Reuters
12/07/2004 - 08h02

Nova York cria plano para tirar sem-teto da rua

CHRISTINE KEARNEY
da Reuters, em Nova York

Todos os dias os habitantes de Nova York cruzam com sem-teto, desde pessoas esfomeadas pedindo esmolas diante de caixas automáticos de bancos até mendigos dormindo diante do reluzente edifício de Donald Trump na Quinta Avenida.

Confrontado com um número de sem-teto que é o mais alto da história recente, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, quer pôr fim a esse problema crônico. Trata-se de uma tarefa que nenhum outro prefeito da cidade já conseguiu levar a cabo.

Em uma iniciativa saudada pelos defensores dos sem-teto como grandiosa, mas já devida há muito tempo, Bloomberg prometeu reduzir a população sem-teto da cidade em dois terços em cinco anos. Se conseguir, superará os esforços do ex-prefeito Rudolph Giuliani, que tirou os sem-teto das ruas, levando-os para abrigos que hoje estão superlotados.

De acordo com o Departamento Municipal de Serviços para os sem-teto, numa noite recente de junho 36.498 pessoas sem-teto dormiram em 50 abrigos públicos, entre elas 15.260 crianças, e vários milhares de outras passaram a noite nas ruas.

O número de famílias sem-teto que dormiam em abrigos aumentou 104% nos últimos seis anos, sendo que este ano foram registradas 9.000 famílias sem-teto, enquanto a população total dos abrigos cresceu 80%.

Bloomberg quer prevenir o aumento dos sem-teto, oferecendo às pessoas que deixam as prisões, os hospitais públicos e os lares adotivos temporários ajuda para encontrar emprego e outras formas de assistência.

Pelo plano, a Prefeitura de Nova York vai oferecer assistência jurídica às pessoas que enfrentam ações de despejo, e um novo banco de dados vai rastrear os sem-teto de longa data.

O número de apartamentos de aluguel subsidiado para deficientes físicos e mentais irá de 5.000 para 12 mil, e mais assistentes sociais serão contratados para trabalhar com seus moradores.

Criminalidade

Bloomberg afirma que combater a condição de sem-teto é semelhante a combater a criminalidade, algo que a cidade vem conseguindo fazer nos últimos anos.

"Há poucos anos, muitas pessoas achavam que controlar a criminalidade em Nova York era um sonho impossível", disse Bloomberg no lançamento de seu programa ""União em Busca de Soluções que Superem os Abrigos". "Nós provamos que estavam equivocadas."

Mas para Frank Simmons, 37 anos, a promessa de Bloomberg significa muito pouco aqui e agora, enquanto ele batalha por um lugar para dormir.

Recentemente libertado da prisão, Simmons se casou com sua namorada, Lashonda, para que os dois pudessem ter direito a um apartamento de aluguel subsidiado. Eles foram encaminhados a um hotel para sem-teto, onde terão dez dias para fornecer os documentos para comprovar que têm direito à moradia subsidiada.

"Durante dez anos na cadeia achei que minha vida seria muito melhor quando eu saísse, mas hoje eu preferiria estar na prisão, onde tinha comida quente, banho e estudos", disse Simmons.

O ex-presidiário contou que seu agente de condicional o ameaçou, dizendo que, se ele não conseguir um apartamento, "vai me trancafiar de novo, já que não estou fazendo nada aqui fora".

Muitos sem-teto dizem que preferem dormir na rua do que enfrentar as regras dos abrigos, que exigem sobriedade, e o perigo de roubo e agressão nesses locais.

Andrew Acevedo espera há 14 meses no Camp La Guardia, um abrigo para homens de mais de 35 anos, para poder mudar-se para um hotel assistencial de quarto único. Ele conta que, nos primeiros 15 dias que passou no abrigo, foi atacado. Alguns abrigos, afirma, são tão ruins que "lembram um filme sobre presídios, aquela coisa de pesadelo".

Acevedo tem 42 anos e trabalhou durante anos em lojas varejistas, até perder seu último emprego. Ele conta que começou a dormir no metrô e tomar banho num ginásio público, até que seu dinheiro acabou e ele se mudou para o sistema de abrigos.

Numa cama ao lado da sua, ele apontou para um antigo executivo de Dubai, dizendo que "a nova face dos sem-teto" é formada por homens antes empregados que se tornaram vítimas da idade e da economia em baixa. "São homens que passaram a vida tentando trabalhar e integrar-se ao sistema."

Boa parte da população de sem-tetos de Nova York é composta de negros e hispânicos e concentrada nos bairros mais pobres, justamente aqueles que Bloomberg afirma que vai visar.

Batalha

O Departamento de Serviços para os sem-teto tem orçamento de US$ 700 milhões por ano. Seus funcionários se opõem à proposta da administração Bush de reduzir o financiamento aos subsídios para moradias para pessoas de baixa renda.

A diretora da Coalizão para os sem-teto, Mary Brosnahan Sullivan, disse que, embora seja a favor da ênfase dada por Bloomberg à prevenção, o prefeito enfrenta uma batalha difícil. "Antes do 11 de Setembro, já havia mais de 25 mil sem-teto, e esse número só vem crescendo desde que Bloomberg herdou um rombo enorme de Giuliani", disse ela.

O problema dos sem-teto está crescendo em todo o país, mas, disse ela, muitas unidades habitacionais de baixo custo foram perdidas em Nova York nos últimos 20 anos, período durante o qual os salários estagnaram.
Outras pessoas afirmam que o problema persistente dos sem-tetos em Nova York tem raízes políticas e na discriminação. "Existe um nível espantoso de discriminação com relação à moradia", disse Acevedo.

 

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