da Terceira Via de Blair, a prática, a partir de agora, deveria ser, opina o cientista político da London School of Economics Francisco Panizza.
``A melhor estratégia para o PT seria seguir a linha do Partido Trabalhista britânico, que adotou, nos dois ou três primeiros anos de mandato, uma política fiscal conservadora para colocar os fundamentos da economia no lugar'', diz Panizza.
``Isso permitiu que os trabalhistas tivessem fundos, mais adiante, para investir na área social, o que estão fazendo agora'', salienta .
Teoricamente, a sugestão de Panizza é boa, diz Benício Schimidt, da Unicamp. ``Mas Lula vai pedir austeridade para quem? Para a classe média que já está rastejando?''.
``Na Europa há um Estado de bem-estar social. Aqui há uma carência histórica. Não há como colocar, primeiro, a casa em dia quando as pessoas estão passando fome'' acrescenta Fonseca. ''Aqui, essa política de estabilizar, para crescer e depois distribuir não dá certo.''
Para o cientista político da PUC-SP, Lula precisará promover, antes, um política distributiva, ``que não será muito grande, mas será mais agressiva que a realizada nos últimos dez anos''.
Num ponto, no entanto, os analistas concordam: Lula enfrentará uma forte pressão no Palácio do Planalto porque os parcos 7,5 bilhões de reais previstos no Orçamento para investimentos no próximo ano não vão permitir projetos sociais de grande alcance.
``O governo vai ter de estar preparado para receber muitas críticas dos dois lados e mostrar que faz diferença sem cair no populismo econômico que tem sido um desastre para os governos de esquerda na América Latina e no mundo todo'', diz Panizza.
ACOMPANHE a apuração em tempo real
Leia mais no especial Eleições 2002