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29/07/2003 - 02h58

Caminho das Pedras: A construção da beleza leve

GUILHERME WISNIK
especial para a Folha de S.Paulo

Desde junho, Oscar Niemeyer, 95, vem sendo pivô de uma polêmica sobre a construção ou não de um anfiteatro no parque Ibirapuera, em São Paulo. Niemeyer, que é, sem dúvida, o mais importante arquiteto brasileiro, defende a construção da sala de espetáculos prevista no projeto original do parque (1951), enquanto o Ministério Público tenta impedir o início das obras, afirmando que ela desrespeita o tombamento do parque, de 1992.

Ana Carolina Fernandes - 4.set.2002/Folha Imagem
Niemeyer ao lado de um de seus desenhos na parede de seu escritório, no Rio de Janeiro

Mas dizer apenas que é o maior arquiteto brasileiro ainda é pouco. Sua obra, iniciada há quase 70 anos, atravessa o século 20. E o seu poder de pregnância e imantação é tal que ela se tornou rapidamente a imagem-símbolo da nossa arquitetura moderna —algo só comparável à posição de Aleijadinho (1730-1814) no século 18.

Aliás, a sua liberdade formal e o seu amor pela curva, em oposição ao ângulo reto, foram muitas vezes atribuídos à ascendência do escultor e arquiteto mineiro. No entanto, não se trata de uma simples influência. Na obra de Niemeyer, esses traços, que podem ser chamados de "locais" —a inspiração nas formas das montanhas do Rio, nos perfis sinuosos da "mulher brasileira" ou na herança barroca— têm um sentido mais abrangente: refletem um questionamento do racionalismo mais estrito, emblema da arquitetura moderna até o fim dos anos 50.

A invenção formal é a marca da sua arquitetura, que, apesar de ter nascido sob a inspiração da obra e dos preceitos do arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), caminhou no sentido contrário ao do seu "brutalismo" do pós-guerra.

Como dizem os versos do poeta Ferreira Gullar, Oscar "Nos ensina a viver no que ele transfigura:/ no açúcar da pedra/ no sono do ovo/ na argila da aurora/ na alvura do novo/ na pluma da neve.// Oscar nos ensina/ que a beleza é leve" ("Lição de Arquitetura", 1976).

Pois é justamente a busca dessa emoção inusitada que podemos chamar de uma beleza leve, a responsável pelo resultado mais espantoso de sua arquitetura: a sublimação das tensões estruturais e da própria materialidade inerente à construção.

Como observa a pesquisadora e crítica de arquitetura Sophia Telles ("O desenho: forma e imagem", revista "AU", número 55, 1994), a estranheza das formas de Niemeyer não indica um alheamento ao vocabulário da arquitetura moderna. Tal estranheza resulta, antes, da extrema naturalidade dessas formas, que parecem dispensar justificação, pois já nascem aderidas ao material em destino: o concreto armado. Por isso, sua obra explora com rara sofisticação a plasticidade do concreto —razão pela qual tem a capacidade de definir-se ao mesmo tempo como a expressão mais acabada do Brasil moderno e como arte-vanguarda de cunho não nacional, mas universal.

Guilherme Wisnik, 30, é arquiteto, crítico de arquitetura e autor de "Lucio Costa" (Cosac & Naify, 2001).

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