Reuters
30/11/2002 - 18h25

Argentina assiste atônita à morte de crianças por desnutrição

da Reuters
em Tucuman (Argentina)

A Argentina pode produzir anualmente alimento suficiente para alimentar uma população equivalente à dos Estados Unidos, mas Débora, de apenas um ano, nem desconfia disso.

A mãe de Débora, solteira e desempregada, levou-a a este hospital infantil, na província de Tucumán, no norte do país, assim que o bebê ficou sem forças e parou de comer o pouco que lhe davam.

A menina chegou ao centro assistencial com diarréia, vermes e pesando menos de seis quilos, quase a metade do que uma criança de sua idade deve pesar.

Com o estômago inchado, Débora observa tudo de sua cama com olhos assustados. Mãe e filha sobrevivem apenas com uma sopa diária. Para enganar o estômago, tomam mate.

"É uma vergonha que isto esteja acontecendo na Argentina", disse Mirta, uma enfermeira que trabalhava na sombria sala de pediatria. Sua revolta é a mesma de milhares de argentinos, que vêem seu país quebrado, quando até poucos anos atrás era considerado um símbolo de prosperidade na América Latina.

Entre as centenas de casos de desnutrição, que pode causar a morte, Débora apresenta o "grau 3", o mais extremo, quando o peso corporal é 40% menor que o normal.

A Argentina, com um décimo da população dos Estados Unidos, produz anualmente o equivalente a duas toneladas de grãos para cada um de seus 36 milhões de habitantes.

Mas uma depressão pior do que a registrada nos EUA na crise de 1930 empobreceu milhões de famílias, a tal ponto que a única maneira de alimentar seus filhos é através da ajuda do Estado, que se encontra falido.

Débora, até agora, teve sorte. Nos últimos meses, cinco crianças morreram por desnutrição no precário hospital de Tucumán. Grupos de saúde afirmam que uma em cada cinco crianças está desnutrida no país. A morte de menores na Argentina e a imagem de crianças com seus estômagos inchados provocou uma crise de consciência entre os habitantes.

"Algumas vezes tenho que dizer a mim mesma que isso não é a África, é a Argentina", disse Mirta.

A Argentina sempre se orgulhou de ter um dos melhores padrões de vida da América Latina e vangloriava-se perante o resto dos países em desenvolvimento. Mas as mortes em Tucumán e em outras províncias mostraram às pessoas o quanto caiu seu país, que há 70 anos tinha um nível de vida igual ao do Canadá.

Os argentinos culpam a corrupção pela escassez de fundos. "Atrás disso está o dinheiro. A falta de fundos não é o problema. O problema é a corrupção, o clientelismo", disse Pablo Garretón, diretor do hospital em Tucumán. "O que aconteceu este ano foi que a corrupção juntou-se à crise."

A enfermeira Mirta queixa-se da escassez de medicamentos e de como precisa implorar às empresas por doações. Na pediatria, o ar-condicionado não funciona. Só um ventilador movia-se lentamente para tentar aplacar o calor de mais de 40 graus centígrados.

A desvalorização do peso em janeiro disparou o preço dos alimentos, golpeando fortemente os mais desprotegidos da sociedade. O custo dos remédios triplicou.

Um dos locais mais afetados foi Tucumán, uma província de mais de um milhão de habitantes e um dos maiores exportadores de limão do mundo.

No hospital infantil, cerca de 200 mães se reuniam diante do portão. Alguns bebês choravam debaixo de um sol abrasador. Outros, com o cabelo rareando por causa da desnutrição, encostavam-se nos ombros de suas mães com o olhar vazio.

"Os bebês que não choram são os que mais preocupam", disse um médico que pediu para não ser identificado.

Ao meio-dia, o hospital havia atendido apenas 11 das 200 crianças que esperavam. Quase todos os pacientes seriam enviados de volta a suas casas.

"Tudo o que podemos fazer é dar conselhos sobre o que devem comer, quando sabemos que eles não podem comprar nada. Depois os mandamos de volta. Uma semana mais tarde, (as mães) voltam com os filhos, em estado pior", disse o médico.
 

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