Reuters
28/01/2003 - 17h01

Dançarinos deficientes físicos criam novo mundo de movimentos

da Reuters, em Nova York

Kitty Lunn começou a estudar balé aos 8 anos de idade e hoje, mais de 40 anos depois, ainda não parou. Ela ficou paralisada dos quadris para baixo em 1987, quando escorregou no gelo e caiu por um lance de escadas. Mas, como outros dançarinos deficientes nos Estados Unidos, ela descobriu uma maneira de dançar que transcende a capacidade de andar.

Fundadora da companhia de dança Infinity Dance Theater, de Nova York, em 1994, Lunn conta que, depois de vê-la dançar, algumas pessoas chegam a jurar que ela não é paraplégica. Na coreografia "Neruda", ela passa da cadeira de rodas para o chão e dança com duas outras mulheres, fazendo movimentos fluidos de contorção, ajoelhando-se e dobrando-se da cintura para cima.

"Uso a palavra 'transpor'", disse Lunn em entrevista, descrevendo como ela traduz a dança, uma arte quase sempre ligada a imagens de saltos e chutes, para uma forma que incorpora dançarinos deficientes.

Outros preferem chamar tal arte de "dança integrada", observando que algumas companhias de dança -como, aliás, a Infinity- incluem dançarinos paraplégicos e outros que não apresentam problemas físicos.

"Não vemos o que fazemos como sendo uma dança deficiente", disse Judith Smith, diretora artística da companhia Axis Dance, de Oakland, California.

A bailarina, que teve a espinha dorsal danificada num acidente de carro quando tinha 17 anos, é uma das seis dançarinas deficientes no meio de outras quatro não-deficientes da companhia.

Novo Vocabulário da dança

Criar coreografias para bailarinos deficientes requer que se repense os elementos da dança e crie maneiras de integrar os movimentos dos dançarinos, alguns dos quais usam cadeiras de rodas. Mas tanto os dançarinos deficientes quanto os outros disseram que esse desafio abre o caminho para novas expressões artísticas.

Sabatino Verlezza contou que, quando se tornou diretor artístico da companhia Dancing Wheels (Rodas Dançantes), de Cleveland, em 1994, teve que criar uma nova linguagem da dança.

Douglas Scott, diretor artístico da Full Radius Dance, de Atlanta, contou que observa seus dançarinos de perto para compreender sua gama possível de movimentos e que chega a criar boa parte de suas coreografias sentado.

Mas ele não tem medo de enfatizar as diferenças entre os dançarinos: numa coreografia recente, colocou alguns deles sobre pernas de pau, para exagerar a diferença de altura entre eles e os que ocupavam cadeiras de rodas.

Desafiando os paradigmas da deficiência

A Dancing Wheels, fundada há 22 anos por Mary Verdi-Fletcher, que possui um defeito congênito na espinha, é vista como a primeira das companhias profissionais de dança a empregar deficientes. Hoje existem mais de 12 companhias desse tipo nos Estados Unidos, além de outras na Europa e Nova Zelândia.

O número delas não está crescendo tremendamente, mas seus participantes dizem que está ocorrendo um crescimento lento no campo e uma expansão do vocabulário da dança e da compreensão do que é a deficiência física.

"Existem grupos em todo o mundo", disse Scott, da Full Radius Dance, acrescentando que a lei norte-americana sobre os direitos dos deficientes físicos e o movimento em defesa dos direitos civis ajudaram a abrir caminho para a criação das companhias de dança para deficientes nos Estados Unidos.

Alguns dançarinos, como Lunn e Homer Avila, um bailarino de Nova York que teve a perna e o quadril direitos amputados em abril de 2001 devido a um tipo raro de câncer, se esforçaram muito para recriar suas carreiras de dançarinos depois de virarem deficientes. Outros descobriram a dança apenas depois de se tornarem deficientes.

"Basicamente, resolvi desafiar esse paradigma da deficiência física", disse Avila. "Quando fui operado, nunca duvidei de que iria voltar a dançar".

Lunn, por outro lado, contou que, depois de virar paraplégica, tentou abandonar a dança. Ao constatar que isso era impossível, começou a buscar uma nova maneira de dançar.

Judith Smith, da Axis Dance, que competia no circuito de saltos ornamentais antes de virar paraplégica, descobriu a dança depois de treinar artes marciais. "Eu queria me mexer", explicou.

Mas, mesmo que os dançarinos se sintam pessoalmente bem sucedidos, eles descobriram que desenvolver um público para suas companhias é um trabalho árduo, e eles lutam para ser reconhecidos como dançarinos.

"Ainda há gente no mundo da dança convencional que não vê o que eu faço como dança", disse Lunn.

Scott, da Full Radius Dance, quer evitar o equívoco mencionado sempre pelas companhias de dança de deficientes: "Algumas pessoas acham que estamos fazendo dança-terapia. Não estamos."

Para Axis, cujo trabalho criativo inclui números aéreos usando cordas e escadas, uma maneira de combater esses preconceitos foi encomendar números de dança de coreógrafos famosos como Bill T. Jones e Stephen Petronio, elevando o conceito da companhia no mundo da dança.

 

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