Reuters
04/03/2004 - 06h07

China inclui direitos humanos em sua Constituição

da Reuters, em Pequim

Depois que os legisladores chineses aprovarem uma emenda simbólica numa sessão do Parlamento que começa nesta semana, a Constituição chinesa passará a proteger os direitos humanos, pela primeira vez.

Mas é pouco provável que a medida abra a porta para a liberdade plena de expressão. A oficialização dos direitos humanos vai abrir caminho para alguma discussão da questão no país e pode facilitar a chegada de mais reformas, mas é pouco provável que tenha impacto sobre o histórico chinês de abusos aos direitos humanos.

A Constituição já garante a liberdade de religião, expressão e reunião, mas esses direitos são bastante limitados.

"O conceito de direitos humanos ainda é muito vago na China", disse Liu Xiaobo, crítico literário e dissidente preso após os protestos pró-democracia da praça Tiananmen, em 1989. "O problema mais básico é que o respeito e a proteção que o Estado garante aos direitos humanos entra em conflito com o sistema de governo unipartidário, no cerne da Constituição", afirmou.

Reconhecimento

Mesmo assim, dizem analistas, a emenda constitucional reflete o reconhecimento, por parte do governo do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao, de que a China precisa enfrentar a questão de alguma maneira.

"É um sinal importante de que a China aderiu, ou foi convencida a aderir, ao conceito e à linguagem dos direitos humanos", afirmou, em Hong Kong, Nicolas Becquelin, da organização sediada em Nova York Human Rights in China (Direitos Humanos na China). "É um grande incentivo de legitimidade às pessoas que vêm trabalhando para proteger os direitos dos cidadãos chineses." Ele disse também que a emenda pode ser precursora de mudanças.

Entretanto, a emenda que deve ser aprovada pelo Congresso Nacional do Povo não tem poder por conta própria, em parte porque é formulada em termos tão vagos. Ela afirma simplesmente: "O Estado respeita e garante os direitos humanos".

Diferentemente do que acontece com a Constituição americana, são raros os casos de advogados na China que já tentaram evocar a Constituição para respaldar seus argumentos num tribunal. O objetivo da Constituição é criar diretrizes amplas. Algumas leis chinesas chegam a contrariar a Carta.

"É uma afirmação positiva", disse um diplomata ocidental. Mas a motivação por trás da emenda, para ele, não está clara. "Será que é uma reforma real? Ou é apenas o reconhecimento de que a China precisa melhorar seu trabalho de relações públicas?"

"De modo geral", disse Liu, "a Constituição chinesa, mesmo que venha acrescentada de direitos humanos --o que é um avanço-- coloca o poder do partido acima de tudo. Ela visa sobretudo proteger o monopólio que o partido exerce sobre o poder. É difícil avaliar se a emenda é ou não uma iniciativa tática que visa consolidar o poder do partido e manter a estabilidade social."

Direito de comer

A China insiste que direitos humanos fundamentais significam alimentar, vestir e alojar seu 1,3 bilhão de habitantes e que os direitos individuais devem ficar em segundo plano. Mas as reclamações sobre direitos humanos constituem uma espinha permanente nas relações externas.

Estados Unidos, União Européia e outros governos pressionam a China há anos para que ponha fim ao que qualificam como abusos dos direitos humanos: perseguições religiosas, tortura, confissões arrancadas à força e prisões políticas. No mês passado, o Departamento de Estado norte-americano repreendeu a China mais uma vez em seu relatório anual sobre os direitos humanos no mundo.

Dois dias antes do início da sessão anual do Parlamento, um grupo de direitos humanos com sede nos EUA disse que a sentença dada a uma empresária e ativista muçulmana tinha sido reduzida em função de "seu arrependimento genuíno e disposição em reformar-se".

Mas Yang Jianli, um cidadão americano que está preso por espionagem e por ter entrado ilegalmente na China, iniciou uma greve de fome para protestar contra o tratamento "deplorável" que vem recebendo na prisão, anunciou outro grupo.

Os apelos dentro da própria China pela melhora de alguns pontos em relação aos direitos humanos vêm crescendo, e alguns casos de destaque acabaram levando a modificações nas leis.

No ano passado, a China anulou uma lei que conferia à polícia poderes amplos para deter vadios e embarcá-los para suas Províncias de origem, sem serem submetidos a processo. A medida foi tomada depois do ultraje provocado pela morte, na prisão, de um designer detido por não estar portando os documentos exigidos.
 

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