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27/05/2003 - 03h16

Professores e inspiradores

BARBARA GANCIA
colunista da Folha de S.Paulo

Vira e mexe recebo mensagens de leitores ávidos por conselhos: "Qual a melhor faculdade de jornalismo?", "Ajude-me a escolher entre jornalismo e publicidade" e assim por diante. Raramente respondo a esse tipo de e-mail, mas não é por descaso.

A verdade é que sou a pior pessoa para distribuir conselhos acadêmicos, uma vez que possuo experiência limitada no ramo. A única ocasião em que pisei no campus de uma universidade tapuia foi para buscar uma amiga que estava sem carro. E, além de não ter cursado uma faculdade, sei muito pouco sobre o funcionamento do ensino no país.

O aprendizado básico eu fiz em uma escola britânica em São Paulo, onde as únicas aulas em português eram as obrigatórias da época do regime militar, OSPB, história do Brasil e língua portuguesa.

A maioria dos alunos, fossem ingleses ou brasileiros, tinha horror às matérias ministradas em português. Se, nas aulas de "history" aprendíamos tudo sobre as intrigas da corte inglesa, nas aulas de história do Brasil éramos expostos à farsa da versão oficial fornecida pelo regime militar, que transformava todo gesto de d. Pedro em uma pintura de Pedro Américo.

"Fomos Maus Alunos" (Gilberto Dimenstein e Rubem Alves, Editora Papirus, 128 págs., R$ 19,90)
É fácil entender o desinteresse pela escola de que falam o jornalista Gilberto Dimenstein e o educador Rubem Alves no livro "Fomos Maus Alunos". Nunca teria aprendido a me expressar por escrito se tivesse dependido das aulas para tomar gosto pela palavra. Enquanto o português era apresentado como um conjunto de regras gramaticais, o inglês era ensinado de forma a seduzir. Já no terceiro ano primário (hoje, do ensino fundamental), a professora reunia os alunos depois do almoço para ler clássicos como "A Ilha do Tesouro", do autor preferido de Borges, Robert Louis Stevenson.

Tive mais sorte que Dimenstein e Alves. Além da qualidade do ensino básico a que fui exposta, fui abençoada por ter passado pela St. Paul's na mesma época em que a escola possuía um quadro de professores nada convencionais e superdedicados, desses que a gente só vê em filmes como "Sociedade dos Poetas Mortos".

Para ter uma idéia, nossa aula de geometria se chamava "art" e era ministrada por uma alemã genial, Mrs. Pfeiffer, que havia sido discípula de Kandinski.

Mas, se existe um responsável por ter despertado em mim a vocação pela "sopa de letrinhas", ele se chama William T. Mitchell e foi durante anos meu professor de gramática e literatura inglesa.

Mr. Mitchell era um professor como eu hoje não encontro muitos editores. Sempre demonstrava entusiasmo pelas minhas dissertações e era capaz de fechar o olho se me pegasse lendo gibis quando eu deveria estar estudando os sonetos de Shakespeare.

Foi ele quem me apresentou ao hobby da fotografia, me iniciou no maravilhoso mundo de Noël Coward e dirigiu a mim e a um colega quando cantamos no show de talentos a mesma "Couple of Swells" que Judy Garland e Fred Astaire fazem no filme "Desfile de Páscoa" (1948).

Ele me mandava cartões-postais quando ia para casa, na Grã-Bretanha, de férias, e eu sempre escrevia um cartão no aniversário dele.

No ano passado, depois de anos sem ouvir falar em Mr. Mitchell, recebi um cartão seu de Aberdeenshire, nos cafundós da Escócia, onde foi morar depois da aposentadoria. Dizia, entre outras coisas, que lê meus textos sempre que pode e que está muito orgulhoso de mim.

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