Reuters
27/10/2002 - 23h40

Modelo de transição favorece biografia de FHC

ISABEL VERSIANI
da Reuters

Ao tomar a iniciativa de promover um processo de transição de governo inédito na história do país, o presidente Fernando Henrique Cardoso trabalha, também, em prol de sua própria biografia.

Mesmo tendo fracassado em eleger seu sucessor, o tucano deixa sua marca no final de oito anos de governo ao inaugurar uma prática política unanimamente elogiada por cientistas políticos e analistas.

``Ele está marcando a biografia política dele, tanto no plano histórico, como no atual momento, comparativamente a outros estadistas'', afirmou à Reuters o cientista político Fernando Abrúcio, da PUC-SP.

``Eu acho que é um sinal de quem pensa maior, isso tem que ser reconhecido'', disse a Reuters uma fonte do Palácio do Planalto que pediu para não ser identificada.

O atual governo criou 50 cargos públicos para serem ocupados, imediatamente após o anúncio do resultado das eleições, por membros da equipe do presidente eleito.

O grupo deverá trabalhar em contato direto com uma equipe orientada a fornecer todas as informações sobre iniciativas do atual governo, estrutura da máquina e projetos não concluídos.

Fernando Henrique também anunciou que a equipe do próximo governo deverá ter participação ativa na revisão do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), prevista para novembro, e que deverá ser convidada, ainda, a acompanhar o atual presidente nas últimas viagens internacionais de seu mandato.

Cientistas políticos entendem que essas medidas serão importantes para permitir que o próximo governo se familiarize com os problemas que terá de enfrentar a partir da posse, em janeiro, além de minimizar a sensação de ruptura política, mandando um sinal tranquilizador aos mercados, que tinham preferência clara pela candidatura do governista José Serra.

Para alguns analistas, no médio prazo a iniciativa também se revelará positiva para a imagem do governo Fernando Henrique, principalmente na medida em que futuros governos passem a adotar práticas semelhantes em outras transições.

``Ele se considera uma pessoa que fez reformas importantes no país, que fez o país avançar na cultura política etc, e agora ele dá um passo final, (garantindo) que seja uma transição absolutamente tranquila, transparente e civilizada'', afirmou Carlos Lopes, da consultoria SantaFé Idéias.

Mesmo durante o processo eleitoral, o presidente já havia dado indicações de que não pretendia bater de frente com o candidato do PT e que não aprovava o chamado ``terrorismo eleitoral'' usado por Serra em sua campanha.

Em discurso recente na CNI (Confederação Nacional da Indústria), Fernando Henrique disse que nada de ruim aconteceria se ``fulano ou beltrano'' ganhasse a eleição.

Na quinta-feira da semana passada, repetiu o discurso apaziguador. ``Também os brasileiros são um povo novo que não vai querer ficar com medo do que é novo e, portando, vai continuar acreditando no Brasil. E nós vamos vencer, vença quem vencer'', disse durante evento no Rio de Janeiro.

PAPEL DO PT

Apesar de concordar que Fernando Henrique tem o mérito de ter deslanchado um processo de transição institucionalmente inovador, Argelina Figueiredo, professora da Unicamp e coordenadora da Área Política do Centro Brasileiro de Administração Pública (Cebrap), ressalta que a reação do PT à medida foi igualmente relevante para garantir tranquilidade ao processo de mudança política.

``Eu acho que é uma situação que é mais do que uma iniciativa unilateral do Fernando Henrique, mas que essa iniciativa encontrou também um terreno fértil no cuidado que o PT está tendo nesse processo de transição'', afirmou Angela.

Para Figueiredo, o PT está deixando claro que pretende introduzir mudanças, mas que o fará de maneira segura. O esforço de ambos os lados --governo e oposição-- em minimizar os solavancos de uma mudança particularmente delicada reflete, na opinião da cientista política, ``um amadurecimento de todas as forças políticas do país''.

Os projetos de Fernando Henrique para o futuro ajudam a explicar o desinteresse do atual presidente em polemizar com o seu sucessor e preservar uma imagem de estadista.

O tucano já deixou claro que não tem a intenção de concorrer a novo cargo político, mas que também não pretende abandonar a vida pública.

Ele atualmente estuda um convite da Organização das Nações Unidas (ONU) para ser conselheiro especial da instituição.

O presidente também foi chamado para das aulas em universidades internacionais de renome, como Harvard e London School of Economics.

De certo, Fernando Henrique já revelou que pretender ter ''uma base'' em São Paulo, viajar bastante e doar toda a sua biblioteca para a Universidade de São Paulo.


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