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24/06/2003 - 03h27

Violência, jogo e vida real

REINALDO JOSÉ LOPES
free-lance para a Folha de S.Paulo

Apesar das experiências encorajadoras, seria exagero dizer que o RPG já conquistou seu espaço como estratégia pedagógica, mesmo no meio acadêmico, teoricamente mais preparado para receber novidades do que os professores dos ensinos fundamental e médio. Crimes isolados ocorridos em 2000 e em 2001 também não contribuíram para a reputação do jogo no Brasil.

O RPG acabou parando nas páginas policiais ao ser associado aos assassinatos de duas adolescentes em Teresópolis, no Rio de Janeiro, em 2000, e ao de outra garota, em Ouro Preto, no interior de Minas Gerais, em março do ano seguinte. Os suspeitos dos crimes eram jogadores do RPG "Vampiro - A Máscara" e teriam usado o jogo para realizar rituais satânicos que terminaram com a morte das vítimas.

A suposta associação entre o jogo e os crimes já foi suficiente para que, em Minas, o procurador da República Fernando de Almeida Martins entrasse com uma ação pedindo a classificação etária dos RPGs e a proibição da venda de alguns títulos específicos, como o próprio "Vampiro". A proposta não foi adiante, mas o estigma, em alguma medida, permaneceu. "Tive de explicar à direção e a alguns pais que aquilo não era coisa do Diabo", conta Gilsmy Boscolo.

"Alguns professores com quem conversei já confundiram o jogo com o RPG [reestruturação postural global] da ortopedia", conta Claudemir Belintane, 45, da Faculdade de Educação da USP. O pesquisador diz não acreditar que o jogo, por si só, seja culpado por desvios de personalidade. "A partir do momento em que você verbaliza as situações no RPG, evita a violência real", pondera. "Tudo depende da sagacidade e do preparo do professor." Segundo ele, há alguma razão para o preconceito acadêmico contra a técnica, já que a maioria das propostas de pesquisa na área ainda são bastante superficiais.

Um trabalho realizado na Escola Estadual Fernão Dias Paes, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, mostrou que a violência urbana acabou exorcizada no próprio jogo. É o que conta Thomas Massao Fairchild, 23, aluno de mestrado na Faculdade da Educação da USP. "Usei o RPG na disciplina de português, como forma de trabalhar o conceito da criação de personagens e da narrativa em primeira e terceira pessoa", diz o pesquisador. "Notei que eles criaram personagens de um universo bem urbano, como traficantes, jogadores de futebol e policiais", afirma Fairchild. Na aventura, dois alunos que representavam traficantes brigaram, mas o conflito ficou totalmente no plano verbal e restrito ao jogo, conta o mestrando.

Participante assíduo de simpósios sobre o tema, Fairchild diz que o bom conhecimento da dinâmica do jogo é essencial para que a coisa funcione: "Uma professora já veio me contar que a tentativa dela de usar o RPG foi um fracasso completo [por causa disso]", afirma.

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