Reuters
22/01/2003 - 14h08

Grupo indígena armado surge na Bolívia para luta anti-repressão

da Reuters, em Colomi (Bolívia)

Camponeses quíchuas de uma zona de produção de coca do centro da Bolívia anunciaram o surgimento de um grupo armado para a defesa das causas indígenas frente à repressão militar e policial.

Um homem mascarado que se identificou como chefe do "Exército Dignidade Nacional" (EDN) disse hoje nas imediações de Colomi, na montanhosa região do Chapare, que a organização ainda não entrou em ação, mas que está pronta para isso.

"Estão ´metendo` bala e vamos responder", disse o mascarado, chamado de "chefe" por dois guarda-costas armados com velhos fuzis Mauser e o rosto também coberto por capuzes.

A entrevista aconteceu em uma casa simples nos arredores de Colomi, 45 quilômetros a nordeste de Cochabamba, uma região militarizada por causa do bloqueio de estradas feito desde 13 de janeiro por produtores de coca, que reclamam do combate ao cultivo.

O chefe encapuzado, que disse não ter patente nem nome de guerra, encabeçou dois dias antes uma primeira aparição de 12 combatentes do EDN em outra zona montanhosa, mais distante de Cochabamba, para a qual um fotógrafo da Reuters foi levado.

Esses combatentes, também armados com fuzis Mauser e com duas metralhadoras leves, fizeram exercícios em meio a ordens de comando e simulações de ações na montanha, frente às câmaras do jornalista da Reuters.

"Somos ex-soldados do Exército boliviano. Temos armas deixadas por nossos avozinhos índios para defender nossa pátria", afirmou o líder, que, como os outros, usava camisa verde e um chapéu camuflado com folhas.

Ele não quis dizer quantos homens tem o EDN, mas informou que eles formam "esquadrões" espalhados por todo o país, que tem uma grande fronteira com o Brasil.

"Estamos alçados em armas para que haja diálogo e não queremos que continue a matança dos nossos irmãos camponeses", disse o chefe ontem, durante o segundo encontro, em que fotos foram proibidas.

"Somos uma organização social, indígena. Não temos nenhuma vinculação política ou partidária, nem somos 'cocaleros' (referindo-se a grupos envolvidos com a produção de coca)", afirmou.

Feridos
Há nove dias, milhares de plantadores de coca bloqueiam a principal estrada do Chapare. Já houve enfrentamentos com a polícia e os militares, que deixaram pelo menos seis mortos e mais de 50 feridos, dos quais 15 soldados.

O ministro Alberto Gasser disse que pelo menos cinco desses soldados foram vítimas de uma emboscada cometida por "franco-atiradores 'cocaleros'", na sexta-feira (17), a cerca de 400 quilômetros de Cochabamba.

Gasser disse que os militares foram vítimas de disparos de fuzis Mauser.

Os protestos contra a erradicação da coca, cultivo considerado ilegal pelo governo, são conduzidas pelo deputado Evo Morales, um índio que no ano passado chegou ao segundo turno das eleições presidenciais.

Consultado em Cochabamba sobre o surgimento do EDN, Morales disse que desconhece sua origem e que seu partido, o Movimento ao Socialismo, não tem qualquer vinculação com a luta armada.

"Não tenho informação de que já haja movimentos armados, mas quando a imprensa informa que há ... soldados feridos, isso mostra que há companheiros que estão levando suas escopetas, suas Mausers, para se defender", afirmou o deputado na sede da Federação de Cocaleros do Trópico de Cochabamba.

Morales disse que atualmente "não há condições para uma luta armada" e que, se encontrar indígenas rebelados, vai procurar convencê-los "a tentar a luta pacífica".

O deputado disse também que hoje se intensificaram os bloqueios de produtores de coca no Chapare e em outras zonas do país. O objetivo é forçar o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e seu vice, Carlos Mesa, a renunciarem.

"Lutaremos pela saída de Goni apelido do presidente e de Mesa e pela convocação de eleições antecipadas", afirmou.

O último movimento armado que atuou na Bolívia foi o Exército Guerrilheiro Tupac Katari, fundado em 1992 pelo também líder indígena e hoje deputado Felipe Quispe, conhecido como "Mallku" (chefe supremo, no idioma aymara).

O grupo deixou de agir no começo de 1994, depois da captura de seus líderes. Quispe cumpriu cinco anos de prisão por participação em atentados, mas na semana passada um juiz determinou a extinção da pena e o arquivamento do caso.

Há mais de 35 anos, o revolucionário argentino-cubano Ernesto Che Guevara morreu na Bolívia, executado por ordem militar, depois do fracasso de um movimento guerrilheiro mantido durante nove meses por ele nas montanhas do Xancahuazú, no sudeste do país.

 

FolhaShop

Digite produto
ou marca