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26/08/2003 - 02h51

Unesco reúne grupo para salvar línguas

FERNANDO EICHENBERG
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Paris

O mundo está testemunhando a extinção não só de espécies animais: especialistas estimam que, até o final do século 21, cerca de 90% das línguas desaparecerão. Para que, no futuro, a linguística não se resuma ao estudo das línguas mortas, a Unesco reuniu um grupo de experts para elaborar um plano de salvamento.

"A situação é alarmante e muito mais grave que o caso dos animais. Mas os biólogos sabem ser muito mais eficazes. Não conseguimos fazer as pessoas chorarem pela morte das línguas indígenas, por exemplo", desabafa à Folha a francesa Colette Grinevald, pesquisadora do Laboratório Dinâmica da Linguagem, da Universidade de Lyon 2, e integrante do grupo formado pela Unesco.

Entre 20 e 30 línguas estariam desaparecendo anualmente, calculam os especialistas, inquietos com o empobrecimento do patrimônio linguístico mundial, consequência da exploração de povos e culturas e da globalização da comunicação e das tendências à utilização de uma língua única. "A diversidade cultural e linguística contribui para a qualidade e a riqueza da vida", defende a Unesco.

Entre as 5.000 e 7.000 línguas faladas hoje, aquelas em situação de maior perigo de extinção, segundo a pesquisadora, estão nas Américas e na Austrália. Há maior diversidade de línguas no continente africano, mas elas pertencem, em grande parte, à mesma família, o que torna menos grave o problema: "Do ponto de vista científico, a perda de línguas amazônicas é muito mais importante, pois muitas são únicas, isoladas", explica.

Grinevald é categórica em relação às medidas a serem tomadas para salvar línguas ameaçadas de extinção: "É preciso preservar o território das comunidades e proteger suas terras, para que elas possam continuar a viver no seu ambiente. Criar escolas e implantar cursos bilíngues é folclore de Walt Disney". Para a pesquisadora, deve-se lutar contra a aculturação e evitar que as comunidades indígenas se tornem monolíngues, abandonando sua cultura em prol de uma colonial.

Para Kleber Gesteira Matos, coordenador-geral de apoio à escola indígena do Ministério da Educação, essa é uma visão extremista. "O fato de uma população indígena deixar de falar sua língua nativa tem muitas causas. Mas, para mantê-la, é preciso uma decisão do grupo", afirma. No Brasil, ele cita exemplos de comunidades que têm conseguido preservar e até mesmo recuperar línguas por meio de pesquisa com antigos falantes e educação, como os caingangues e os tuiúcas.

"Onde as escolas encontram um ambiente favorável, elas são, sim, eficientes no revigoramento linguístico", diz Matos. "Mas quem poderá dizer sobre o futuro são os próprios índios."

O grupo de trabalho da Unesco, que entregou suas conclusões e recomendações em março, contou também com a participação de ONGs e teve como representante brasileira a professora Bruna Franchetto, do setor de linguística do Departamento de Antropologia Social do Museu Nacional, da UFRJ.

Segundo Franchetto, o Brasil é o país sul-americano com maior densidade linguística e com uma das mais baixas concentrações de população por idioma: cerca de 180 línguas, das quais a grande maioria se concentra na região amazônica, para uma população estimada em 350 mil pessoas de 206 etnias. "No que diz respeito às línguas indígenas no Brasil, houve, em 500 anos, uma perda de cerca de 85% delas", explica a professora.

Para ela, as perdas mais graves e mais complexas seriam as consequências para as próprias populações: "Não há dúvida quanto às consequências da agonia e do desaparecimento de uma língua com relação à perda da saúde intelectual do seu povo, das tradições orais, de formas artísticas, de conhecimentos e de perspectivas ontológicas e cosmológicas. Diversidades linguística e cultural podem ser equacionadas e, nesse sentido, a perda linguística é uma catástrofe local e para a humanidade".

Para os próximos dois anos, a Unesco reservou US$ 400 mil para organizar encontros entre especialistas e representantes dos ministérios da Cultura dos países das regiões mais ameaçadas. A idéia é criar projetos para a preservação dos idiomas, a partir deste semestre —primeiramente em países da África subsaariana, da América Latina e do Pacífico—, e elaborar um atlas das línguas em perigo no mundo.

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