Folha Online sinapse  
24/09/2002 - 02h37

Veja os passos para compreender Villa-Lobos

IRINEU FRANCO PERPETUO
free-lance para a Folha de S.Paulo

A melodia mais conhecida de Villa-Lobos é a "Ária" (1938) das "Bachianas Brasileiras nº 5" . Com texto de Ruth Valadares Corrêa, escrita para soprano e oito violoncelos, a pungente cantilena, de evidente parentesco com a "Ária", de Bach, e com o "Vocalise", de Rachmaninov, foi popularizada pela gravação de Bidu Sayão (Sony, escute trecho) e registrada por sopranos do naipe de Victoria de Los Angeles (EMI), Kiri Te Kanawa (Decca) e Anna Moffo (RCA Victor), entre outras. Como curiosidade, vale o registro da cantora pop Joan Baez.

Competindo em popularidade com as "Bachianas Brasileiras nº 5 está "O Trenzinho do Caipira" , movimento final das "Bachianas Brasileiras nº 2" (1938), para orquestra, inspirada nas viagens de trem que o compositor fez em 1931 para a difusão da música de concerto pelo interior do Estado de São Paulo. Boas gravações não faltam, como as de Eugene Goossens (Everest) e Eduardo Mata (Dorian). Com letra de Ferreira Gullar, "O Trenzinho do Caipira", na versão vocal, foi registrado por Ney Matogrosso ("O Cair da Tarde", Polygram, 1997).

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Villa-Lobos comanda orquestra
Familiarizado com a "Ária" e "O Trenzinho do Caipira", você terá curiosidade em conhecer, na íntegra, as nove "Bachianas Brasileiras" , compostas nos anos 30 e 40 para diversas formações instrumentais. Embora o caráter nacional esteja sempre presente, a homenagem a Bach parece responder ao mesmo tipo de motivação neoclássica seguida por vários compositores europeus contemporâneos de Villa-Lobos, como Stravinski. Há vários registros separados das "Bachianas" e três integrais, com destaque para o do regente mexicano Enrique Bátiz, com a Royal Philharmonic Orchestra (EMI). Feito com a Orquestra Sinfônica Brasileira, em 1987, o registro de Isaac Karabitchevsky traz como atração extra o solo do pianista Nelson Freire nas "Bachianas Brasileiras nº 3", mas é difícil de ser encontrado, pois saiu em CD por um selo pequeno (JSL). Outra opção é a gravação feita sob a batuta do próprio compositor, presente na luxuosa edição de seis CDs "Villa-Lobos par Lui-Même" (EMI, escute trecho de "O Trenzinho do Caipira").

Tendo se familiarizado com a parcela mais difundida da produção musical de Villa-Lobos, é hora de conhecer sua biografia. Em português, a mais madura e equilibrada é "Villa-Lobos", de Lisa Peppecorn (Ediouro, 2000). "Heitor Villa-Lobos" (Villa Rica, 1989), de Vasco Mariz, tem o mérito do pioneirismo. Em língua estrangeira, vale destacar "Heitor Villa-Lobos: The Life and Works, 1887-1959" (McFarland & Company Inc. Publishers, 1995), profundo estudo do musicólogo finlandês Eero Tarasti.

Objetos pessoais, instrumentos musicais e fotos estão na exposição permanente do Museu Villa-Lobos aberto à visitação, localizado em um casarão tombado do século 19 no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Fundado por sua viúva, Arminda Villa-Lobos, em 1960, um ano depois da morte do compositor, o museu abriga ainda um acervo de partituras, gravações e documentos à disposição de pesquisadores. Mais informações no site www.museuvillalobos.org.br, que também traz dados sobre a vida e a obra do compositor, links e excertos de algumas de suas principais criações.

Quando estiver navegando no site do Museu Villa-Lobos, aproveite para visitar outras páginas relacionadas ao compositor, como a Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Fundação Biblioteca Nacional (http://pub2.lncc.br/dimas/vlobos.htm), que traz informações biográficas, além de músicas digitalizadas. A melhor página estrangeira sobre o compositor é a Red Deer (www.rdp.red-deer.ab.ca/villa), com notícias e informações atualizadas sobre gravações e performances de suas obras.

Se as "Bachianas Brasileiras" são a parte mais popular da produção musical de Villa-Lobos, os 12 "Choros" , compostos ao longo da década de 20, são considerados a parcela mais representativa e expressiva. Na juventude, Villa-Lobos era um "chorão" e tocava com os músicos de rua do Rio de Janeiro, tendo daí extraído a inspiração para o ciclo. A exemplo das "Bachianas", os "Choros" foram pensados para diversas formações. Dos "Choros" de câmara, há uma boa gravação integral lançada pela Kuarup. Os "Choros" orquestrais receberam vários registros, como os de Kenneth Schermhorn ("Choros nº 8 & nº 9", selo Marco Polo) e Sakari Oramo (nº 11, Ondine). Ao lado dos "Choros nº 1", para violão solo, a obra mais famosa do ciclo são os apoteóticos "Choros nº 10", para coro e orquestra, que têm como subtítulo "Rasga o Coração", por utilizar como tema a canção homônima de Anacleto de Medeiros. Entre os diversos registros da obra, destaque para o de Michael Tilson Thomas ("Alma Brasileira", RCA Victor).

Em seu tempo de "chorão", Villa-Lobos tocava violão, instrumento que à época sofria forte preconceito, sendo associado à marginalidade. Em www.flamenco.org/desde/desde_el_escritorio.html, é possível ler uma entrevista feita com o compositor em 1958 sobre o instrumento. Com seus cinco prelúdios e, principalmente, com os 12 estudos para violão solo , Villa-Lobos fez uma contribuição das mais decisivas para o repertório erudito do instrumento. É possível encontrar gravações feitas pelos maiores violonistas do mundo, desde o pioneiro espanhol Andrés Segovia (a quem os estudos foram dedicados) até o australiano John Williams. Vale conhecer a do paulista radicado em Londres Fabio Zanon ("Heitor Villa-Lobos: the Complete Solo Guitar Music", da Music Masters), para violão solo, e a do inglês Julian Bream (RCA Victor), com o concerto para violão e orquestra.

Outro instrumento importante na produção musical de Villa-Lobos é o piano, que era tocado por sua primeira mulher, Lucília Guimarães. Ela auxiliou bastante o compositor com correções em suas primeiras obras, já que a formação musical de Lucília era mais sólida que a do marido, que foi, em grande medida, um autodidata. A única gravação integral da obra para piano de Villa-Lobos foi feita por Anna Stella Schic : a caixa de sete CDs do selo Disques Fy et du Solstice é hoje item de colecionador. Vale a pena ir atrás de itens isolados, como "Nelson Freire Interpreta Villa-Lobos" (Teldec), que traz um registro impressionante do "Rudepoema", obra que o compositor idealizou como um retrato do pianista Arthur Rubinstein. Ou, ainda, o próprio Rubinstein tocando a "Prole do Bebê nº 1" (em "Carnegie Hall Highlights", do catálogo da BMG, escute trecho de "O Polichinelo"). Os concertos para piano e orquestra receberam um registro de alto nível da pianista Cristina Ortiz (Decca).

Uma das principais críticas que se faz ao filme "Villa-Lobos, uma Paixão" , de Zelito Viana, é a falta de ênfase na participação do compositor na Semana de Arte Moderna de 1922. A lacuna pode ser suprida com a leitura de "O Coro dos Contrários: a Música em Torno da Semana de 22", de José Miguel Wisnik (Duas Cidades, 1983).

Reprodução
Cena de "A Flor Que Não Morreu" (1969), com Audrey Hepburn (à dir.)
Villa-Lobos escreveu duas trilhas sonoras para o cinema. A primeira, para o filme "O Descobrimento do Brasil" (1937) , de Humberto Mauro, acabou resultando na composição de quatro suítes orquestrais, que foram gravadas pelo maestro Roberto Duarte (Marco Polo). A segunda foi a trilha sonora do filme "A Flor que não Morreu" ("Green Mansions", 1959) , da MGM, de Mel Ferrer, protagonizado por Audrey Hepburn. O compositor Bronislau Kaper, que mexeu bastante na partitura, dividiu os créditos da música que foi às telas. Descontente, Villa-Lobos acabou compondo "A Floresta do Amazonas", para soprano, coro masculino e orquestra, para restaurar suas intenções originais. As opções em disco são a soprano norte-americana Renée Fleming, sob a batuta de Alfred Heller (Consonance), e Bidu Sayão, com regência do próprio compositor (EMI).

Embora sua reputação repouse principalmente nas novas formas musicais criadas por ele, como as "Bachianas" e os "Choros", Villa-Lobos também se debruçou sobre as formas tradicionais, escrevendo 12 sinfonias e 17 quartetos de cordas . Praticamente esquecidas, as sinfonias vêm sendo resgatadas pelo regente texano Carl St. Clair, que fez o registro pelo selo alemão CPO. Já os quartetos de cordas possuem nada menos do que três gravações integrais: Quarteto Danubius (Marco Polo), Cuarteto Latinoamericano (Dorian) e Quarteto Bessler-Reis/Quarteto Amazônia (Kuarup).

(exclusivo do Sinapse Online)- O período mais polêmico da vida de Villa-Lobos é aquele em que ele serve o Estado Novo, como diretor da Sema (Superintendência de Educação Musical e Artística), com intensa atividade didática baseada no canto coral, incluindo grandes apresentações ao ar livre. A experiência é discutida em "Villa-Lobos and the Experience of Orpheonic Singing in Brazil", de Ricardo Goldemberg (www.classical.net/music/comp.lst/articles/villa-lobos/orpheonic.html).

(exclusivo do Sinapse Online)- O público carioca terá, neste ano, algumas oportunidades de ouvir a música de Villa-Lobos ao vivo. Dia 1º de novembro, na Sala Cecília Meireles, Hugo Pilger é o solista da "Fantasia para Violoncelo e Orquestra", com a Orquestra Petrobras Pró Música, regida por Roberto Duarte. O programa é complementado pelo balé "Uirapuru". Em 7 de dezembro, tem mais "Uirapuru" —desta vez, no Teatro Municipal, com a Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Yeruham Scharovsky.

(exclusivo do Sinapse Online)- Para 2003, o Festival Amazonas de Ópera, de Manaus, programou "Magdalena", musical escrito por Villa-Lobos para a Broadway, em 1947. A partitura é uma colcha de retalhos feita com alguns dos temas mais famosos do compositor, e foi gravada pela Sony. Para o palco, Villa-Lobos teve encenadas ainda as óperas "Izaht", "A Menina das Nuvens" e "Yerma" —sobre o texto homônimo de García Lorca. Não há registro comercial de nenhuma das três, mas é possível adquirir uma gravação, em cassete, da estréia de "Yerma" pelo site Opera Direct (http://operadirect.com).

Links relacionados:
- Artigo de Ricardo Goldenberg www.classical.net/music/comp.lst/articles/villa-lobos/orpheonic.html
- Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Fundação Biblioteca Nacional - http://pub2.lncc.br/dimas/vlobos.htm
- Entrevista com Villa-Lobos - www.flamenco.org/desde/desde_el_escritorio.html
- Museu Villa-Lobos - www.museuvillalobos.org.br
- Opera Direct - http://operadirect.com
- Red Deer - www.rdp.red-deer.ab.ca/villa

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