Reuters
06/12/2002 - 12h13

Abortos de meninas explicam desigualdade de sexos na Índia

da Reutres, em Nova Déli

Trabalhadores que limpavam valas em uma cidade no norte da Índia descobriram recentemente dois fetos do sexo feminino abortados, em um caso que destaca o preconceito do país contra as meninas.

Poucas semanas depois, um saco com 12 fetos e corpos de bebês, todos do sexo feminino, apareceu na mesma cidade de Alwar, no Estado de Rajasthan. A polícia acredita que o saco foi jogado por uma casa de saúde.

Os casos indicam uma clara evidência da preferência dos futuros pais por meninos em vez de meninas, em um país com mais de 1 bilhão de habitantes que sofre a exploração de médicos famintos por dinheiro e que usam o ultra-som para detectar o sexo dos fetos.

"Essa é uma aliança profana da tradição com a tecnologia. O ultra-som não foi criado para a seleção sexual", disse o demógrafo Ashish Bose. "Essa é uma maneira de médicos gananciosos ganharem dinheiro."

O resultado da procura desenfreada por filhos do sexo masculino ficou clara no censo de 2001. Na faixa do zero aos seis anos de idade, existiam 927 meninas para cada 1.000 meninos, número inferior aos 945 de uma década atrás.

Mas essa taxa nacional mascara grandes variações regionais. No Estado de Punjab, no norte do país, existem 793 garotas para cada 1.000 meninos, comparado a 875 meninas em 1991. A proporção global é de cerca de 1.005 mulheres para cada 1.000 homens.

A Índia tem uma longa história de infanticídio feminino -meninas que são envenenadas, asfixiadas, afogadas ou abandonadas à morte.

No início do século 19, o coronel britânico Alexander Walker registrou seu espanto ao ver uma mãe afogando seu bebê, do sexo feminino, em uma tigela de leite na região de Gujarat.

Agora, novas técnicas de aborto de fetos femininos tornaram-se comuns devido à fácil disponibilidade dos testes de ultra-som.

Embora o exame, que custa apenas 12 dólares, seja ilegal na Índia, a legislação geralmente é burlada e muitas clínicas oferecem o teste. Com máquinas de ultra-som portáteis, a mãe pode descobrir o sexo do bebê mesmo em áreas remotas.

"É ilegal, mas é feito em toda parte. O teste está disponível a um preço que todos podem pagar", disse a assistente social Mira Shiva, da Associação de Saúde Voluntária.

Explicação econômica
"Grande parte desse preconceito tem base econômica. Se você tem filhos, é melhor tê-los do sexo masculino, porque os meninos vão tomar conta dos pais quando ficarem velhos", acrescentou o demógrafo.

Além disso, as filhas saem de casa quando se casam e um dote -que pode variar de US$ 100 a um carro novo, jóias, um apartamento ou ainda mais- pode levar uma família à falência.

Segundo assistentes sociais, muitos dos pais que desejam saber o sexo do bebê antes do nascimento pertencem às classes sociais mais pobres, incluindo a rural e a composta por analfabetos.

O preconceito contra meninas também se estende para os centros urbanos, como na capital Nova Déli, onde o censo demonstrou que existem 850 garotas para cada 1.000 meninos em alguns bairros nobres.

"Geralmente, a mulher que dá a luz a uma menina não é tão bem tratada pela família do marido quanto aquela que é mãe de um menino", afirmou Shiva. "Algumas mães cometem suicídio por estarem preocupadas com o tratamento da família do marido. A família pode ser bem educada, ter dinheiro. A discriminação ultrapassa fronteiras."

O governo, assustado com a falta de meninas, criou uma lei proibindo ultra-sons em mulheres com menos de 35 anos de idade, mas a medida ainda não foi aprovada.

 

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