Folha Online sinapse  
30/09/2003 - 02h02

Íntegra: "Por que os jovens se arriscam?" (perguntas)

da Folha de S.Paulo

Confira abaixo a segunda parte da transcrição da palestra "Por que os jovens se arriscam?", com o psiquiatra Jairo Bouer, no segundo dia da "Semana Sinapse", mediado pelo editor do Folhateen, Cássio Starling Carlos.

Folha - Eu gostaria de começar por duas perguntas que dizem respeito a essa questão justamente da influência da informação ou a exposição à informação e ambas se referem a uma notícia divulgada nos últimos dias, que é a da venda de maconha nas farmácias holandesas. A venda dirigida a pessoas com problemas, alguns males que, supostamente, o uso da maconha facilitaria, enfim, permitiria melhora do ponto de vista físico e as questões, justamente, dizem respeito, justamente, a essa exposição, quer dizer, ao mesmo tempo em que se divulga a autorização da venda pública na Holanda de quantidades ali limitadas de maconha há o surgimento, há o lançamento nas farmácias de kits que detectam o uso das drogas presentes em canetas e objetos. A pergunta, mais objetivamente, seria, como fica a cabeça do jovem diante desses dois lados, quer dizer: uma que de alguma maneira estimula e outra que de alguma maneira pune.

Jairo Bouer -
É, eu acho que a questão da maconha, quando a gente pensar em relação às drogas é uma das questões mais complicadas. complicadas por muitos motivos, não é? Complicada porque a maconha está hoje bastante presente na sociedade da gente. Alguns dados do Grea, se não me engano, do ano passado ou ano retrasado, mostrava que, por exemplo, o uso de maconha em algumas universidades, acho que esse trabalho, se não me engano, foi feito na USP, não me lembro se foi feito em outras universidades também, o uso de maconha é praticamente igual ou até superior ao uso de cigarro.

Outro dia eu fui até a USP e dei carona para uma amiga minha, que está estudando na USP e que precisava, que queria comprar um cigarro e não conseguia achar o cigarro dentro da USP. Na USP é proibida a venda de cigarro. Então, assim, ela tem que sair do campus para comprar cigarro fora do campus. A venda de cigarro é proibida na USP, a venda de maconha, apesar de ser proibida no Brasil inteiro é facilmente encontrada dentro das universidade, não é?

Quer dizer, em várias universidades, não é só a USP. Então, de fato é assim, a gente vive uma situação peculiar que é assim: o cigarro que é uma droga legalizada e é uma droga mesmo, para ser consumida você precisa, às vezes, nesse caso, por exemplo, sair andar dois, três quilômetros para poder achar o cigarro fora da universidade. Já a maconha, tudo bem, é uma droga ilegal, mas é facilmente encontrada dentro da universidade. O uso da maconha é quase igual ou até superior ao uso de cigarro na universidade. Experimentar a maconha no ensino fundamental e médio é uma experiência dentre as drogas é uma das mais comuns.

Então, a maconha está muito próxima ao universo do jovem, ao universo do adolescente. Muitos adolescentes são filhos de pais que fumaram maconha nos anos 60, 70 e até continuam fumando, muitas vezes não na presença do adolescente, mas eles sabem que os pais fumam. O amigo fuma, o irmão mais velho fuma, o cantor que é bacana fuma e diz que fuma e que tudo bem. Ele conhece pessoas mais velhas que fumam de vez em quando ou que fumam à noite quando chegam em casa e conseguem administrar sua vida relativamente bem. Quer dizer, e é "cool", não é?

A maconha tem, no momento, a fama de ser uma droga descolada, é "cool", é relaxante, eu vivo as coisas mais intensamente. é menos agressiva do que outras drogas. É natural, você ouve esse comentário é uma droga natural e tal, não é produzida em laboratório e tal. Então, assim, de um lado, assim, a maconha está muito próximo ao universo deles e com uma conotação descolada. É uma conotação de uma droga inofensiva, inocente e descolada. Agora, a gente sabe assim, que do ponto de vista prático a maior parte das pessoas experimenta, usa maconha e não tem grandes problemas, mas a gente sabe que, uma parcela não desprezível das pessoas que fumam, experimentam maconha, têm problemas e, muitas vezes, essas informações não chegam do mesmo jeito que chegam as informações do está tudo bem, obrigado.

Então, assim, tem gente que fuma maconha duas vezes e tem surto psicótico. Tem gente que começa fumar maconha direto e tem uma queda intensa de produtividade, de concentração, de rendimento na escola, rendimento no trabalho, mesmo de relacionamento, não consegue nem, não é? Às vezes emplacar um relacionamento por conta do, enfim, do jeito que está, do jeito que fica, passa quase a ficar "dependente" da maconha, precisa da maconha para fazer as várias coisas do dia-a-dia, as diversas funções do dia-a-dia. Fuma maconha para relaxar, fuma maconha para poder fazer a prova, fuma maconha para poder estudar e aí não consegue estudar, não consegue relaxar ou às vezes consegue relaxar, mas não consegue se concentrar.

Então, eu acho que a questão da maconha é uma questão complicada e as pessoas que lidam com a maconha também não sabem exatamente o que fazer, a mídia não sabe o que fazer, porque de um lado, tudo bem, não é tão grave assim, mas de outro lado também tem uma questão de a maconha fazer mal para algumas pessoas ou da associação da maconha ou do comércio da maconha com índices de criminalidade ou de problemas no bairro, na vizinhança etc., etc., etc., então, assim, a própria postura eu acho que da mídia ou das pessoas que lidam com a questão da maconha é dúbia. De um lado você fala: tudo bem, mas de outro lado pode ter problemas, não é?

Quer dizer, de um lado você libera o consumo para fins medicinais na Holanda, você tem zonas de tolerância na Holanda, são cafés que você pode fumar determinadas quantidades. Agora, na Suíça passou uma lei até mais moderna que na Holanda, não sei se vocês estão sabendo, na Suíça você vai ter áreas de tolerância dentro dos parques públicos o que, legalmente, dentro da Holanda ainda não existe, na Suíça vai existir, você sendo habitante da Suíça ou tendo residência na Suíça você vai, você vai ter um fornecedor seu, que vai ser um fornecedor oficial que ou é uma farmácia ou é um estabelecimento comercial, você se cadastra, se registra ali e você pode comprar determinada quantidade de maconha por mês e você pode usar essa maconha, por exemplo, nos parques públicos.

E, é uma lei que está passando no Congresso agora na Suíça. Então, na verdade, assim, a gente vê uma série de movimentos de discriminalização até de legalização parcial de usar maconha. Então, eu acho que é complicado mesmo, agora como acho que são complicados outros assuntos quando a gente fala com jovens e que você tem às vezes mais de um ponto de vista, mais de uma postura diferente, de alguma maneira, eles vão ter que integrar, vão ter que aprender a integrar essa informação. Integrar o amigo que fuma ou os 30% de amigos que fumam com a informação de que pode fazer mal e algumas pessoas efetivamente passam mal e ficam mal.

Eu lembro que eu atendia um paciente no consultório, que tinha um irmão gêmeo, os dois começaram a fumar maconha na mesma época, um deles fumava esporadicamente e nunca teve problema com isso, enfim, fumava no final de semana e o outro irmão começou a fumar cada vez com mais frequência, começou a fumar cada vez com mais frequência, começou a ter prejuízos importantes no dia-a-dia, na escola, rendimento, relacionamento familiar, acabou entrando num quadro quase psicótico, enfim. Eram dois irmão, gêmeos, e tiveram um padrão de resposta diferente. Por que um fez assim e outro fez assado é uma coisa que as pessoas não sabem, os jovens não sabem, não têm muita noção disso. Eu acho que esse tipo de informação também, precisa ser discutida. então, eu acho que assim, de novo, o segredo talvez seja integrar essas informações todas, essas diferentes oposições, enfim, de alguma maneira construir o seu conhecimento, a sua sabedoria, o seu patamar de informação linkado, ligado com a sua questão emociona e a sua experiência em relação a isso. Acho que não tem uma resposta pronta.

Respondi?

Público - ...(Inaudível).

Jairo - Faltou o?

Público - ...(Inaudível)...

Jairo - A questão dos kits? É, de novo assim, o kit, teoricamente, é um instrumento de controle. Até que ponto vai funcionar? Eu acredito muito mais na discussão do por que você está fazendo isso? Por que seria importante você evitar ou não usar ou saber como usar, do que você policiar, vigiar e começar a..., porque, assim, tudo bem, detecta na caneta ele vai usar outra caneta, não é? Detecta no fio do cabelo, vai dar um jeito, enfim, eles vão conseguir burlar essas coisas. Acho que toda essa questão, toda vez que você tem essa coisa muito policialesca, muito de controle, muito de, enfim, de vigiar, de mapear e controlar, eu acho que assim, eu acho pouco produtivo no sentido que são coisas que podem ser burladas, não é? Facilmente burladas. Então, acho que assim: é muito mais operacional a construção de um trabalho com essa informação do que a posição de um controle, não é? Eu acho que isso de maneira geral em prevenção, não é?

Folha - É uma coisa tão interessante, a pessoa pergunta, dá para perceber no seu discurso, assim como na maior parte das campanhas que circulam na mídia uma posição contra o correr riscos. Viver é arriscado. Como diz o ditado quem não arrisca não petisca. Será que é correto pregar a fuga dos riscos o tempo todo?

Jairo -
Eu não prego a fuga do risco, eu até disse há pouco na palestra assim: acho que o risco é inerente ao ser humano, ao viver, ao passar por fases, a se transformar, acho que a gente não pode defender não se arriscar ou evite o risco, não entre em contato nunca com o risco. Não é isso. Eu acho que é assim: talvez o melhor jeito de lidar com essas questões todas seja assim: como você vai lidar com o risco ou com a possibilidade do risco?

Mais do que não corra risco. É óbvio que com algumas questões a gente tem que tomar mais cuidado. Eu sei que se eu não usar camisinha, me arrisco mais a pegar uma DST, uma doença transmitida pelo sexo ou Aids do que se eu transar com camisinha. Eu sei que se eu... Então, acho que assim, acho que não dá para a gente imaginar que a gente possa ficar sem o risco, mas, assim, como lidar com esse risco, eu acho que é mais importante. Que tipo de campanha eu vou fazer? Como eu vou fazer isso para eu poder lidar com o risco de maneira, para eu saber, pelo menos, o risco que eu estou correndo, não é?

Folha - Uma questão que tenta chamar a atenção para o problema da diferença cultural, sobretudo, a nossa diferença do comportamento de jovens dos países ocidentais e comportamento dos jovens nos países muçulmanos em relação aos riscos apresentados. A pessoa pergunta se você tem alguma informação nesse sentido de como é o comportamento desses jovens nos países muçulmanos? E se nesse caso a diferença religiosa seria o fator determinante?

Jairo - A pergunta é boa e ontem, na verdade, eu não tenho acesso a muita informação sobre a questão da relação com o risco em países muçulmanos ou países. Vamos pensar nos países muçulmanos que têm as leis mais rígidas, por exemplo, não é? A gente sabe que, sem dúvida nenhuma há um controle não só religioso, mas um controle cultural muito maior em alguns países muçulmanos, em alguns países mais ortodoxos, não é?

E eu acho que assim: mas a gente tem que pensar, se a gente for pensar nessa questão, na verdade é pensar nos países muçulmanos em que o relacionamento com a lei ou com a norma religiosa é mais presente, é mais ortodoxo, porque, por exemplo, se a gente for pensar em países que tem maioria muçulmana, mas não são países que a lei é tão rígida, outro que a lei é tão rigorosa, a gente tem índices preocupantes ou comparáveis em relação ao uso de drogas, em relação a contaminação por HIV, enfim, a gente tem também justamente esses índices preocupantes também de maioria muçulmana, mas, enfim, que não tem essa lei tão rígida.

Agora, acho que nos países, que, realmente, tem uma vivência cultural, religiosa, bastante distinta do mundo ocidental, eu acho que esse tipo de, esse tipo de comportamento, a relação com o risco é diferente e acho que é basicamente diferente em função das imposições religiosas e talvez mais do que as religiosas das restrições são as culturais que as pessoas são obrigadas a viver, não é? Assim. Existe uma norma, muito mais rígida, muito mais definida, existe um sistema de controle muito mais rigoroso do que nos países ocidentais ou do que na cultura ocidental. Não sei se o caso tem mais informação a esse respeito também. Mas, eu acho assim, a gente saberia isso, a gente provavelmente observaria esses comportamentos nos países em que a questão, na verdade, a lei religiosa ou cultural é muito mais forte, muito mais definida do que em alguns países que só tem maioria muçulmana, mas, enfim, não seguem à risca essas ortodoxias, não é?

Folha - Essa exposição ao risco, sobretudo, do ponto de vista do tempo que o jovem imagina ter pela frente. A pessoa pergunta: imagino que os jovens se arrisquem com muita frequência porque sentem que há tempo para resolver os problemas causados pelo risco. Qual sua opinião sobre esse "ainda há tempo"?

Jairo - É, é boa essa pergunta, não é? Porque, na verdade, já é a questão da temporalidade, porque o jovem é totalmente diferente da temporalidade para adulto, não é? A gente calcula prazos, avalia riscos, mede consequências temporais e não temporais de maneira muito mais estruturado do que o jovem. Para o jovem é assim ter uma vivência muito intensa do momento assim, a questão do tempo é a questão do momento, a experiência de vida é sempre muito em função daquilo que ele viveu recentemente, enfim, e do momento que ele está vivenciando e tem uma preocupação muito menor com a questão da construção de uma previsão para o futuro. Tudo bem, ele sabe que ele quer ter uma profissão, ele quer ter um dinheiro, talvez ele...

(...)

... um padrão para ele, não é, o que dá o parâmetro para ele é uma coisa muito nítida. Então, nesse aspecto o vivenciar o risco é diferente assim do adulto também. Quando eu digo que o adulto tem mais parâmetro, avalia mais, pensa melhor nas coisas ou pode, tem elementos para pensar melhor na coisa e o jovem teve uma experiência de vida menor e está mais intensamente preocupado com aquele momento, obviamente, é diferente essa relação com o risco.

Eu lembro de uma situação, que a gente comentos poucos meses atrás, em São Paulo, até escrevi isso num artigo para a "Veja" que foi uma história assim. Teve um acidente grave na Marginal, como quase todo final de semana praticamente tem acidentes graves na Marginal e os quatro jovens que estavam no carro morreram. Foram jovens que saíram para uma festa, se alcoolizaram, pegaram o carro, bateram na Marginal e os quatro morreram e, no bolso dos quatro foi encontrada uma camisinha.

Quer dizer, todo mundo tinha camisinha, todo mundo sabia que para se prevenir da AIDs, para se proteger da AIDs precisava usar camisinha, não é? Agora, será que eles não sabiam que beber e guiar, beber e dirigir era um comportamento que, talvez, imediatamente, oferecesse até muito mais risco para eles do que o comportamento de usar a camisinha? Se a gente fosse pensar em riscos relativos, aquele risco era muito maior do que aquele risco que eles tinham calculado que estava no bolso deles, não é?

E, na verdade, acho que isso tem um pouco dessa relação do fazer, não pensar no que está fazendo, do vivenciar isso naquele momento, naquela situação e ponto final. A gente vê isso muito também com a questão do jovem da periferia. quando você começa a discutir com o jovem a questão da prevenção, a questão da gravidez, a questão do uso da camisinha, uma resposta muito frequente é essa assim: porra, mas nem sei se eu vou morrer amanhã, se eu vou morrer depois de amanhã, não é?

Da chance de se envolver em algum tipo de problema por causa da questão do tráfico ou da violência dessas comunidades é tão grande, não é? Quer dizer, o risco de morrer por bala perdida ou morrer vítima da violência é tão maior do que o risco de: quem sabe se eu transar e pegar Aids vou morrer daqui a dez, 15 anos, quer dizer, na avaliação daquela coisa, daquele risco do momento, ele está muito mais preocupado com o que vai acontecer ali imediatamente. Então, acho que essa questão da temporalidade é uma questão muito diferente e muito presente dessa maneira que eu acho que a gente está falando na vida do jovem.

Folha - Também a respeito desse jovem que está estatisticamente mais exposto ao risco, que é o jovem da periferia, tem duas perguntas. Uma: como lidar especificamente com esse jovem que está exposto nesse grau e quais seriam as fontes de incentivo para esses jovens para, enfim, não se tornarem tanto assim as vítimas preferenciais dessa violência?

Jairo -
Acho que a gente só vai conseguir lidar com isso quando a gente conseguir melhorar a situação social e econômica e as perspectivas desse país. Senão a gente não vai conseguir melhorar isso, não é? Quer dizer que esses jovens estão morrendo ou esses jovens estão se expondo a tanto risco só pela questão do tráfico e ponto, não é? Eu acho que é simplificar uma questão que é muito mais densa, muito mais complexa e que tem a ver com toda a situação social e econômica do país, quer dizer, esse jovem está vivendo numa família desestruturada, esse jovem muitas vezes não tem um componente afetivo fundamental na vida dele, esse jovem não consegue se vincular, não consegue ficar numa escola, não consegue ter uma formação numa escola, esse jovem muitas vezes têm dificuldade de arrumar emprego ou vai arrumar um sub, sub, subemprego.

Esse jovem tem muito pouca perspectiva pela frente de conseguir se virar, de conseguir reverter a situação. Ele vê o tráfico também ali naquele momento como uma alternativa mais fácil e mais rentável para ele de conseguir resolver a vida dele ou de conseguir pelo menos resolver economicamente a vida dele, as meninas engravidam na periferia loucamente, 20% das meninas no Brasil engravidam antes dos 18 anos de idade. A maior parte dessas gestações acontecem nas camadas mais pobres da população e metade dessas gestações que acontecem nos jovens, assim, são desejadas e/ou planejadas. Por que essas meninas de 14, 13 anos de idades querem ter um filho? Porque elas acham bacana?

Porque elas acham que vão ter um status social, elas vão ser diferentes, elas vão deixar de ser nada para ser alguma coisa, para ser mães. Elas vivem na ilusão de que elas vão conseguir construir um núcleo familiar. Vão conseguir se vincular àquele marido ou aquele pai da criança. O que de fato a gente percebe é que a maior parte das vezes elas não conseguem se vincular a esses pais, elas acabam engravidando e repetindo essa gravidez com uma frequência muito grande, acabam tendo filho de outro pais e acabam, na verdade assim, acabam constituindo novas famílias desintegradas, novas famílias com poucas vinculações afetivas e estruturais e acabam perpetuando esse ciclo de miséria e pobreza.

Quer dizer, enquanto a gente não conseguir interferir de maneira mais importante, de maneira mais significativa nas expectativas sociais e econômicas dessa população a gente vai continuar tendo problema e cada vez problemas mais frequentes, maiores e mais próximos de todo mundo, não é? Eu acho que essas questões são questões que merecem uma intervenção imediata e a intervenção, eu acho que não é só a complementação, enfim, a transferência de recursos, a complementação de recursos para essas famílias mais pobres ou que vivem no limite da pobreza, eu acho que estruturar uma possibilidade para essas pessoas saírem desses círculos, porque senão você tem uma retroalimentação desses círculos e uma situação que não se resolve nunca.

Folha - Tem duas questões relativas a essa influência, sobretudo, de TV e mídias de acesso muito expandido aí entre os jovens, que é no caso a internet do ponto de vista de como ela influencia a tomada dessa atitude para o risco. A pergunta explicitamente é: até que ponto a educação familiar ou a falta de e o acondicionamento sob o poder da mídia e meios de comunicação mais acessíveis aos jovens como televisão e internet influenciam na tomada de resolução, uma tomada de atitude para, no caso dos exemplos, fazer sexo sem camisinha, extravasar no uso do álcool, experimentar drogas lícitas ou ilícitas.

Associando com uma outra pergunta que também diz respeito à influência da TV, que a TV, ao mesmo tempo que ela serve ali de alguma maneira para difundir um comportamento mais educativo, estimula um comportamento mais liberado demais ou banalizado demais.

Jairo -
É bem boa a pergunta também e difícil, assim, ela é muito ampla, muito complexa. Mas, eu acho que a gente podia pensar. Eu acho que vou começar com a internet, depois eu acho que vou pensar um pouquinho em TV.

A internet eu acho que é a grande revolução para essa geração. A internet chegou no Brasil para a população como um todo em 95, não foi Cássio? É, até 95, você tinha as BBs, que eram sistemas mais limitados de comunicação e, a partir de 95 você tem internet. Então, essa geração que tem hoje 18 anos, 17 anos, é uma geração que cresceu, adolesceu com a possibilidade de entrar na internet. Quer dizer, a internet é um mundo, um vasto mundo ao curto alcance de poucas tecladas. E, de fato assim, com 12, 13 anos de idade, eles entram não é?

Guardadas algumas exceções, alguns filtros, alguma coisa assim, eles entram onde eles bem entendem, ele vão, eles navegam, eles têm a informação que eles querem, eles entram em contato com várias questões, desde muito cedo. E aí eu acho que a pergunta está querendo dizer o seguinte: até que ponto com 12, 13 anos, eles são capazes de avaliar aquele material que eles estão entrando em contato. Quer dizer, e como municiá-los de elementos para filtrar melhor isso que eles estão entrando em contato e aí acho que é tudo droga, sexo, enfim, tudo. E, eu acho que assim, de novo, restringir o acesso à internet é impossível, é bobagem, eles vão acessar cada vez mais cedo a internet, a gente tem que se antecipar, introduzir a internet na vida dessas crianças ou desses jovens de maneira que seja interessante para todo mundo do ponto de vista de cuidado e prevenção também mais cedo.

Eu acho assim: do mesmo jeito que eles podem acessar um site pornográfico e ver um monte de sacanagem na internet, eu acho que a gente precisa fazer com que eles entendam quais são os sites, quais são os locais, quais são as buscas possíveis para a obtenção de informação. Informação que pode ajudá-los na elaboração de vida deles. Não só nas informações que podem ajudá-los nas questões curriculares ou da escola, mas informações que podem ajudá-los a estabelecer melhor a questão da vida deles. Então, assim, informação também com relação a drogas, sexo, mas com cunho diferente, cunho informativo ou pedagógico ou de formação mesmo, eu acho que tem que ser feito um trabalho nas escolhas, eu acho que tem que ser feito um trabalho em casa também de ajudar acho que assim: o grande pulo do gato, eu acho é tentar fazer com que eles elaborem esse filtro de seleção, mais precocemente e que eles consigam elaborar esse filtro com ajuda externa, não é?

Quer dizer, a escola, o jornal, a revista dando dicas, o professor dando dicas, os pais dando dicas de como ele pode fazer um uso bacana da internet, porque você pode fazer um uso ruim ou um uso bacana de qualquer coisa. Então, eu acho que eles podem entender como eles podem usar esse instrumento de um jeito bacana. É óbvio que eles vão ver páginas de pornografia e sacanagem na internet porque isso faz parte da vida deles. Do mesmo jeito que 20, 30 anos atrás os meninos iam lá e compravam as revistas proibidas nas bancas de jornal e escondiam embaixo do colchão para os pais não verem, quer dizer, hoje é mais fácil, não é? Hoje, meninos e meninas podem entrar na internet digitar as páginas e entrar em contato com essas informações. Então, acho que assim: é pensar em como fazer com que eles entrem em contato com as coisas legais, boas, criativas da internet, como isso pode ajudar na elaboração de um viver, de um se relacionar melhor com a internet. Então, acho que, talvez, essa seja a questão.

Eu estou lembrando de uma situação que acho que ajuda a ilustrar um pouquinho essa história, que foi uma história até que aconteceu, assim, nesse trabalho do Folhateen a gente faz uma parte, a gente recebe perguntas por e-mail, a gente seleciona o e-mail, responde o e-mail, que é editado às segundas-feiras e aí uma boa parte dos e-mails, muitos e-mails a gente não consegue responder, porque não dá para dar conta de todo recado e alguns e-mails que são situações mais complicadas, mais graves a gente responde diretamente para o internauta, para o leitor e manda a resposta para ele e ponto final, não é?

E, aí eu lembro de um caso que aconteceu recentemente, nem sei se eu passei, se eu dividi essa história com o Cássio, desculpa aí, Cássio, foi basicamente o seguinte: era um menino de, sei lá, 14 ou 15 anos de idade que escrevia um e-mail contando uma história que ele sabia que ele era gay desde os 11 ou 12 anos de idade e que ele começou a entrar na internet com 12, 13 anos de idade, marcar encontros com homens mais velhos, que ele se sentia poderoso, que ele gostava de fazer aquilo, porque aquilo dava a ele uma sensação de poder, de conquista, ele ia marcava, fazia o que ele tinha que fazer e isso desde os 13 anos de idade, acho que estava com 15 ou 16 anos e aí a queixa dele era a seguinte: mas será que todo mundo que eu for encontrar na vida na internet ou não, será que eu vou ter que transar com todo mundo que eu encontrar na vida? Porque até hoje todo mundo que eu encontrei eu tive que transar.

Assim, achei interessante a pergunta pelo seguinte, assim, na verdade tem uma inversão, não é? Em vez de começar conhecer, namorar, paquerar e transar, ele começou com sexo para depois pensar o que ia acontecer com ele. Então, a própria pergunta, na elaboração do moleque é assim: caiu a ficha: será que isso que eu estou fazendo é o que eu vou fazer a minha vida inteira? Será que isso é legal de fazer? Será que isso está fazendo bem para mim? Acho que foi a primeira ficha que caiu para esse menino. E aí assim, a gente discutiu rapidamente com ele no e-mail a importância dele saber exatamente esse movimento dele, a importância de entender que, às vezes, a gente fica deslumbrado com uma questão, a gente fica deslumbrado com nessa idade de assegurar um comportamento, de mostrar que pode ou de achar que vai romper todos os limites.

Depois, a ficha cai, porque na verdade, assim, às vezes é melhor escolher, vivenciar aquela escolha de maneira mais intensa, mais qualitativa do que ficar indefinidamente testando uma hipótese que ele estava vendo que não estava dando certo, que ele estava infeliz. E, aí assim, isso em cinco, seis linhas e a recomendação para que ele procurasse a ajuda de uma terapia. É básico isso. Eu lembro que nessa situação, eu mandei o e-mail para o menino. Normalmente, quando a gente recebe esses e-mails, a gente recebe, dá um replay, para ganhar tempo e responde direto porque são muitos. E, no dia seguinte, eu chego em casa, a mãe desse menino, por um acaso abriu a caixa postal e não sei como, disse que teve uma confusão de gerenciamento de contas, provavelmente, talvez ela tenha tido uma confusão, talvez ela foi olhar realmente foi atrás do que estava acontecendo e aí ficou desesperada.

Porque nunca imaginava que o menino estudando o dia inteiro num colégio, que horas que ele arrumava para fazer isso. Como ele fazia isso, enfim, contava umas dificuldades que ela teve em criar os filhos. Ela teve que criar quatro filhos sozinha e contava uma série de questões. E aí assim, nesse momento, o que aconteceu? E o filho não sabia que a mãe tinha visto a coisa da internet e ela estava chateada, aborrecida, magoada, enfim. Essa mãe, provavelmente, também precisava de uma terapia, mas acho que precisava, fundamentalmente, conversar com esse filho, talvez, conversa que não acontecesse o tempo inteiro e uma conversa que acabou acontecendo por vias tortas, mas por causa da internet e acho que assim, conversar com esse filho, entender o que está acontecendo porque ela é uma pessoa transformadora nesse processo, não é? Eu acho que ela pode ajudar, talvez, nessa formação, nesse filtro que eu estou falando a vocês, nessa formação mais criteriosa, mais cuidadosa do que é ser jovem, de como é se relacionar com a juventude ou com o sexo ou com o prazer.

A gente está falando o tempo inteiro de risco, a gente esquece ou esqueci de falar, não deixei claro, não ficou claro que o risco está muito relacionado à questão da vivência do prazer, à possibilidade da vivência do prazer. Então, acho que isso é uma outra questão e acho que ela podia ajudar nesse processo.

Falei demais, não é? E não respondi da televisão, que acho que a televisão é mais ou menos, resumindo, resumindo vai mais ou menos pelo mesmo caminho, mas acho que assim: tem uma banalização. Tem uma tendência da TV, principalmente, da TV aberta, da grande TV de banalizar discussões, de banalizar coisas que são fundamentais para a formação dos jovens e, ao mesmo tempo, algumas ilhas de produção, de materiais que são muito interessantes, enfim, você tem televisões, mesmo dentro da MTV você tem alguns núcleos que produzem conteúdos interessantes, não estou falando que a programação inteira é interessante. Tem muita coisa que apela, que exagera, mas têm núcleos que fazem coisas interessantes. Tem televisões Educativas que fazem coisas interessantes, mesmo as grandes TVs começam a ter alguns espaços para a discussão de questões interessantes e eu acho que é isso, a TV é uma mídia fortíssima, talvez, a mídia mais forte e eu acho que a gente tem que saber utilizá-la da melhor maneira, não é? Porque o visual é uma coisa extremamente impactante para essa faixa de idade. O interativo, o visual, o sonoro são recursos fundamentais para a gente dividir essas informações com eles.

Folha - Pelas questões que chegaram aqui e um pouco pela abordagem que o Jairo fez no genérico, eu acho que boa parte delas já foi respondida. Eu gostaria de encerrar com uma última, que é uma questão mais específica do ponto de vista de que posição os pais ocupam se eles também sofrem do mesmo problema? Que como pais ou mentores vão dividir com os jovens esse trabalho de lidar com o vazio emocional, com o vácuo emocional, se eles não aprenderam a lidar com o próprio vácuo emocional.

Jairo - Acho que isso, talvez, seja o grande dilema do pai moderno: e aí o que é que eu faço? O pai de um adolescente hoje é um pai que teve, na maior parte das vezes, uma educação completamente diferente da educação que está dando, está trocando com seu filho. Teve um modelo de educação, um modelo de troca de informação de educação completamente diferente desse modelo que está acontecendo hoje em dia, senão completamente, bastante diferente em alguns aspectos. É um pai ou uma mãe que foram obrigados, por pressões sociais, culturais, foram obrigados a sair de casa, a trabalhar, conquistar um espaço na sociedade, a ter um papel social importante.

Muitas vezes tiveram a possibilidade e oportunidade de repensar suas relações afetivas e, muitas vezes optaram por interromper determinadas relações afetivas, que era uma opção que talvez os pais não tivessem tido, não é? Os pais dos pais não tivessem tido, talvez um casamento infeliz 40, 50 anos atrás continuasse a ser infeliz até o final. Hoje, não é assim, existe a possibilidade de se repensar essa relação e se decidir o que vai ser feito.

Então, são pais que tiveram novas possibilidades afetivas e relacionais. São pais que tiveram que sair de casa e tiveram que lutar e conquistar e fazer e acontecer. São pais que pegaram um país nesse seu ciclo de crise de vai e de volta e que tiveram que se preocupar com uma série de outras coisas. São pais que assistiram assim meio assustados a evolução da informação e como esses jovens foram bombardeados e expostos à informação, informação que até eles, muitas vezes, não tinham ou não conseguiam ter o mesmo acesso que esses filhos. São pais que, como todo ser humano, têm questões emocionais e se questionam no dia-a-dia, têm dificuldade de lidar com suas próprias questões emocionais e, ao mesmo tempo, são pais que são exigidos a participar desse processo de formação, de elaboração desses filtros para seus filhos, para os adolescentes, que são filtros que a gente está falando aqui, são filtros fundamentais para a autonomia, para a responsabilidade, para a decisão e são filtros muito mais precoces do que a gente imaginava, não é? Então assim, como esse pai faz? Que eu acho que essa é a pergunta.

E, eu acho que assim: tem que fazer do jeito que acha que pode fazer. Acho que essa é a primeira questão assim. Acho que não tem que ser obrigado a fazer uma revolução porque a gente disse que tem que fazer ou o livro disse que tem que fazer ou a escola disse que tem que fazer. Acho que assim: tem que fazer o que acha que pode fazer e tentar mudar as coisas que acha que não estão legais. Eu acho que é o pai que fundamentalmente devia, a gente tem um jargão em jornalismo que chama gancho, não é? Puxa, vamos aproveitar esse gancho dessa história para fazer uma matéria? Eu acho que é um pai, sei lá, aconteceu um crime, então, vamos aproveitar aí o gancho desse crime para a partir desse crime contar uma tendência de crime que está acontecendo.

Assim, vamos aproveitar os ganchos do cotidiano, já que o cotidiano é tão rápido, é tão intenso, a gente está sempre com tanta pressa, muitas vezes a gente não pode ficar tão perto dos filhos quanto a gente gostaria de estar, que tal aproveitar os ganchos para discutir as questões que a gente acha que são fundamentais, por exemplo, Joana, amiga da minha filha, com 14 anos de idade engravidou e está grávida de quatro meses.

Por que a Joana engravidou? O que aconteceu com a Joana? A Joana sabia que engravidava? A Joana não sabia que engravidava? E você assim, você sabe? Como você faz isso? Como a gente lida com essa história aqui dentro de casa? O João foi expulso da escola porque pegaram-no fumando um baseado no banheiro. O João foi expulso da escola, o que aconteceu? Por que o João foi fumar baseado? Como estava acontecendo? O que você acha do João ter sido expulso da escola, foi uma decisão justa? O fato de ele ter, enfim, ultrapassado uma regra que estava muito definida de que não podia fumar na escola era motivo para ele ser expulso? Não era? Tinham que dar mais uma força para o João? Não tinham?

Acho que a construção de algumas discussões que são questões da atualidade que são questões atuais, importantes, aproveitando os ganchos, as experiências que eles têm do dia-a-dia são muito enriquecedoras para pais e para filhos e eu acho que até pode ajudar os pais a evitarem um comportamento muitas vezes policialesco, mas, ao mesmo tempo, que os pais consigam dar alguns limites que são fundamentais. Então, assim, não sei se eu precisava perguntar para o meu filho se ele fumava maconha junto com o João ou se ele já fumou maconha junto com o João, mas acho que podia enfatizar assim: puxa, fumar maconha pode trazer algumas dificuldades e alguns problemas, não é? Está vendo o que aconteceu com o João?

Eu acho que assim: é construir a formação dessa pessoa, a partir das experiências do dia-a-dia, do cotidiano, do que está acontecendo e ajudar, ficar com a sensação de que você está muito mais com a porta aberta, permitindo a entrada do que invadindo e impondo um comportamento. É superconstrangedora a situação do pai que vai discutir com o filho, até hoje em dia, a primeira vez dele, como é que vai ser, onde vai ser e com quem vai ser. Os filhos fogem dessa conversa como o diabo foge da cruz e muito pai ainda continua insistindo nessa conversa. Então, assim: ao invés de quando o filho chegou na adolescência ter essa conversa, que tal discutir a questão da sexualidade desde mais cedo, é óbvio com uma linguagem adequada, com uma situação adequada, mas discutir a questão da sexualidade, a importância dos cuidados, do momento certo, da prevenção, se vai ou não vai ser com namoro, se vai ou não vai ser dentro do casamento. Como é? Como não é? Como é a questão da virgindade hoje em dia?

Que tal discutir essas questões antes, aproveitando os ganchos, aproveitando as situações, aproveitando as novelas, as notícias do jornal, as matérias da revista, o que acontece na escola, perto deles. Acho que essa talvez seja a possibilidade de aproximação. Agora, tem que lidar com as dificuldades emocionais e dificuldades todo mundo tem, todo mundo enfrenta. Tem momento que é mais fácil, tem momento que é mais difícil, mas, sem dúvida, a gente tem sempre alguma coisa para passar e, sem dúvida, a gente pode aprimorar o jeito de passar essa informação de maneira mais adequada, mais próxima do filho da gente.

Folha - Gostaria de agradecer a presença de vocês, a participação no debate, obrigado.

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