Reuters
25/02/2003 - 18h03

América Latina não apóia guerra, mas precisa de ajuda dos EUA

GABRIELA DONOSO*
da Reuters, em Santiago (Chile)

A milhares de quilômetros do Oriente Médio, mas à mercê dos efeitos de uma eventual guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, os governos da América Latina se debatem entre as declarações a favor da paz e o popular ditado que diz "não morda a mão de quem te alimenta".

Com estreitos laços comerciais, militares e financeiros, os países da região e a principal economia do mundo mantêm uma dependência difícil de ser ignorada na hora de tomar partido no conflito.

Os Estados Unidos estão tentando obter o apoio do Conselho de Segurança da ONU para um ataque no Iraque, que acusa de fabricar e manter armas de extermínio.

E, como vale tudo na guerra e no amor, o presidente George W. Bush redobrou seus contatos na América Latina, especialmente com países que têm em suas mãos votos decisivos dentro do Conselho: México e Chile.

"Não se trata de pressão", declarou o presidente chileno, Ricardo Lagos, a respeito dos telefonemas que tem recebido de Bush.

Votos-chave

O Chile, a exemplo do México, tem nos Estados Unidos seu principal mercado de exportações.

O presidente mexicano, Vicente Fox, manifestou abertamente oposição a um ataque unilateral dos Estados Unidos no Iraque, deixando claro que qualquer decisão deve ser tomada pelo Conselho de Segurança. Mas, em meio a pedidos pela manutenção da paz, não revelou qual será seu voto dentro do organismo de segurança.

Apesar de ser sócio dos Estados Unidos no Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o presidente mexicano disse que não teme represálias comerciais por não apoiar a guerra contra o Iraque.

"A paz deve seguir sendo nossa divisa", comentou o secretário mexicano de Governo, Santiago Creel.

O Chile, às vésperas de assinar um tratado de livre comércio com os Estados Unidos, negou que os vínculos econômicos sejam uma moeda de troca na hora de decidir seu voto no Conselho, mas o governo reconhece que os telefonemas de Bush não têm caráter imparcial.

"Há uma ação incessante dos Estados Unidos com todos os países que são membros do Conselho de Segurança", disse o chanceler interino do Chile, Cristián Barros. "Cada vez que os Estados Unidos telefonam é para tratar da situação do ponto de vista deles, não poderíamos pretender neutralidade", agregou.

Só direito de voz

Quem não tem direito a um dos 15 votos do Conselho de Segurança deixou clara sua posição contra os Estados Unidos, em nome de valores universais como amor e paz.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta convocar uma reunião de chanceleres sul-americanos para planejar uma ação conjunta regional contra a guerra, uma idéia que ainda não teve resposta de vizinhos.

"Ninguém está muito interessado em ir a essa reunião. No tema da guerra há um impasse imposto pelas discussões nas Nações Unidas", comentou um embaixador latino-americano no Brasil.

Lula foi enfático em seu último pronunciamento sobre o tema: "Fui eleito sob o lema 'paz e amor' e não me alinharei agora em favor da guerra".

A Argentina, atolada em uma profunda e prolongada crise econômica, opõe-se a qualquer ação militar dos EUA para desarmar o Iraque.

"A Argentina não participará de uma guerra unilateral nem de uma guerra disposta pelo Conselho de Segurança da ONU", disse o chanceler argentino, Carlos Ruckauf.

No outro lado da moeda estão as tentativas do governo argentino de recompor suas relações com os Estados Unidos e com organismos multilaterais de crédito, após mais de um ano de duríssimas negociações com o Fundo Monetário Internacional para conseguir um plano de ajuda que lhe permita levantar a cabeça.

O mesmo ocorre com o Uruguai, que acaba de atingir um bom ponto em suas negociações com o FMI para um programa de apoio econômico.

"O Uruguai entende que neste momento, antes de recorrer a extremas medidas de força, devemos transitar pelos caminhos que ainda restam para lograr o objetivo de desarmar o Iraque", disse Felipe Paolillo, representante do país no Conselho de Segurança.

O Peru, que goza de ajuda financeira do FMI e que recebe grande parte de seus investimentos externos dos Estados Unidos, disse que o desarmamento do Iraque deve acontecer de acordo com as resoluções do organismo multilateral.

O peso das armas

Não só a ajuda econômica alimenta os vínculos entre os Estados Unidos e a América Latina. A proximidade geográfica também leva à cooperação no combate ao narcotráfico.

O governo da Colômbia, que recebe anualmente apoio militar e logístico do país do norte, vem mantendo discrição com respeito ao Iraque e até agora não emitiu uma declaração oficial sobre o assunto.

Já o Equador, que conta com assistência militar para vigiar suas fronteiras contra o tráfico de drogas, mantém-se apegado à postura de respeito às resoluções da ONU, sem declarar-se abertamente contra uma eventual incursão bélica.

*Com colaboração de Adriana Barrera na Cidade do México, Guido Nejamkis em Brasília, Patricia Avila em Montevidéu, César Illiano em Buenos Aires, Carlos Andrade em Quito, Luis Acosta em Bogotá e Marco Aquino em Lima

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