Sherlock Homes ganha ar tupiniquim em "O Xangô de Baker Street"
da ReutersElementar, meu caro leitor, não há dúvida alguma quanto à identidade do detetive mais famoso do mundo. Mas a novidade é que o britânico Sherlock Homes ganhou um ar tupiniquim na comédia "O Xangô de Baker Street", de Miguel Faria Jr., estréia de hoje em São Paulo.
Sem nenhuma pretensão que não seja o entretenimento, o filme, inspirado no livro homônimo de Jô Soares, apresenta sequências bastante engraçadas e inusitadas, como uma explicação para o surgimento da famosa caipirinha e a introdução de Sherlock e de Watson numa cerimônia de candomblé, mas não foge de algumas piadas bem clichês, como os insistentes tombos do detetive inglês.
Durante o Segundo Reinado, no ano de 1886, o Rio de Janeiro assiste às apresentações da atriz francesa Sarah Bernhardt (Maria de Medeiros), em sua primeira visita ao Brasil.
A moça encanta a todos, inclusive ao ilustre imperador Dom Pedro 2º (Cláudio Marzo), que a cumprimenta pela atuação e, de quebra, lhe faz uma inconfidência: um precioso violino Stradivarius, presente para a bela viúva baronesa Maria Luiza (Cláudia Abreu), havia misteriosamente desaparecido.
Complacente com a aflição do monarca, a atriz sugere os serviços do lendário detetive inglês Sherlock Holmes (Joaquim de Almeida) que, pouco tempo depois, aporta na cidade na companhia do inseparável amigo Dr. Watson (Anthony ODonnell).
Enquanto a corte respira a influência francesa e jovens intelectuais discutem literatura e política, moças são cruelmente assassinadas e o autor dos crimes faz questão de deixar como marca orelhas decepadas e cordas de violino estrategicamente colocadas.
Para capturar o primeiro serial killer do país, o delegado Pimenta (Marco Nanini) pede auxílio a Sherlock que está bastante empenhado em descobrir outros mistérios brasileiros: vatapá, feijoada, caipirinha, maconha e mulatas.
"O Xangô de Baker Street", em meio às agitações políticas que precederam a Proclamação da República, em 1889, une figuras históricas como Sarah Bernhardt, Dom Pedro 2º, Chiquinha Gonzaga e Olavo Bilac, a personagens fictícios, num cenário assolado pelas idéias abolicionistas.
A produção é impecávcel e o roteiro amarra de forma adequada os momentos de suspense com as cenas de comédia. Bons atores como os portugueses Joaquim de Almeida e Maria de Medeiros salvam algumas fracas pontas.
É o caso da rápida aparição de Jô Soares que, para matar as saudades dos tempos de humorista, encarna uma autoridade policial e termina a cena com o registrado gesto para que o quinteto de seu programa de TV interrompa a música.
Por falar em música, merece destaque a singular trilha sonora assinada por Edu Lobo, que atinge o ápice em um duelo, não de espadas mas de violinos entre Sherlock e um membro da corte, o Marquês de Salles (Marcello Antony).
Mas o clima de caipirinha e feijoada cai por terra no final excessivamente violento e desnecessário. Outra cena de mal gosto relacionada ao fígado de um cadáver também é capaz de dar náuseas mas, no todo, a fita deve agradar a grandes platéias interessadas apenas em dar boas gargalhadas.