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30/09/2003 - 02h48

Treinamento antigafe

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
free-lance para a Folha de S.Paulo

O novo foco em formação profissional vai além do tradicional curso de atualização. Cada vez mais preocupadas com a imagem, empresas de diversos ramos —e até o governo— têm investido no "media training", que ensina os profissionais a lidarem com a imprensa e a se sairem bem em entrevistas.

Publius Vergilius/Folha Imagem

O jornalista Nélson Lemos, que trabalha com "media training" e já treinou alguns ministros
A nova aposta pretende evitar situações de saia justa como a provocada pelo ministro José Graziano (Segurança Alimentar), que, em fevereiro, vinculou a violência urbana em São Paulo à migração de nordestinos. "Temos de criar emprego lá, temos de gerar oportunidade de educação lá, temos de gerar cidadania lá, porque se eles continuarem vindo pra cá, nós vamos ter de continuar andando de carro blindado", afirmou na época.

As Câmaras Municipais de Recife e de Fortaleza aprovaram moções de repúdio contra o ministro, considerando-o persona non grata. O Senado chegou a pôr na pauta de votação uma reprimenda a Graziano, que acabou sendo retirada.

O Planalto, então, criou uma divisão de "media training" só para habilitar ministros e funcionários do alto escalão a darem entrevistas. "O 'media training' é importante e ajuda a criar um melhor diálogo com a imprensa", diz Graziano, um dos primeiros a serem treinados no governo.

Não foi só o governo que esteve nas páginas dos jornais pela saia justa causada por erro na comunicação. O time do Palmeiras passou por um mal-estar em junho, quando os jogadores ficaram dias sem falar com a imprensa, depois de alguns atletas terem negado as declarações de insatisfação com o técnico Jair Picerni que tinham sido publicadas.

Segundo as assessorias de imprensa, o principal objetivo do "media training" é preparar as pessoas para o relacionamento com a mídia.

"Da mesma forma que as pessoas se preparam para reuniões e apresentações de negócios, também devem se preparar para dar uma entrevista. O executivo tem de saber como lidar com a frustração de, depois de dar uma entrevista de uma hora, não ler o resultado desejado no dia seguinte", diz a jornalista Ana Julião, cuja assessoria já treinou profissionais de organizações como Bradesco Seguros, AmBev, Telefônica Celular e Petrobras.

Uma pesquisa da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) revela que as cem maiores empresas brasileiras já fizeram "media training" com seus diretores. "Hoje, uma empresa e seus representantes não podem ser analfabetos em comunicação. Existe uma necessidade cada vez maior de as pessoas se habilitarem nessa área", diz Paulo Nassar, diretor-executivo da Aberje.

"Já trabalhei com diretores de empresas que criavam dificuldades para se relacionarem com a imprensa e hoje compreendem a importância de ter um bom relacionamento", diz o jornalista Nélson Lemos, que treinou os ministros José Graziano, Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) e Jaques Wagner (Trabalho e Emprego).

As empresas chegam a pagar R$ 20 mil por um dia de curso para até cinco pessoas, investimento que inclui treinamento com repórteres em atividade em telejornais, com direito a estúdio e cinegrafista.

O "media training", no entanto, não ensina apenas a falar com poder de síntese ou a olhar diretamente para a câmera. O conteúdo dos cursos ensina truques para conduzir uma entrevista e indica como agir diante dos repórteres e como usar estatísticas e gráficos como dados, entre outros temas. Os treinamentos sempre têm exercícios práticos, em que se fazem simulações de entrevistas.

"Hoje, podemos dizer que nossos porta-vozes estão preparados para qualquer entrevista, além de serem mais didáticos, já que nosso negócio —mercado de satélites— é muito específico", afirma Cláudio Baptista, gerente de marketing da Star One, empresa de telecomunicação do grupo Embratel.

O "media training" não se restringe a corporações. A Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) distribui para seus profissionais uma cartilha com dicas para que professores e médicos possam ter um bom relacionamento com a imprensa. Ironicamente intitulado de "Corra que a Imprensa Vem Aí", o manual aponta gafes cometidas e dá dicas sobre a melhor forma de atender um repórter.

Hospitais também aderiram ao treinamento. "O 'media training' foi importante para compreender que as informações devem ser passadas da forma mais leiga possível, concisa e pontual, pois o público em geral nem sempre entende os termos técnicos que nós usamos", diz o médico José Antônio de Lima, diretor do Hospital Samaritano.

Para o jornalista e crítico de comunicação Alberto Dines, o "media training" quer se aproveitar das falhas da mídia. "O que eles querem é ensinar as empresas e o governo a tirarem proveito das deficiências e das mazelas da imprensa", diz.

Mayra Rodrigues Gomes, professora de ética e filosofia da linguagem do Departamento de Jornalismo da USP, concorda em parte. Mas também defende o treinamento. "Há jogada de mercado, eu concordo. Mas tem utilidade para o executivo se forem mostradas estratégias que são constantes, jogos de linguagem com que seja possível interferir na significação e, portanto, direcionar a leitura para um lado ou outro", afirma.

     

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