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17/12/2002 - 02h49

Leia verbetes do "Dicionário da Bíblia"

da Folha de S.Paulo

Leia abaixo os verbetes "Juízes", "Nabucodonosor" e "Vermelho, mar", do primeiro volume do "Dicionário da Bíblia", organizado por Bruce M. Metzger e Michael D. Coogan, recém-lançado pela Jorge Zahar Editor (400 págs., R$ 59).

Juízes.
Os juízes são os heróis tribais que comandaram Israel durante o final do segundo milênio a.C., entre a morte de *Josué e o estabelecimento da monarquia. Segundo o livro dos juízes, sob a liderança forte e efetiva de Josué, as *tribos de Israel gozaram de unidade e sucesso. Nenhum líder comparável a Josué o substituiu, com o resultado de que a unidade das tribos foi rompida; logo seguiu-se a apostasia, depois a derrota militar. Israel foi fiel a Javé durante a vida de Josué; após sua morte, degenerou. Por ter se voltado para outros deuses, Israel se pôs em perigo mortal. As histórias dos juízes mostram como vários heróis tribais foram capazes de repelir esse perigo — mas só por algum tempo. O livro dos Juízes é uma coletânea de histórias sobre esses heróis; a seqüência cronológica das histórias é certamente artificial, e o fato de o número total dos heróis ser doze também sugere adaptação editorial.

As histórias sobre os juízes-salvadores os retratam como heróis que comandaram tribos isoladas ou grupos de tribos em campanhas militares no intuito de libertar Israel de opressão periódica por seus inimigos. Seu poder era temporário. Comandavam certas tribos numa campanha militar específica e então, depois que a ameaça militar era eliminada, voltavam para casa. Nenhum dos juízes conseguiu ganhar a lealdade de todas as tribos. Detinham o poder por um breve tempo e a área sob seu controle efetivo era limitada. Na estrutura presente, contudo, essas histórias recebem uma significação maior. Não são simplesmente sagas tribais sobre heróis famosos do passado; tornaram-se testemunhos do poder de Javé, que liberta Israel quando ela se arrepende e clama por libertação.

O tema predominante dessas histórias é a libertação de Israel por Deus através dos juízes. Os juízes são líderes carismáticos sobre quem desceu o "espírito de Javé" (Jz. 6.34; 11.29; 14.6, 19; 15.14). Esse espírito lhes permite realizar o que parece estar acima de suas capacidades naturais. Na história de Gedeão, isso recebe ênfase especial através da narrativa sobre seu chamado (Jz. 6.11-23).

O primeiro dos juízes foi Otoniel, cujo retrato (Jz. 3.7-11) é bastante mal definido, embora siga o padrão do Deuteronômio que é a estrutura interpretativa do livro como um todo: Israel pecou cultuando os deuses de Canaã; Deus entregou Israel nas mãos de seus inimigos por um tempo; o povo se arrependeu e Deus elevou um guerreiro para libertá-los; Israel teve então repouso por quarenta anos. A história sobre Aod (Jz. 3.12-30) é uma grosseira saga benjaminita sobre um dos antigos heróis dessa tribo que sobrepujou em astúcia e depois matou Eglon, rei de *Moab. Não há nenhuma narrativa ligada a Samgar, apenas a afirmação de que ele "libertou Israel" (3.31).

A história da profeta *Débora e do comandante Barac é contada tanto em prosa quanto em poesia. O poema de Juízes 5, conhecido como a Canção de Débora, é a fonte literária mais autêntica do período dos juízes, tendo sido composto provavelmente pouco tempo depois da vitória que celebra. A história de Débora e Barac expõe os conflitos que tiveram lugar quando as tribos israelitas que se estabeleceram originalmente na região montanhosa, em grande parte desocupada, tentaram avançar para os vales mais férteis e por isso mais povoados. As forças tribais comandadas por Débora e Barac derrotaram um exército cananeu e conquistaram o vale de Esdrelon para Israel. A arqueologia mostrou que Taanaque foi violentamente destruída por volta de 1125 a.C., quando *Meguido foi ocupada.

A história de Gedeão (Jz. 6.1-8.35), também conhecido como Jerobaal, descreve o medo em que viviam os agricultores israelitas. Estavam sob constante perigo de ter sua colheita roubada por bandos de salteadores. Gedeão derrotou os *madianitas, cujas investidas ameaçavam a população israelita no centro de Canaã, mas recusou o trono que as tribos agradecidas lhe ofereceram. O filho de Gedeão, Abimelec, no entanto, era completamente diferente; tornou-se rei de *Siquém. Abimelec não foi realmente um juiz, mas serviu como comandante da milícia tribal. Sua história (9.1-57) descreve a insensatez da monarquia. Quando o povo de Siquém deixou de apoiá-lo, Abimelec não hesitou em voltar seu exército contra ele. As ruínas da antiga Siquém (Tell Balatah) atestam uma destruição violenta no século XII a.C. A história de Abimelec foi contada por aqueles que consideravam a monarquia uma violação dos direitos de Javé.

Em seguida à história de Abimelec, há uma curta nota sobre Tola e Jair (Jz. 10.1-4). Não se atribui a eles nenhuma proeza militar. A falta de qualquer informação sobre suas atividades contrasta acentuadamente com as histórias sobre as façanhas dos juízes-salvadores. Os dois mencionados aqui, juntamente com três outros citados em Jz. 12.8-15, tiveram algum tipo de autoridade judicial e administrativa durante o período anterior à monarquia e por isso eram conhecidos como juízes; por serem os detalhes sobre suas atividades tão escassos, eles são por vezes chamados "juízes menores". Mais tarde seu título foi dado a heróis militares cujas proezas são contadas na maior parte do livro; esses são os "juízes maiores".

A história de Jefté (Jz. 10.6-12.7) mostra que a classe social não constituía nenhuma barreira ao exercício da liderança na comunidade israelita nesse período; Jefté era filho de uma *prostituta. Comandou um exército mercenário no norte e foi chamado pelos *anciãos de Galaad para enfrentar os *amonitas. Jefté é lembrado pelo sacrifício de sua filha para cumprir uma promessa e por seu uso da senha shiboleth durante uma guerra civil com a tribo de Efraim.

Antes que as histórias sobre Sansão se iniciem, há uma outra nota sobre três juízes que não se envolveram em nenhuma façanha militar mas que, como Tola e Jair, foram líderes tribais famosos: Abesã, Elon e Abdon (Jz. 12.8-15).

*Sansão pouco corresponde à figura de um juiz. Suas histórias (Jz. 13.1-16.31) não descrevem a liderança que exerceu sobre as tribos israelitas no enfrentamento de seus inimigos; o que contam é antes uma série de batalhas pessoais em que ele se envolveu com os *filisteus. Nenhuma das aventuras de Sansão tem alguma coisa a ver com o destino de Israel como um todo; ele não comandou nenhuma campanha militar organizada. Sansão é uma figura trágica que foi consumida numa vitória de Pirro sobre seus inimigos. É incluído entre os juízes porque sua vitória final sobre os filisteus era lembrada como uma reafirmação da presença de Deus junto a Israel.

Leslie J. Hoppe, O.F.M.

Nabucodonosor.
O rei da *Babilônia (605-562 a.C.), freqüentemente citado em Jeremias, Ezequiel e Daniel, bem como por escritores clássicos. Seu nome em babilônio é Nabû-kudurri-usur, "o (deus) Nabu protegeu a sucessão". Ficou célebre como o mais ilustre soberano da dinastia neobabilônia (caldéia) fundada por seu pai, Nabopolossar em 627 a.C. e como o conquistador de *Jerusalém que levou os judeus para o exílio.

Nabucodonosor estava atuando como comandante-em-chefe para seu pai idoso quando, em 605 a.C. tomou Carquemis dos egípcios e empurrou-os de volta para suas fronteiras, libertando assim a Síria e a Palestina. Segundo a Crônica Babilônia e Josefo, ele interrompeu essa campanha para retornar e tomar o trono da Babilônia ao ter notícia da morte do pai. Fez freqüentes campanhas no oeste, recebendo tributos de muitos soberanos e de Tiro, que mais tarde sitiou por treze anos. Entre seus vassalos estavam Joaquim de Judá que, no entanto, desertou em 601, interpretando equivocadamente a violenta batalha entre os babilônios e os egípcios naquele ano como uma vitória destes últimos. Nabudonosor vingou-se capturando Jerusalém no dia 16 de março de 597, quando erigiu um novo rei (Matanias/Sedecias) simpático a ele. Joaquim, a quem ele chama Yaukin, rei de Judá, foi levado como prisioneiro para a Babilônia com os vasos do Templo e muitos judeus. Nabucodosor lutou também contra Elam e os árabes, e estava presente às operações que levaram ao saque de Jerusalém em 587/586 a.C. em retaliação à atividade de Sedecias como foco da oposição antibabilônia. Nessa época, mais judeus estavam sendo levados para o exílio, o que ocorreu também após um ataque posterior, inclusive um no Egito, atestado por um texto babilônio fragmentário datado de 568-567 a.C.

Pouco se sabe sobre últimos trinta anos do reinado de Nabucodonosor. A história de sua loucura pode ser uma descrição pejorativa de um período no reinado de seu sucessor Nabonide. O caráter de Nabucodonosor talvez se reflita em suas inscrições, que não enfatizam suas proezas militares, refletindo antes seu exercício da lei, da ordem e da justiça, bem como frisando qualidades morais e devoção religiosa. Ele afirma com razão ter reconstruído Babilônia, suas muralhas, palácios, templos e defesas como uma maravilha a que todos os povos prestavam tributo; os famosos "jardins suspensos" de Babilônia são também atribuídos a ele em algumas tradições. Morreu durante um período que lançou as sementes do declínio econômico que adveio do custo de seus empreendimentos; foi sucedido por seu filho Amel-Marduk (Evil-Merodach).

Donald J. Wiseman

Vermelho, mar.
Tradução tradicional (a começar pela Septuaginta) da expressão hebraica yam suf, mar Vermelho é o nome do corpo d'água atravessado pelos israelitas em seu Êxodo do Egito. Essa tradução, seguida pela tradição bíblica grega posterior, associaria o milagre da travessia seja com ramo oeste (o golfo de Suez) seja com o leste (o golfo de Ácaba/Eilat) do mar Vermelho. Mas em Êxodo 2.3-5 (e em outras passagens na Bíblia) suf significa "junco", e é assim que a Septuaginta e a Vulgata o traduzem ali; yam suf refere-se ao ramo leste de mar Vermelho em apenas dois outros textos. A maioria dos estudiosos contemporâneos e algumas traduções modernas (e.g. NJV) prefere portanto a expressão "mar de Juncos".

O registro da travessia milagrosa de Israel é complexo. Segundo o que foi considerado o extrato mais antigo de Êxodo, 14.21-22, talvez de J, "O Senhor fez soprar sobre o mar um vento oriental muito forte, fazendo recuar o mar e transformando-o em terra seca". Um outro extrato, possivelmente de S, diz: "Então Moisés estendeu a mão sobre o mar ... e as águas se dividiram. Os israelitas entraram pelo meio do mar em seco, enquanto as águas lhes formavam uma muralha à direita e outra à esquerda", após o que as águas envolveram os egípcios. Uma terceira versão, talvez de E, diz, "Na vigília da manhã, de cima da coluna de fogo e de nuvens, o Senhor lançou um olhar sobre as tropas egípcias e as pôs em pânico. Emperrou as rodas dos carros de modo que só a muito custo podiam avançar. Disseram então os egípcios: 'Vamos fugir de Israel, pois o Senhor combate a favor deles contra os egípcios.'" No primeiro caso temos um evento natural, em que o milagre reside no sincronismo das forças naturais; no segundo estamos às voltas com um milagre no sentido absoluto, de tal modo que qualquer explicação é irrelevante; no terceiro não temos nem água nem milagre propriamente dito; os egípcios percebem que algo está dando errado e se retiram. Uma variante da segunda versão é encontrada no cap. 15. Qualquer conexão com fenômenos vulcânicos ou sísmicos deveria portanto ser excluída.

A expressão "mar de Juncos" parece significar uma área pantanosa ou um grande corpo d'água abundante em juncos no leste do delta. Uma possível localização do evento, entre as muitas que foram propostas, é o lago Sirbonis, onde, dependendo das marés, é possível encontrar água doce e água salgada; outra é a região pantanosa nas vizinhanças dos lagos Amargos. Devemos lembrar, no entanto, que estamos lidando aqui, como no caso das vagueações no deserto, com o mítico, de modo que, com poucas exceções, as localidades mencionadas não podem e talvez não devam ser identificadas.

J. A. Soggin

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