Folha Online sinapse  
25/02/2003 - 03h18

Formação é desafio do ensino virtual

LAURA KNAPP
free-lance para a Folha de S.Paulo

Os atrativos são muitos: liberdade de horário, facilidade de comunicação a partir de qualquer lugar, ritmo de aprendizagem para todos os gostos, ampla oferta de material de pesquisa pela internet. A educação a distância ganha cada vez mais adeptos, dos estudantes que moram em locais menos privilegiados do país, sem acesso a boas escolas, aos empresários que querem oferecer cursos de especialização ou aperfeiçoamento a seus funcionários.

Alexandre Schneider/Folha Imagem
Alunos em aula de aperfeiçoamento em direito promovida pela parceria Ielf-Prima

No final de janeiro, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, afirmou que pretende cumprir a meta de dobrar o número de vagas em universidades públicas lançando mão de novos cursos a distância. A Universidade de São Paulo montou uma comissão para regularizar essa variedade de ensino em seus departamentos. A Sucesu (Sociedade dos Usuários de Informática e Telecomunicações) inaugurou, em outubro passado, um programa de formação de gestores de educação a distância, destinado àqueles que querem montar cursos. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) também aposta na fórmula. Oferece um curso especial em administração para executivos, além de módulos customizados para empresas.

Uma recente parceria entre dois institutos, Ielf e Prima, com a Embratel oferece aulas de aperfeiçoamento em direito em todo o país por meio de um canal de televisão exclusivo. E quatro novos cursos de bacharelado, propostos pelo IUVB (Instituto Universidade Virtual Brasileira), aguardam aprovação do MEC (Ministério da Educação) ainda neste mês.

Usar o computador, a internet, chats, videoconferência ou TV executiva para aprender realmente parece fácil. Mas será que basta uma tecnologia moderna, alta velocidade de acesso e ampla distribuição de conteúdo para garantir uma boa educação? Essa é a questão debatida atualmente pelos especialistas e que deve ser levada em conta por quem pretende se matricular em algum curso a distância.

Em linhas gerais, a complexidade do tema pode ser ilustrada de maneira simples: se a educação dependesse somente do acesso à informação, qualquer cidade com uma biblioteca razoável não teria habitantes incultos. Bastaria dar-lhes o básico —ensiná-los a ler e a escrever—, uma carteirinha para frequentar as estantes de livros e pronto. Haveria uma população de bacharéis.

Se as novas tecnologias ajudam na obtenção do conhecimento, elas não suprem um dos pontos fundamentais do ensino de qualidade: a troca de idéias e opiniões, o convívio social. Afinal, é ali, cara a cara, que se aprende a discutir e a argumentar, a ouvir novos pontos de vista, a defender princípios e a conhecer experiências diversas.

Pedro Azevedo/Folha Imagem
Alberto Luiz Albertin, coordenador do Cenro de Informática Aplicada da Eaesp-FGV
Mesmo com a agilidade dos chats da internet ou da visualização proporcionada pela videoconferência, não há como substituir o clima da sala de aula. Ainda. Os especialistas têm se debruçado sobre o assunto, a fim de montar um novo modelo de ensino, que não seja uma simples transposição da tradicional lousa e giz para o novo monitor e mouse. "A educação está baseada em um tripé: conteúdo, metodologia didática e infra-estrutura", afirma Alberto Luiz Albertin, professor e coordenador do Centro de Informática Aplicada da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp-FGV).

Passar de um estágio a outro, do concreto para o virtual, exige adaptações mais do que cosméticas. O atual modelo de ensino foi criado para ser presencial. É por isso que não adianta simplesmente transpor esse modelo para o mundo cibernético: é preciso transformar completamente o modo de ensinar e de aprender.

Enquanto não descobrem como chegar a uma didática virtual, os institutos e escolas que oferecem cursos a distância incluem em seus programas uma parte presencial, seja para que o aluno possa fazer uma prova, seja para trocar idéias com professores e colegas. "Atualmente, os cursos sempre culminam com a presença do aluno", afirma Luiz Paulo Labriola, orientador pedagógico e educacional, especialista em filosofia da educação. "Trata-se também de uma questão de confiabilidade."

Há uma diferença fundamental, diz ele, entre a informação, que pode ser obtida on-line, e a formação. "Um indivíduo bem formado tem acesso a informação e sabe partilhar seu conhecimento de forma oral e escrita." Mesmo nos casos em que os cursos a distância colocam tutores à disposição dos alunos, Labriola acredita que ainda falte a dimensão da sociabilidade, da troca, da interação real, que um projeto tecnológico nos moldes atuais não cria.

Foi pensando nisso que, em sua proposta encaminhada ao governo para abrir os cursos de bacharelado, o IUVB propôs que os estudantes tivessem acesso a 40 campi universitários espalhados pelo país. Fundado há três anos, o instituto tem acordos com dez universidades e centros de ensino superior em sete Estados, como a Anhembi-Morumbi, em São Paulo. O objetivo, de acordo com o diretor-executivo René Birocchi, é "dar referência de inserção aos alunos". Todos precisarão estar vinculados a algumas instituições concretas, às quais devem comparecer para fazer provas ou que podem frequentar à vontade se quiserem participar de aulas de educação física, jogos ou mesmo consultar livros nas bibliotecas.

Apesar de projetados no modelo virtual, os cursos de bacharelado do IUVB seguem linhas tradicionais. O número de estudantes em cada classe será limitado a 30. Cada um deles deverá receber uma lista com nome, foto e endereço eletrônico de seus "colegas de classe". A cada dez dias, em média, será promovida uma aula em videoconferência. "Isso vai ajudá-los a se sentir inclusos", afirma o diretor.

Com tantos poréns, o ensino a distância mantém as vantagens de flexibilidade de horário e de independência da localização do aluno. Mesmo assim, há cursos que exigem a "presença" ou a participação deles em horas determinadas. São as chamadas aulas síncronas —diferentes das assíncronas, que podem ser feitas quando o aluno desejar.

Os cursos de direito promovidos pelo consórcio Prima-Ielf-Embratel exigem que o interessado vá até uma sala assistir às aulas por meio de videoconferência, ao vivo e em tempo real. Gerada em São Paulo, a aula é transmitida por um canal fechado de TV para todo o país. Daí a necessidade de o aluno comparecer a um local em horário predeterminado. A reunião dos alunos também serve a um outro propósito. "Uma aula individualizada pela internet não funciona", acredita Luiz Flávio Gomes, advogado e um dos idealizadores do curso. "Quando não têm horário fixo, as pessoas sempre encontram mil problemas para não ir à aula."

Entre os prós e os contras do ensino a distância, existe um certo consenso de que ele pode funcionar muito bem em cursos de extensão, atualização ou em empresas, afirma Paulo Cesar Masiero, que participou de uma comissão preliminar da USP, formada para regularizar as aulas virtuais dadas pela instituição. Apesar de escolas tradicionais da maior universidade da América Latina, como a Faculdade de Economia e Administração, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica, oferecerem aulas a distância, elas respondem por uma pequena parcela da carga horária total. Masiero acha difícil que se implantem cursos de graduação totalmente a distância.

"A universidade tem características tradicionais", diz Masiero. "Ela foi criada para ser presencial e ainda não se debruçou sobre o assunto." Como, até agora, não existem regras claras, a reitoria decidiu criar o grupo de trabalho para organizar o novo método de ensino.

O objetivo da comissão é dar um caráter institucional à prática, cuidando da parte administrativa, como matrículas e emissão de diplomas, sem interferir no conteúdo dos cursos, que continuariam a ser administrados pelos departamentos.

Algumas áreas do conhecimento podem ter mais abertura para migrar para o mundo virtual. É o caso das licenciaturas em português, em história ou em geografia, afirma o professor. Disciplinas como a medicina ou a química, que exigem prática de laboratório, não podem abrir mão da presença do aluno. Mas nada é estático. Um dos cursos que mais utilizam o ensino a distância, hoje em dia, é o de medicina, que usa as novas tecnologias para mostrar a alunos de outras localidades como realizar uma cirurgia, por exemplo.

"Há muitas vantagens, como dar oportunidade a pessoas que não podem vir à universidade. O ensino pode ser estendido para uma camada grande da população", afirma Masiero. Senhor de seu horário, o aluno também pode imprimir o ritmo que deseja ao estudo. A desvantagem, que pode ser um empecilho, é a falta de estímulo proporcionado pela ausência do professor. "O ambiente universitário agrega um valor que não pode ser desprezado", diz ele.

Para o titular da Secretaria Nacional de Ensino à Distância do MEC, João Carlos Teatini, essa forma de aprendizagem representa "um salto para o futuro". O ministério escolheu como método a fim de reduzir a parcela dos 92% da população estudantil entre 18 e 14 anos que não freqüenta um curso superior e pretende fazer isso estimulando consórcios entre instituições de ensino em um mesmo local. "Vai ser nossa ação prioritária", diz Teatini.

Inicialmente, o esforço tem como foco a habilitação de professores do ensino fundamental e médio, já que a lei de diretrizes exige, a partir de 2004, a formação superior para eles. O projeto está orçado em R$ 33 milhões. Segundo afirma o secretário, os recursos terão de ser realocados de outros setores. Quem vai perder na troca? O secretário ri e diz que a solução será entrar em acordo com outras áreas, como a que cuida da formação de professores, para tocar o projeto em parceria.

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