Folha Online sinapse  
24/09/2002 - 02h41

Genética para a agricultura

SUZANA BARELLI
free-lance para a Folha de S.Paulo

Fundecitrus/Fapesp
Imagem microscópica da Xylella fastidiosa, praga responsável pelo amarelhinho

Um telefonema no feriado de 1º de maio de 1997 marca o início do Projeto Genoma da Fapesp. De um lado da linha, o biólogo Fernando Reinach, em seu sítio em Piracaia (SP), tentava explicar ao físico José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp, que estava em Ubatuba (SP), o seu plano de como viabilizar o mapeamento do primeiro genoma brasileiro. "Era uma idéia vaga, genérica, mas foi o embrião", lembra Perez. Dois meses antes, o diretor havia lançado ao biólogo, um dos membros da coordenação de área da fundação, o desafio de encontrar uma tecnologia própria em biologia molecular no promissor mundo dos genomas.

Na volta do feriado, os dois começaram a desenvolver a idéia do estudo genômico de seres causadores de doenças em plantas, que atendia aos pressupostos da Fapesp: a formação de recursos humanos brasileiros e um trabalho cooperativo. Outros pesquisadores foram chamados, como o belga André Goffeau, que havia coordenado um projeto genoma de leveduras de cerveja, e o escocês Andrew Simpsom, do laboratório de genética do Instituto Ludwig, que coordenou a execução do então primeiro megaprojeto 100% nacional na área de biologia molecular.

A escolha de decifrar o código genético da bactéria Xylella fastidiosa baseou-se na realidade brasileira. "Somos grandes exportadores de suco de laranja, grandes produtores de soja, de eucalipto. O genoma brasileiro deveria estar ligado à agricultura", diz Reinach. E a Xylella é um ser vivo que traz grandes prejuízos para a lavoura, ataca as culturas de laranja, provocando uma doença conhecida como amarelinho. O projeto envolveu também a Fundecitrus (Fundo Paulista de Defesa da Citricultura), preocupada com a praga, que investiu o equivalente a US$ 500 mil no trabalho.

Em outubro daquele mesmo ano, a Fapesp comunicou o início do projeto, que exigiu investimento equivalente a US$ 13 milhões, e convocou laboratórios a manifestarem interesse. "Esperava uns 15 grupos, e apareceram cem", lembra Perez. No final, 34 laboratórios foram selecionados, com mais de 200 pesquisadores. Cada centro foi ligado a uma rede, denominada de Onsa, as iniciais da sigla, em inglês, de Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleolídeo. Juntos trabalharam para descobrir os mais de 2,7 milhões de pares de bases nitrogenadas, que formam os genes da Xylella.

O trabalho, o primeiro sequenciamento genômico de um ser vivo que ataca plantações, foi publicado em 2000 e foi matéria de capa da "Nature", uma das mais renomadas revistas científicas. "Os Estados Unidos estavam com a atenção voltada ao genoma humano, e saímos na frente com a bactéria", lembra Reinach. Depois do trabalho, cientistas brasileiros pesquisam atualmente a decodificação de outros genomas de bactérias causadoras de doenças em plantas, como a Xanthomonas citri, do tumor de cítricos, e de genomas de culturas economicamente importantes, como a cana-de-açúcar e o eucalipto.

Leia mais:
- Da incerteza do laboratório para o investimento de risco

Leia mais na seção "Perfil":
- John Forgách
- Roberto Salmeron

     

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).