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24/09/2002 - 02h42

Aprendizado pela diferença

MARCELO VAZ
free-lance para a Folha de S.Paulo

Thiago Ferreira, 16, trocou um apartamento de classe média em São Paulo por um castelo britânico do século 12. Mas essa não foi a maior mudança em sua vida. Nos próximos dois anos, ele viverá na costa do País de Gales, estudando numa das unidades da United World Colleges (UWC), rede de escolas que existe desde 1962. Para o período letivo que começou neste mês, a UWC selecionou Thiago e outros três brasileiros que já estão no Canadá, nos EUA e na Itália para cursar o equivalente ao final do ensino médio.

Com sede em Londres, a organização UWC propõe a formação de líderes. A receita? Locais em que duas centenas de jovens entre 16 e 19 anos, representantes de 70 ou mais países, são encorajados ao serviço comunitário e à atenção a questões políticas e ambientais. Criada por influência de Kurt Hahn (1886-1974) educador alemão de pensamento liberal que emigrou para o Reino Unido em 1933, após a ascensão nazista, a UWC tem em Nelson Mandela um de seus símbolos. O ex-presidente da África do Sul é o atual presidente do conselho internacional da organização.

Marcelo Vaz/Folha Imagem
Paulo Fávero, aluno da UWC na Noruega. Clique aqui para ver galeria de fotos dos colégios

Por se tratar de colégios internos, o convívio é intenso e dedicado quase integralmente ao estudo e às atividades de formação complementar. "Em uma escola como essa, os amigos viram tudo. Você come junto, chora junto, dorme junto, coisa de irmão mesmo", afirma Paulo Fávero, 17, que, no ano passado durante seu primeiro ano como aluno de uma das unidades da UWC, dividiu quarto com colegas de Botsuana, da Bulgária, do Cazaquistão e da Noruega, onde estuda.

"O que se experimenta em um colégio desses tem muito a ver com respeito à diversidade de culturas e ao espaço do outro", afirma Ana Cristina Hebling Meira, 29, que concluiu o curso há dez anos. Heloisa Arantes, 40, que voltou do País de Gales em 1982, concorda. Ela deve à sua passagem por esse colégio o modo como encarou a vida em uma república, em Santos (SP), onde fez faculdade. "A experiência me ajudou. Já para as meninas que moraram comigo, foi difícil sair de casa." Formada em medicina, Heloisa também atribui à sua passagem por essa escola a atual facilidade ao interagir com representantes de outros países e culturas na área em que trabalha, a de pesquisa clínica.

Em média, de dois a quatro brasileiros são selecionados a cada ano. Interessados em concorrer às bolsas para a turma 2003-2005 podem se inscrever até 6 de dezembro. A ficha de inscrição, no site do comitê nacional, traz as exigências estar na primeira série do ensino médio em 2002 é uma delas. O processo de seleção envolve três etapas: prova escrita (todos os inscritos), entrevista (cerca de 30 selecionados) e convívio (12 finalistas).

Desde a fundação do primeiro colégio da UWC, há 40 anos, mais de 27 mil alunos de 173 países passaram pelas dez unidades das quais somente a da Índia nunca recebeu brasileiros. "Sempre há espaço para o país. O que não dá para viabilizar todas as vezes são as bolsas", diz Theotônio Monteiro de Barros, presidente da UWC do Brasil.

Como regra geral, todos os alunos recebem bolsas completas. A previsão de custos por estudante e por ano varia de US$ 9.500 a US$ 22 mil, dependendo da unidade. Cada colégio tem fundos vindos de origens diferentes, normalmente vinculados à oferta de bolsas aos estudantes. Três deles têm forte participação estatal: o da Noruega (os oito governos nórdicos participam), o da Itália (por meio do Ministério das Relações Exteriores) e o do Canadá (a Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional). Os outros colégios obtêm recursos de uma combinação de várias fontes de doações de ONGs, indivíduos, fundações, corporações privadas e ex-alunos.

Segundo Monteiro de Barros, o comitê brasileiro concede bolsas completas de acordo com determinações do escritório central da UWC. Se for oferecida uma bolsa parcial, o comitê nacional tenta obter fundos localmente ou, na pior hipótese, pede à família do aluno que complete os gastos. Em caso de resposta negativa, a bolsa não passa para o próximo colocado. "Se o aluno não puder ir, nenhum outro vai, para que o critério do mérito não seja violado", diz.

Os colégios da UWC utilizam o sistema de ensino IB (sigla, em inglês, de Bacharelado Internacional), criado em 1968 e aplicado em 1.341 escolas de 112 países. Nesse sistema, o currículo é, em parte, definido pelo aluno. São seis disciplinas: matemática, duas línguas, uma opção do grupo indivíduos e sociedade, outra do grupo ciências experimentais e uma última opção (artes, música ou optativa de grupos anteriores). No segundo ano, dá-se prioridade para três delas.

Como parte do programa da UWC, deve-se fazer um "voluntariado obrigatório", variável de acordo com as necessidades de cada país. Nos EUA, por exemplo, estudantes são chamados para auxiliar a polícia florestal se alguém se perde nas montanhas. E a experiência também é diferente para os professores. Cerca de 90% dos docentes moram nos colégios, com as famílias.

Com as notas obtidas no IB, é possível cursar universidade no exterior. Nina Best, 18, faz ciências políticas na Universidade McGill, em Montréal (Canadá), porque ficou "com preguiça de voltar para o sistema brasileiro". Fabio Wolanski, 24, fez economia e administração em Edimburgo (Escócia). Atualmente no Brasil, ele afirma que a experiência também teve contras. "Não tenho amigos de faculdade aqui e, por ter passado seis anos fora, me sinto ainda, de certa forma, deslocado."

Arte/Folha Online

Leia mais:
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Links relacionados:
- UWC - www.uwc.org
- UWC do Brasil - www.br.uwc.org
- Bacharelado Internacional - www.ibo.org

     

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