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27/05/2003 - 02h54

A fôrma de cidadão do mundo

MARIANA SGARIONI
free-lance para a Folha de S.Paulo

Aos 12 anos, Arthur Altmann não se anima muito a ir ao estádio ver uma goleada de seu time, mas é capaz de passar horas assistindo a uma prova de hipismo. Também não é louco por batatas fritas, como seus amigos. Prefere frutos do mar, alcachofras ou sushi. Lê livros de mil páginas. Adora os Beatles, detesta Sandy e Junior.

Fotos Marcelo Soares/Folha Imagem
Selma Pina com os filhos, Guilherme e Marina, que estudam na St. Paul's School

Não é só o gosto de Arthur que é diferente do da maioria dos garotos de sua idade. Sua escola também —e talvez não se possa dizer que as duas coisas sejam dissociáveis. Brasileiro, Arthur estuda numa escola para estrangeiros. Quando leva uma bronca do professor, é em alemão. O menino não estranha. Estuda, desde os 5 anos, na Escola Suíço-Brasileira, um colégio internacional que, além de formar poliglotas (há também inglês e francês para os alunos mais velhos), oferece um diploma reconhecido na maioria das universidades do mundo.

Criadas para acolher filhos de estrangeiros que moravam ou estavam de passagem no Brasil, as escolas internacionais —aquelas em que as aulas, o calendário e o currículo seguem o modelo do país de origem— são cada vez mais procuradas por pais brasileiros que preferem dar a seus filhos educação nos padrões do Primeiro Mundo.

Na Escola Suíço-Brasileira, por exemplo, 65% dos alunos vêm de famílias brasileiras que não falam alemão. "Precisei batalhar muito para aprender inglês e alemão", diz Joyce Altmann, mãe de Arthur, que hoje é fluente nos dois idiomas. "Quis dar aos meus filhos a oportunidade de aprender desde cedo, sem sofrer: primeiro o alemão, que é mais difícil, e depois o inglês, que vem no rastro."

A maioria dos pais que procuram uma escola internacional tem mesmo essa intenção. Preocupados com a exigência de idiomas no mercado de trabalho, entendem que, quanto mais cedo for exposta a uma língua estrangeira, mais facilidade a criança terá para aprender. Se o contato com o idioma se der logo, a criança se tornará bilíngue sem perceber.

Até os quatro anos, o aprendizado de uma segunda língua é mais rápido. "Se a língua é ensinada de forma lúdica, sem cobranças, pode dar certo", afirma Nívea Maria de Carvalho Fabricio, psicóloga e psicopedagoga especialista em dificuldades do aprendizado.

Além da preocupação com o ensino de uma língua estrangeira, os pais brasileiros vêem nas escolas internacionais uma porta de entrada para o mundo globalizado. A Escola Suíço-Brasileira tem alunos de 43 nacionalidades. A Escola Graduada de São Paulo, de origem americana, abriga 37 nacionalidades em suas salas de aula. O convívio com o multiculturalismo é visto como vantagem pelos pais. "Eles aprendem a conhecer e a respeitar a diversidade desde pequenos", diz Selma Pina, gerente de publicidade da MTV Brasil e mãe de dois estudantes da britânica St. Paul's School, uma das mais tradicionais de São Paulo. Seu filho mais velho, Guilherme, 7, conversa com seu melhor amigo apenas em inglês.

Há, também, desvantagens nas escolas estrangeiras. A cultura brasileira acaba ficando em segundo plano. Para cumprir uma exigência legal, essas escolas ensinam, em português, as matérias relativas ao país: história, geografia e língua portuguesa. As aulas, porém, muitas vezes são ministradas fora do horário normal. Assim, a Guerra de Secessão dos Estados Unidos pode ganhar mais ênfase do que a Independência do Brasil.

A língua-mãe é outro item que pode perder espaço na vida escolar de quem opta pelo diploma internacional. Distúrbios de grafia em português são comuns em alunos que passaram por alfabetizações simultâneas. "Não precisa ter pressa. O ideal é introduzir o idioma estrangeiro escrito de forma gradativa, depois da alfabetização em português.

Ao misturar tudo, podem surgir problemas como dislexia e dificuldades ortográficas", afirma a psicopedagoga Nívea Maria de Carvalho Fabricio.

O psiquiatra Francisco Assumpção, especialista em psiquiatria infantil e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP, vai mais longe. Para ele, a escola internacional pode levar a criança brasileira a uma perda de identidade cultural. "A escola insere o indivíduo no contexto social, mas, nesse caso, ele sai do contexto em que vive. Torna-se um estrangeiro dentro da escola, que fica no seu próprio país", afirma o psiquiatra. Selma Pina, que, como mãe de alunos, conhece a experiência da St. Paul's School, discorda: "Eles promovem festas nacionais muito mais características do que as escolas brasileiras. Festa junina é junina mesmo, não tem axé e pagode, como em muitas outras".

Essa discussão levou alguns pais a optar por um caminho que, para alguns, é o do meio: as escolas bilíngues. Essas escolas seguem o currículo e o calendário brasileiros, mas as aulas são dadas parte em português, parte em outro idioma. Dessa forma, pretendem suprir a necessidade do bilinguismo sem que os alunos percam o contato com a cultura nacional.

A procura pelas escolas bilíngues só faz crescer. Em São Paulo, há cerca de 25 estabelecimentos da categoria, com cerca de 2.800 alunos, segundo a Oebi (Organização das Escolas Bilíngües de São Paulo). Há quatro anos, estimava-se que, em todo o Brasil, 25 mil estudantes da pré-escola ao ensino médio frequentassem escolas de ensino bilíngue. "O aluno aprende outro idioma tão bem quanto o português e também sai da escola preparado para enfrentar os vestibulares brasileiros, caso ele não queira fazer uma faculdade na Europa ou nos Estados Unidos", diz Ana Julia Jacintho Jorge, presidente da Oebi.

Blanca Cavestany com os filhos, Cacilda, Pablo e Julio, que frequentam uma escola bilíngue
Se o espaço dedicado a matérias relacionadas ao Brasil é insuficiente para um brasileiro, parece ser de bom tamanho para os estrangeiros interessados em que seus filhos aprendam sobre a cultura e a história local. É o caso da espanhola Blanca Cavestany, mãe de Cacilda, 6, Julio, 4, e Pablo, 2, todos matriculados na bilíngue British International School of São Paulo. Segundo ela, seus filhos terão tempo para estudar em escolas européias, pois a família deve voltar a Madri em poucos anos. Enquanto isso, Blanca quer que eles absorvam a cultura brasileira ao máximo, sem deixar de aprender inglês. "Eles falam português melhor que eu e adoram as aulas de capoeira."

Com o dia inteiro na escola, milhares de informações e sistemas simbólicos diferentes, tarefas programadas e esportes minuciosamente agendados, será que sobra tempo para brincar, para ser criança? Pais garantem que sim. E especialistas chamam a atenção para uma possível sobrecarga. "Além de se orgulhar de dar aos filhos um currículo internacional, os pais devem procurar saber se a escola proporciona tempo livre às crianças", lembra o psiquiatra Francisco Assumpção. Talvez esse seja o tempo mais precioso para eles.

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