Reuters
18/03/2003 - 09h45

Análise: Bagdá, ex-centro da civilização, na mira dos EUA

DOMINIC EVANS
da Reuters, em Bagdá

Para os 280 mil soldados norte-americanos e britânicos preparados para atacar o Iraque, a empoeirada cidade de Bagdá, às margens do rio Tigre, pode ser apenas um alvo na batalha.

Mas a "cidade dos califas", que já foi a capital do mundo islâmico durante centenas de anos, tem forte influência em milhões de árabes e orgulho de sua história e cultura.

O local foi um importante centro de filosofia, ciências e literatura no século 9 e atingiu o apogeu quando a Europa estava perdida nos anos negros e quase mil anos antes do surgimento dos Estados Unidos.



Sua destruição pelo Exército Mongol em 1258 balançou o mundo muçulmano, confirmando o declínio da força cultural e militar árabe que se espalhou por continentes.

Os iraquianos acreditam, no entanto, que a cidade ainda influencia os corações dos árabes.

"Países árabes e muçulmanos vêem Bagdá como antiga capital do Estado Islâmico", disse El-Hilwu Sadeq, chefe do Departamento de História da Universidade de Bagdá.

"Não é uma cidade simples. É vista como a herança de sua religião, de sua civilização e cultura", afirmou. "É um símbolo para eles."

Civilização

Fundada no ano 762 d.C., Bagdá viveu um florescimento literário nas décadas posteriores sob o comando de Haroun al-Rashid.

As 1.001 noites, obra que apresentou Aladin, Ali Babá e o Marujo Simbá ao mundo, datam da era de Haroun.

Ainda é conhecida como a capital que produziu os melhores poetas, escritores e artistas no Oriente Médio.

"Bagdá é a flor da civilização do mundo árabe e muçulmano", disse em recente entrevista o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Saud al-Faisal.

O poder de Bagdá diminuiu, mas a cidade continuou sendo o centro dos califas muçulmanos até ser dominada por Hulagu, neto do líder mongol Genghis Khan, em 1258 -ato que o presidente Saddam Hussein afirma que os Estados Unidos tentam repetir.

"O Hulagu desta era está atacando sua mãe, a civilização iraquiana", disse Saddam em discurso feito ao país recentemente. "O povo de Bagdá resolveu forçar os mongóis desta era a cometer suicídio em suas muralhas."

Restam poucos sinais da antiga Bagdá na cidade moderna -que tem mais de 5 milhões de habitantes, onde viadutos de oito pistas passam por cima de casas de barro, como legado dos petrodólares dos anos 70.

O conflito de oito anos com o Irã e a derrota na Guerra do Golfo de 1991, além de mais de uma década de sanções internacionais, brecaram o desenvolvimento.

Mas memoriais de guerra grandiosos, mesquitas e palácios presidenciais cercados por muralhas ainda aparecem no horizonte da planície Mesopotâmia.

Muitos moradores deixaram a cidade nos últimos dias, procurando refúgio em outras regiões ou fugindo para a Síria. Outros ficaram, apesar do perigo.

"Temos orgulho da nossa cidade. Passei a maior parte do meu tempo fora...mas me sinto mal quando estou longe", disse Dhafar Abdul- Kadir, chefe do Centro de Documentação de Bagdá, que compila registros históricos da capital.

"Este foi o centro de uma civilização. Naqueles dias as pessoas vinham estudar, agora vão para os Estados Unidos", disse. "Mas, mesmo agora, quando ouvimos sobre guerra e ataques, ainda estamos aqui."

 

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