Reuters
24/09/2001 - 13h04

Escolas islâmicas do Paquistão "criam" jovens extremistas

da Reuters, em Quetta (Paquistão)

Hamid Ullah tem 13 anos e nunca ouviu falar de Osama bin Laden. Não sabe que os Estados Unidos odeiam o vizinho Afeganistão, mas sabe que é um muçulmano. Hamid passou quase toda sua vida em uma escola islâmica do Paquistão, no mesmo tipo de escola, chamada madrassa, onde a milícia Taleban (grupo islâmico que controla 90% do território do Afeganistão desde 1998 e impôs um regime marcado pelo extremismo e pelo conservadorismo) surgiu há menos de dez anos para se tornar protagonista da política internacional em 2001.

Há milhares de alunos nas madrassas paquistanesas. Os mais velhos já sabem que os Estados Unidos podem atacar o Afeganistão para caçar o militante de origem saudita Osama bin Laden, acusado de comandar os atentados de 11 de setembro contra Nova York e Washington.

Eles estão dispostos a pegar em armas para defender Bin Laden e o Taleban, o grupo que governa o Afeganistão segundo uma rígida interpretação do Alcorão.

"Bin Laden é um herói do Islã", disse Abdul Mannan, 22. "Vou lutar ombro a ombro com o Taliban se os soldados norte-americanos ousarem colocar os pés no Paquistão ou no Afeganistão."

Guerrilheiros de um grupo paquistanês pró-Taleban já começaram a se posicionar junto à fronteira para defendê-la de uma eventual invasão, segundo anunciou ontem em Quetta um líder do partido islâmico Jamiat Ulema-i-Islam.

Esse grupo radical sunita, que faz parte do Conselho de Defesa Afegão-Paquistanês, disse também que seus mujahideen (guerreiros santos) vão cercar as bases áreas do país para evitar seu uso por aviões dos EUA. A maioria desses mujahideen foi treinada no Afeganistão.

Decorar o Alcorão
Em Quetta, capital da distante província do Baluchistão, os alunos levantam ao alvorecer para rezar e passam o resto do dia recitando o Alcorão. A rotina é a mesma das outras 22 mil escolas religiosas do país. Os meninos mais novos não têm a menor idéia do que acontece do lado de fora e por isso são um campo fértil para a doutrinação.

Quase todas as escolas islâmicas, inclusive a de Baqi, estão em um ambiente de pobreza extrema, onde a vida subsidiada nas madrassas é uma ótima alternativa para os filhos de famílias numerosas.

A partir dos cinco anos, a escola é seu mundo. Durante anos, eles decoram cada verso do Alcorão, até se tornar um hafiz -alguém que memorizou todo o livro sagrado. "Só então eles começam seus dez anos de ensinamentos islâmicos e ficam sabendo algo do mundo ao seu redor", diz Maulana Abdul Baqi, administrador da madrassa Jamia Islamia Miftaul Uloom, de Quetta.

O local é mantido por donativos dos fiéis e tem 500 estudantes, dos quais 400 internos. Como a maioria dos diretores de madrassas, Baqi acha que fotografias e televisão são prejudiciais ao Islã e defende que o lugar das mulheres é dentro de casa.

É o conceito de religião defendido pelo Taleban, mas não pelo regime militar do Paquistão, comandado por Pervez Musharraf. Por apoiar os Estados Unidos na atual crise, Musharraf se arrisca a atrair o ódio dos militantes islâmicos.

Quando um muçulmano cruza o limite e se torna um opressor e viola os princípios do Islã, ele é convidado a se corrigir. "Caso se recuse a ouvir, a guerra contra ele se torna um dever de todo muçulmano", disse o estudante Mohammad Ismail, 23. "Se o governo acha que vamos trocar nossos irmãos afegãos por ajuda e prosperidade, está cometendo um grave erro."

Ismail condena os atentados nos Estados Unidos, mas acha que a culpa é dos próprios norte-americanos. "O jeito que a América conduz os assuntos mundiais, como a única superpotência, significa que o país se tornou um opressor, e as pessoas, especialmente muçulmanas, o vêem como um inimigo", disse. "Agora, eles precisam ter cuidado ao retaliar. Bombardear civis inocentes no Afeganistão só por causa de Osama não é diferente de atacar o World Trade Center."

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