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26/11/2002 - 02h42

Leia declaração que justifica Prêmio Nobel de Economia de 2002

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo a declaração da Academia Real Sueca de Ciências que justifica a premiação de Daniel Kahneman e Vernon Smith para o Prêmio Nobel de Economia de 2002. Kahneman e Smith foram premiados por inovações nos campos de economia experimental e psicologia econômica, respectivamente. A versão original da declaração pode ser lida no site http://www.nobel.se/economics/laureates/2002/public.html.

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Academia Real Sueca de Ciências
Prêmio Banco da Suécia em Ciências Econômicas
em Memória de Alfred Nobel 2002 - Informações para o Público


Tradicionalmente, a teoria econômica tem confiado na existência de um "homo economicus", cujo comportamento é determinado por interesse próprio e que é capaz de tomar decisões racionalmente. A economia também tem sido lembrada como uma ciência não experimental, em que pesquisadores —como em astronomia ou meteorologia— têm tido de confiar exclusivamente em dados de campo, isto é, observações diretas do mundo real. Durante as últimas duas décadas, entretanto, essas visões passaram por uma transformação. Experimentos laboratoriais controlados emergiram como componentes vitais da teoria econômica e, em certas situações, resultados experimentais mostraram que postulados básicos na teoria econômica deveriam ser modificados. Esse processo tem sido gerado por pesquisadores em duas áreas: a de psicólogos cognitivos que têm estudado o julgamento humano e tomadas de decisões e a de economistas experimentais que têm testado modelos econômicos em laboratório. O prêmio deste ano é conferido para inovadores nesses dois campos: Daniel Kahneman e Vernon Smith.

Economia psicológica e experimental

Economia experimental


Os primeiros experimentos na economia foram direcionados a testar o que é talvez o mais sólido pensamento na teoria econômica: o de que em uma competição perfeita, o preço de mercado estabelece um equilíbrio entre oferta e procura, em que o valor conferido a um bem por um comprador limítrofe é tão alto quanto o de um vendedor limítrofe. Nos primeiros experimentos em laboratório de Vernon Smith, pessoas eram aleatoriamente apontadas como compradoras e vendedoras com diferentes valores estimados de um bem, definidos como preço de venda mais baixo aceitável e máximo preço de compra aceitável, respectivamente. Dada a distribuição de tais "preços de reserva", Smith foi capaz de determinar o preço teórico de equilíbrio, —o preço que é aceitável para tantos vendedores como compradores. Já em 1962, quando publicou os resultados de seus primeiros experimentos, Smith descobriu, para sua surpresa, que os preços obtidos no laboratório foram muito próximos dos seus valores teóricos, ainda que as pessoas não tivessem a informação necessária para calcular o preço de equilíbrio. Smith e outros pesquisadores, entre eles Charles Plott, mais tarde executaram experimentos parecidos para testar a concordância com a teoria e, de modo amplo, confirmaram os resultados iniciais. Mais, descobriram que o resultado era balizado exatamente pelo mesmo padrão do mercado.

Muitos experimentos têm tratado do resultado de leilões, que são tradicionalmente usados para organizar mercados por bens materiais, ações ou outros instrumentos financeiros. Mais recentemente, leilões também têm sido utilizados em processos de desmonte e privatização de monopólios públicos, como direitos de transmissão. A teoria da formação de preços distingue quatro formas básicas de leilão usadas na venda de um único objeto:
- o leilão inglês, em que compradores anunciam seus lances em ordem crescente até que nenhum outro lance é dado;
- o leilão holandês, em que um lance inicial alto é gradualmente baixado até que um comprador manifeste sua aceitação;
- o leilão de primeiro preço, com lances selados, em que aquele que deu o lance mais alto paga seu próprio lance;
- o leilão de segundo preço e lance selado, em que aquele que ofereceu o lance mais alto paga o valor do segundo lance.

Em experimentos controlados, Smith e seus colegas foram capazes de testar diversas precondições teóricas. Por exemplo, descobriram —como previsto por teoria— que um vendedor pode esperar o mesmo resultado nos leilões inglês e de segundo preço. Enquanto isso, foram capazes de refutar a condição teórica da equivalência entre o leilão holandês e o de primeiro preço. Os experimentos também demonstraram que os leilões inglês e de segundo preço produzem a maior preço de venda médio, seguidos pelo leilão de primeiro preço e, finalmente, pelo holandês.

Smith também iniciou o uso de experimentos laboratoriais como um "túnel de vento", em que mecanismos propostos para privatização e licitação pública podem ser testados com antecedência. Já que esses mecanismos são frequentemente complexos e é difícil estimar sua performance somente na base da considerações teóricas, o método experimental se torna particularmente útil. Em experimentos parecidos, Smith avaliou diferentes mecanismos para organizar horários em aeroportos usando mercados dirigidos por computador. Ele também avaliou modos diversos de organizar mercados de energia na Austrália e na Nova Zelândia, onde os resultados influenciaram o padrão real de mercado.

Os valores em jogo em mercados do mundo real são frequentemente de uma magnitude completamente diferente das recompensas que podem ser oferecidas em um modelo experimental. Em particular, enquanto enfatizam a importância de mecanismos monetários em experimentos, Smith desenvolveu métodos em que tais incentivos são não apenas suficientemente fortes mas também desenvolvidos para melhorar a probabilidade de que os resultados sejam aplicáveis em situações reais de mercado. Um grande problema é que as preferências pessoais (e não observadas) podem afetar o comportamento em um experimento. Consequentemente, uma pessoa a quem é designado o papel de comprador, com uma determinada função de demanda por um bem, não agirá simplesmente de acordo com essa curva de demanda. Smith introduziu uma técnica, conhecida como o método de valor induzido, que resolve esse problema e oferece à pessoa incentivos para se comportar como planejado por quem aplicava o experimento. Por meio dessa e de outras contribuições, bem como uma série de recomendações práticas para procedimentos apropriados no laboratório, Smith determinou padrões metodológicos para o que constitui um bom experimento na pesquisa econômica.

Psicologia e economia
A pesquisa econômica frequentemente assume que pessoas são motivadas primordialmente por incentivos materiais e fazem decisões de modo racional. Considera-se que elas avaliam o estado da economia e o efeito de seu comportamento processando de informações disponíveis de acordo com princípios estatísticos padrão. Esse enfoque tem sido formulado axiomaticamente na chamada teoria de utilidade esperada, que é a teoria econômica predominante para decisões sob incerteza.

A visão prevalecente na psicologia em geral, psicologia cognitiva em particular, é olhar o ser humano como um sistema que codifica e interpreta a informação disponível de uma maneira consciente, mas em que outros fatores, menos conscientes, também influenciam decisões, em um processo interativo. Tais elementos incluem percepção, modelos mentais para interpretar situações específicas, emoções, atitudes e memórias de decisões anteriores e suas consequências.

Em uma ampla pesquisa sobre o comportamento humano baseado em entrevistas e experimentos, Daniel Kahneman e outros psicólogos questionaram a assunção da racionalidade econômica em algumas situações de decisão. Quem deve tomar decisão no mundo real frequentemente parece não avaliar eventos incertos de acordo com as leis de probabilidade; nem parece tomar decisões de acordo com a teoria da maximização da utilidade esperada.

Em uma série de estudos, Kahneman —em colaboração com o finado Amos Tversky— mostrou que pessoas são incapazes de analisar de modo completo situações em que se deve tomar decisões completas quando as consequências futuras são incertas. Sob tais circunstâncias, elas confiam, em vez disso, em atalhos heurísticos ou princípios genéricos. Um viés fundamental é bem ilustrado em dados experimentais próprios de Kahneman e Tversky da maneira como indivíduos julgam eventos aleatórios. A maior parte dos assuntos experimentais determina as mesmas probabilidades em amostras grandes e pequenas, sem levar em consideração que a incerteza sobre a variação do meio declina drasticamente com o tamanho da amostra. As pessoas, portanto, parecem aderir à lei dos pequenos números, sem a devida consideração da lei dos grandes números na teoria da probabilidade. Em um experimento bem conhecido, as pessoas vêem como igualmente provável que, em um determinado dia, mais de 60% dos nascimentos seja o de meninos em um hospital pequeno (com menos nascimentos) e em um hospital grande (em que muitas crianças nascem).

De modo similar, um investidor que reconhece que um gerenciador financeiro lidera o ranking dois anos em sequência pode concluir que o líder é sistematicamente mais competente do que um investidor médio, enquanto a implicação estatística real é muito mais fraca. Tais visões curtas para interpretar dados podem bem ajudar a esclarecer diversos fenômenos em mercados financeiros difíceis de explicar com modelos predominantes —como as ostensivas e grandes flutuações às quais as Bolsas estão sujeitas. Em economia financeira, uma área de pesquisa ativa, a de finanças comportamentais, evoluiu no sentido de aplicar inspirações da psicologia em uma tentativa de compreender o funcionamento dos mercados financeiros.

Outro princípio genérico é a representatividade. Kahneman and Tversky executaram um experimento em que indivíduos deveriam fazer a distinção entre "vendedor" e "membro do parlamento" com base em determinadas descrições. Quando um personagem escolhido aleatoriamente era definido como interessado em política e em participar de debates, a maior parte dos participantes da pesquisa pensou que se tratava de um membro do parlamento, independentemente do fato de que a maior parcela de vendedores na população aumenta a probabilidade de que o indivíduo era um vendedor. Mesmo após os entrevistados serem informados da incidência de membros do parlamento e vendedores na população, isso não pareceu importar nos resultados.

Kahneman, portanto, demonstrou que, em situações com incertezas, o julgamento humano normalmente explora princípios genéricos que sistematicamente contradizem com propostas da teoria da probabilidade. Sua contribuição mais influente, entretanto, diz respeito à tomada de decisões sob incertezas. Uma descoberta de impacto é a de que indivíduos são muito mais sensíveis à maneira como um resultado se desvia de um nível de referência (normalmente o status quo) do que ao resultado absoluto. Quando confrontados com uma sequência de decisões sob risco, indivíduos, portanto, parecem basear cada decisão em seus ganhos e perdas isoladamente, mais do que nas consequências de uma decisão para suas riquezas como um todo. Mais além, a maior parte dos indivíduos parece ser mais avessa a uma perda de um determinado tamanho do que favoráveis a um ganho do mesmo tamanho. Esses e outros resultados contradizem previsões da tradicional teoria da maximização da utilidade esperada.

Não satisfeitos em criticar teorias comuns de tomadas de decisões sob incerteza, Kahneman e Tversky também desenvolveram uma alternativa, conhecida como teoria da previsibilidade ("prospect theory", em tradução livre), com o objetivo de oferecer explicações para observações empíricas. A teoria da previsibilidade e suas extensões podem ser utilizadas para explicar melhor padrões de comportamento que parecem ser anomalias na perspectiva da teoria tradicional: a propensão para optar por seguros custosos de pequena escala para bens móveis; disposição para dirigir muitos quilômetros por um desconto de alguns dólares em uma compra pequena, mas relutância para fazer o mesmo de modo a economizar a mesma quantia em um bem mais caro; ou resistência a reduzir o consumo em resposta a más notícias sobre a renda futura.

Duas áreas de pesquisa que se fundem
A pesquisa moderna limítrofe entre economia e psicologia mostrou que conceitos como racionalidade limitada, interesse próprio restrito e autocontrole limitado são fatores importantes por trás de uma gama de fenômenos econômicos. Em particular, inspirações da psicologia tiveram forte impacto em desenvolvimentos contemporâneos em economia financeira. Por que, então, se demorou tanto tempo para que essas idéias ganhassem reconhecimento na pesquisa econômica? Uma explicação é a de que métodos experimentais só recentemente passaram a permear a economia. Em decorrência da pesquisa experimental sobre a relação entre formação de preço e instituições de mercado, um número crescente de economistas começou a ver métodos experimentais como ferramentas de pesquisa indispensáveis. Hoje, uma nova geração de economistas é a catalisadora de uma amalgamação gradual de duas tradições de pesquisa antes distintas em economia experimental e psicologia econômica. Daniel Kahneman e Vernon Smith, as figuras-chave dentro dessas tradições, contribuíram para uma empolgante renovação na pesquisa econômica.

Os laureados

Daniel Kahneman

Departmento de Psichologia
Universidade Princeton
Princeton, NJ 08544
USA
www.princeton.edu/~psych/PsychSite/fac_kahneman.html
Cidadão dos EUA e de Israel. Nasceu em 1944 (68 anos) em Tel Aviv, Israel. PhD da Universidade da California em Berkeley em 1961. Já lecionou na Universidade Hebraica (Usrael), Universidade da Columbia (Canadá) e UC Berkeley. Desde 1993, professor de psicologia Eugene Higgins, e professor de assuntos públicos na Universidade Princeton, NJ, EUA.

Vernon L. Smith
Centro Interdisciplinar de Ciências Econômicas
Universidade George Mason
4400 University Drive
Fairfax, VA 22030-4444
EUA
www.gmu.edu/departments/economics/facultybios/smith.html
Cidadão dos EUA. Naceu em 1927 (75 anos) em Wichita, KS, EUA. PhD da Universidade Harvard em 1955. Lecionou na Universidade Purdue, na Universidade de Massachusetts e Universidade de Arizona. Desde 2001, professor de economia e direito na Universidade George Masin, VA, EUA.

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Tradução de Marcelo Vaz

Leia mais:
- O homem (econômico) é racional?
- O que é importante para conhecer o "homo economicus"

     

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