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25/02/2003 - 03h56

Zero é dez

OSCAR PILAGALLO
Editor do Sinapse

A grande dificuldade do indivíduo em assimilar certos conceitos matemáticos encontra paralelo na história da humanidade. As poucas civilizações que contribuíram decisivamente para a ciência custaram a erigir sistemas que hoje, de tão simples e perfeitos, parecem naturais.

A invenção dos números talvez tenha sido uma das tarefas mais demoradas do homem. Algarismos rudimentares, uma idéia original dos sumérios, remontam a cerca de 3.000 anos antes de Cristo. Foi só no século 5º de nossa era, porém, que a matemática ganhou a forma atual.

A grande aventura intelectual nesse longo intervalo foi a busca do zero. "Se se quisesse esquematizar a história das numerações, dir-se-ia que é todo o caminho que separou o um do zero", sintetiza Georges Ifrah em "História Universal dos Algarismos" (Nova Fronteira, 1997). O um é, cronologicamente, o primeiro número; o zero, o último.

A necessidade, sempre ela, foi a mãe do zero. A idéia de um sinal gráfico que significasse número nulo e espaço vazio não fazia sentido antes que surgisse o princípio de posição, segundo o qual o valor do número depende do lugar em que se encontra. Como se sabe, a primeira casa é da unidade, a segunda é da dezena, a terceira é da centena e assim por diante. Para empurrar o número de uma posição para outra, precisava-se do zero.

Os sábios da Babilônia, conta Ifrah, tatearam um conceito de zero no início do segundo milênio antes de Cristo. Posteriormente, matemáticos chineses e astrônomos maias também fizeram suas tentativas. O antecessor do zero como o conhecemos hoje, no entanto, só surgiria no século 5º, na Índia.

Ao Ocidente, o zero só chegaria no início do século 13, juntamente com os algarismos arábicos, assim batizados porque foram os árabes os responsáveis pela transmissão desse sistema numérico, que, na essência, é indiano. Na época, a economia monetária voltava a ganhar importância (depois de o uso do dinheiro ter sido quase abandonado na Idade Média) e os algarismos arábicos, mais funcionais do que os imprestáveis romanos, facilitavam os cálculos, azeitando os negócios.

Sem a invenção do zero, a numeração racional não teria sido possível. Ifrah eleva o zero à condição de obra-prima. "Nenhum melhoramento da notação dos números fez-se necessário desde que essa numeração perfeita foi inventada", afirma. A contrapartida é que esse divisor de águas, que impulsionou o desenvolvimento das ciências e da tecnologia, exigiu um grau muito mais elevado de abstração.

É por isso que aprender matemática não é fácil. O consolo, como diz Steven Pinker, é que "em termos evolutivos, seria surpreendente se as crianças fossem mentalmente equipadas para a matemática da escola". Em "Como a Mente Funciona" (Companhia das Letras, 1998), o psicólogo conclui que a história da matemática é muito recente para ter marcado o genoma humano.

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