Folha Online sinapse  
30/09/2003 - 02h08

Íntegra: "A medicina vai vencer a morte?"

da Folha de S.Paulo

Confira abaixo a primeira parte da transcrição da palestra "A medicina vai vencer a morte?", com o médico urologista Miguel Srougi, no quarto dia da "Semana Sinapse", mediado pelo jornalista Gilberto Dimenstein.

Miguel Srougi - Boa-noite a todos, eu queria agradecer a Folha por esta oportunidade. Eu tenho uma ligação com o grupo da Folha muito antigo, com seus dirigentes, com seus jornalistas, uma ligação fraterna, que já se prolonga por alguns anos. Na verdade, o que eu queria dizer é que uma iniciativa como essa mostra a importância desse veículo na nossa sociedade. Que, além de cumprir o seu papel, numa dimensão superior, de informar, de vigiar, de promover o desenvolvimento da democracia de forma mais geral, eles também se preocupam com atividades como essa em que são levantados temas de importância para as pessoas e a gente tem essa oportunidade de conversar e dialogar.

No convite que me foi feito foi para responder a uma pergunta: A Medicina Vencerá a Morte? Essa é uma pergunta de conteúdo profundamente complexo. Sou um cirurgião, como o Gilberto falou, sou alguém grosseiro dentro de toda a grandiosidade que um ser vivo apresenta, eu sou um cirurgião que costuma caçar células tumorais, como disse aí, então vocês imaginem a dificuldade que eu tenho para abordar um tópico como esse, mas, de qualquer jeito, confesso que fui ler um pouco até estudar um pouquinho e me enriqueci muito. A gente passa a aprender um pouco mais com profundidade o ser humano, as razões da nossa existência e vou querer mostrar para vocês algumas coisas nessa área e, ao mesmo tempo, tentar responder para vocês essa pergunta que me foi colocada: A Medicina Vencerá a Morte?

O que eu vou abordar nessa apresentação são esses índices que estão aqui definidos. Por que nós envelhecemos? Por que nós morremos? Existe uma procura incessante da imortalidade, isso faz parte da nossa estrutura mental. Quais os problemas que vão surgir com a imortalidade se um dia ela for obtida? É um problema complicado. Onde a medicina se situa em relação a esse contexto? Será que é possível evitar o envelhecimento e a morte que são processos altamente embricados? O que é mais importante: viver muito ou viver feliz? Vou tentar mostrar a vocês alguma coisa que está ao meu alcance. Certamente não é o mais, não é tudo o que existe sobre esses tópicos, porque, realmente, isso escapa um pouco à minha capacidade.

Essa primeira questão por que nós envelhecemos e por que nós morremos, só pode ser compreendida se a gente se lembrar um pouquinho da evolução. Os nossos ancestrais eram quadrúpedes, assumiram a postura bípede à procura de alimento, começaram por isso a migrar. Começaram a se movimentar. A comida era, na verdade, o grande estímulo que forçou a evolução humana? Por que os nossos ancestrais procuravam comida? Eles tinham que alimentar o soma, que era o nosso corpo, para que o homem pudesse se reproduzir e preservar a espécie.

De acordo com a concepção mais ortodoxa da evolução humana, concepção darwiniana, o que as espécies tende a fazer para se tornar imortais é se reproduzir. É a forma que nós utilizamos para nos tornarmos imortais. Para poder reproduzir nós precisamos ter um corpo que nos ajude, para ter esse corpo nós precisamos comer. Por que nós envelhecemos? Então, de acordo com esse conceito evolucionista, nós nascemos, nós temos uma fase de reprodução que perpetua a espécie, uma vez terminada essa fase, nós não servimos mais para muita coisa. Nós começamos a envelhecer. Nosso corpo deixa de, quer dizer, a natureza, o nosso código genético nos programou para que a gente deixasse de se manter viável, com saúde, porque nós já deixamos de reproduzir. E, no final, vem a morte.

Qual a razão biológica para a gente viver? Quais são os mecanismos? Eu não vou, obviamente, entrar em detalhes profundos, eu queria dar a vocês apenas uma noção de como é que o nosso organismo se prepara para envelhecer e para morrer? Quais são os mecanismos mais íntimos que fazem isso? Existe uma determinante genética. Vocês sabem que as famílias que tem alguém que vive muito tem uma chance um pouco maior de viver mais. Por quê? Porque nós nascemos, no nosso código genético existem genes chamado gerontogenes que vão ordenar para essas células que nós temos, onde elas estão inseridas, elas dão uma ordem para a célula morrer. Então, todos nós nascemos. O nosso código genético com genes que vão dar ordem para as nossas células morrerem. Esses genes estão bloqueados e é por isso que nós crescemos, vivemos e nos reproduzimos e a gente não morre nessa fase inicial.

Num determinado período da vida, esses mecanismos e bloqueios desaparecem, esses gerontogenes ficam liberados, eles promovem a morte das células, nós começamos a envelhecer e no final nós morremos. Isso faz com que a hereditariedade tenha um papel importante. Estima-se que 30% das pessoas que têm sobrevida longa, elas têm um componente hereditário importante que atua através desses mecanismos.

Existe uma segunda razão para a gente envelhecer - eu também não vou entrar em detalhes muito específicos aqui, mas o nosso meio ambiente é cheio de fatores nocivos à nossa saúde. Para dar um exemplo a vocês: as irradiações que existem na natureza, vírus etc., esses agentes modificam o nosso genoma, o nosso código genético e as células vão se deteriorando até morrer. Existem mutações como os médicos falam, são os que chamam de fatores extrínsecos.

A nossa alimentação, as pessoas que se alimentam de forma incorreta, agridem determinadas estruturas dentro das células, chamadas mitocóndrias e, a partir dessas estruturas as células também podem morrer. Eu apenas estou mostrando dois aspectos de como fatores ambientais interferem com a nossa sobrevivência. Fatores externos, fatores dietéticos acabam influenciando a sobrevida e a existência das nossas células. Esses fatores, porém, são responsáveis 70% do que nós temos de vida para passar a nossa existência, quer dizer, se vocês valorizarem esses aspectos, vocês têm uma chance grande de viverem mais.

Se nós envelhecemos, nós também morremos. Será que a morte é uma simples consequência do envelhecimento? Biologicamente não é. O que eu queria mostrar a vocês é que nós nos reproduzimos, nós envelhecemos e no final desse ciclo nós morremos, mas nós não morremos porque nós ficamos velhos, nós morremos porque nós contraímos doenças. À medida que a gente vai envelhecendo, nosso organismo fica vulnerável, nós desenvolvemos doenças cardíacas, câncer, derrame etc., e com isso nós morremos, ou seja, o envelhecimento enfraquece o nosso corpo e o torna vulnerável para que essas doenças surjam e acabem exterminando o homem.

Na história da humanidade sempre houve uma procura incessante pela imortalidade. Uma vez perguntaram para o Woody Alen: como é que você gostaria de ser imortalizado? E a resposta dele foi simples: vivendo para sempre. Na verdade, o que ele refletiu é o que todos nós temos na nossa cabeça. Todos nós gostaríamos de viver para sempre. Essa tendência, na verdade, é bíblica e existem histórias muito curiosas a esse respeito. De acordo com a Bíblia - confesso que não li, mas vi alguém que leu a Bíblia -, o que essa pessoa concluiu lendo a Bíblia é que pela Bíblia nós devíamos ser imortais. Quando Deus criou os seres na Terra, ele criou esses indivíduos para serem imortais. Adão e Eva cometeram aquela besteira que você bem conhecem, comeram o fruto do bem e do mal e com isso, como castigo, a imortalidade foi retirada desses indivíduos. Adão, segundo a Bíblia, morreu com 930 anos, Set que era o filho dele com 912, Enos, que era neto 905. A sobrevida dos homens foi diminuindo e Abrahão, segundo a Bíblia viveu 175 anos. As transgressões morais tornaram o homem mortal.

E as histórias bíblicas são muito curiosas. Existe essa história que, na verdade, alguns charlatões da área médica se apropriaram da idéia e ganharam até um dinheiro no século 17 e 18. Segundo essa história bíblica o rei Davi estava muito velho e fraco e amigos dele trouxeram a Mixage(?) Xunamita(?) era uma moça que, foi trazida, ele estava moribundo, ele já tinha perdido líquido, segundo a Bíblia, tinha perdido a viscosidade, como eles falavam, tinha perdido calor e ele estava moribundo e a idéia, naquela ocasião, é que, segundo os discípulos dele, se colocasse uma moça virgem e nua em cima de um homem moribundo, ela transmitia para ele todos os humores, todos os calores e ele ressuscitava e fizeram isso. Pegaram a pobre da Mixage(?) e botaram em cima do rei Davi. Eu acho que ele morreu, quer dizer não adiantou.

A Bíblia não contou também o que aconteceu com a Mixage(?) coitada, contou só o que aconteceu com o rei Daví. De qualquer jeito surgiu essa idéia do xunamitismo, que, por incrível que pareça, prevaleceu no século 17 e 18, teve dois médicos que ficaram muito famosos na Europa. Eles preconizavam que todo moribundo devia receber em cima do corpo uma moça virgem e nua. Isso ficou conhecido como xunamitismo e eles faziam isso mesmo. Parece que ganhavam dinheiro, geraram muita polêmica na ocasião.

Os jornais, as revistas vivem constantemente nos estimulando a pensar em imortalidade. Não existe uma semana ou um mês que vocês não abram uma revista ou um jornal e que alguém está anunciando alguma coisa que vai nos tornar imortal. Essas aqui são manchetes que eu encontrei em 2001. Você poderá impedir a perda do telômeros, a perda dos telômeros é que libera aquele genesinhos ruins que a gente tem hereditariamente. Basta controlar o seu gene B-21 que você vai ficar imortal. Nós podemos fazer transplante de células, que são células de potencial muito grande e com isso nós vamos perpetuar nossa espécie, ou seja, sempre com a procura pela imortalidade. E, isso gera também desvios muito grandes. Essa aqui é uma página da internet, que eu copiei, só para mostrar a vocês o fenômeno que, infelizmente, acontece que é a medicalização. O que é a medicalização?
Medicalização é um médico, um grupo de médicos ou um grupo de pessoas ou alguns charlatães pegarem alguma coisa que é natural e transformar aquilo numa doença e começar a ganhar dinheiro com aquilo. Infelizmente, o envelhecimento é medicalizado atualmente. As pessoas têm que envelhecer porque isso faz parte do nosso ciclo, faz parte da nossa evolução e eles tentam transformar isso numa doença e começam dar remédios, fazer tratamentos e inventar coisas e ganham dinheiro com isso. Isso é feito com sexo, é feito a morte é feito em muitas situações no nosso dia-a-dia.

Vejam esta propaganda: Instituto de Los Angeles para rejuvenescimento vaginal a laser. O que esse sujeito propunha é pegar mulheres que estão ficando idosas, aplicar laser na vagina para deixar a mucosa da vagina menos rugosa e com isso teoricamente rejuvenescer a mulher. Isso para mostrar a que ponto chegam os desvios de comportamento humano.

Na verdade, existem problemas com a imortalidade, eu queria agora discutir com vocês um pouco isso. Eu acabei de falar um pouco dessa busca incessante da imortalidade, mas se a gente atingir a imortalidade vão surgir alguns problemas. Existe um estudo muito curioso, é um cálculo, um cálculo matemático, feito por um biólogo, mas que eu acho que tem valor. Segundo esse matemático, as bactérias que existem na natureza se proliferam muito rápidas.

É quase difícil a gente calcular a velocidade que o a bactéria se multiplica. É uma coisa absolutamente incontrolável e morre muito rápida também. Esse biólogo calculou que se a gente não deixasse as bactérias morrer, se elas continuassem se proliferando, como elas se proliferam e não morressem, elas se tornassem imortais, em 14 dias a biomassa, quer dizer, a massa total de bactérias do nosso planeta seria equivalente à massa do nosso planeta. Vejam que coisa absurda, se essas bactérias pudessem ter um crescimento irrestrito. Apenas para mostrar a vocês o que acontece se um ser se tornar imortal. Vejam um outro problema com a imortalidade.

No nosso planeta atualmente está faltando arroz, trigo e milho. Vejam que entre 75 e 84 a produção desses cereais tinha aumentado bastante, mas nesse último ciclo aqui caiu de novo. Isso faz com que, atualmente, 800 milhões de pessoas no nosso mundo, no nosso planeta sejam subalimentadas atualmente. Se nada mudar em 2020, vão existir 1,5 bilhão de pessoas no nosso planeta subalimentadas. Vejam a gravidade que esse problema representa.

Outro problema com a imortalidade: é a necessidade de água. Dois terços do nosso planeta é formado por água, mas só 0,002% a água é potável e pode ser ingerida.

Existe um cálculo também feito, esse artigo saiu no Scientific America, eles calcularam que em 2025 nessas áreas em verde são áreas onde vai ter escassez de água, interessante que eles colocaram, inclusive, os Estados Unidos com todo avanço tecnológico e essas áreas em vermelho vai ter grande escassez de água. Eles calculam que dois em cada três habitantes da terra não terão água potável, se obviamente não forem criadas novas fontes de água potável. É provável que isso seja, mas se a gente continuar com o nosso sistema atual, vejam que situação grave que vai surgir.

Outro problema com a imortalidade é a falta de espaço, que significa comida. Vocês sabem que nossos ancestrais primitivos partiram da África e o que se diz é que eles migraram para o resto do planeta à procura de comida, porque aqui já não tinha mais comida suficiente. Isso é que promoveu no decorrer da existência do nosso planeta a migração dos primeiros hominídeos, que se originaram na África. Apenas para mostrar aqui, mesmo vivendo num local muito amplo, esses indivíduos já não tinham mais local para crescer, para viver.

Como eu falei, a imortalidade vai tornar nosso planeta superpovoado, vão surgir problemas com alimento, com água, falta de espaço e, principalmente, falta de recursos. Veja que coisa perversa que existe atualmente no nosso planeta, esse fenômeno tem um nome chamado Desequilíbrio 10-90, 90% dos recursos utilizados em saúde no planeta Terra são dirigidos a 10% da população do nosso planeta, os mais ricos e 10% dos recursos de saúde são dirigidos a 90% dos habitantes do nosso planeta. Esse é o Desequilíbrio 10-90.

Vejam outro dado muito perverso: a Organização Mundial de Saúde tem mais ou menos 190 membros e eles calcularam qual era a expectativa de vida nesses 180 países. O Japão é o que tem a maior expectativa de vida - esse estudo que foi publicado em 2000 -, 76 anos. Existiam em 2000, 51 países onde a expectativa de vida era menor que 50 anos. São pessoas que tinham problemas de alimentação, de água, de doenças, falta de recursos. Em 32 países, a expectativa é menor que 40 anos. Em Serra Leoa, a expectativa de vida das pessoas que moram lá é de 26 anos, para mostrar a vocês como a falta de recursos interfere com a nossa existência.

Existem problemas morais e sociais ou questões, na verdade, que são bastante profundas se, por acaso, a imortalidade se tornasse uma coisa concreta. Ela se tornaria um privilégio apenas para alguns, porque como ela envolve recursos, você para se tornar imoral precisaria fazer tratamentos, como vocês viram o acesso à saúde no nosso planeta é absolutamente injusto. Então, seria privilégio para alguns. Nós seríamos indivíduo imortais, indivíduos mortais que não teriam acesso a essa tecnologia. Haveria uma grande competição por emprego, por espaço, por comida.

Se a gente fosse imortal, uma pergunta interessante: será que a gente se esforçaria para crescer pessoalmente para se enriquecer como pessoa, para crescer profissionalmente? A gente vai viver para sempre. A gente talvez não tivesse nenhum estímulo. Quem de nós ia ficar de madrugada, escrevendo no computador, lendo, se dedicando, trabalhando nos fins de semana? A gente perderia muito do estímulo desse fogo que nos mantém vivos. Surgiriam relações familiares muito complexas: imaginem que você tem um filho que não morre, um neto que não morre, um bisneto que não morre, as famílias teriam um desenho altamente complexo. Talvez, se a gente tivesse que impor a reprodução controlada, vejam que coisa esquisita, você não poderia deixar as pessoas se reproduzirem igual às bactérias, porque o mundo ficaria, inabitável, então, alguns podem se reproduzir e outros não. O sujeito ia ter que se reproduzir escondido ia ser um negócio meio complicado. Vejam os problemas teóricos que surgem com a imortalidade.

Será que a medicina está lutando para isso? Eu acho que sim, a medicina está lutando, na verdade, para tornar, não sei se o homem imortal, mas pelo menos para prolongar o envelhecimento. Eu queria mostrar a vocês algumas coisas importantes. O século 20, na verdade, em ciências, se caracterizou por um esforço para que nós compreendêssemos a matéria e o homem conseguiu dominar um pouco melhor a matéria.

O século 21, o que se prevê é que ele vai procurar os fundamentos da vida. Nós vamos passar este século procurando isso. Na verdade, essa talvez seja uma tentativa indireta de a gente prolongar a nossa existência, tentar achar uma resposta para a imortalidade. A medicina tem evoluído? Tem. Eu gostaria de mostrar a vocês algumas coisas que surgem, que já existem na medicina que são realidades, só para vocês entenderem que, na verdade, existe um movimento para perpetuar a vida do homem.

Isso aqui é uma..., sabem quando vocês fazem uma radiografia vocês tem uma imagem apenas bidimensional, é uma placa. Vejam que a medicina consegue fazer agora? Isso aqui é um ultra-som feito numa barriga de uma mulher grávida. A gente não vê apenas a placa do fetinho, mas a gente o enxerga em três dimensões e, atualmente, a coisa evoluiu ainda mais. A gente enxerga esse feto em quatro dimensões. O que é quatro dimensões? Quatro dimensões é você enxergar a carinha dele em três dimensões e vê-lo se movimentar, ter movimento, ele mostrou a língua, estão vendo? Ele está dentro da barriga da mãe esse fetinho. Essa é uma imagem real. Só para mostrar a vocês o que a medicina consegue fazer.

Quer dizer, a mãe, atualmente, já pode ver a carinha do seu bebê dentro da sua barriga. Os médicos já conseguem fazer cirurgias virtuais. Antes de a gente operar uma mandíbula a gente pode simular no computador o que vai ser feito, olhar o que a gente vai cortar e o computador nos mostra onde é que tem que ser feita a incisão, o que nós temos que retirar. Os médicos já conseguem fazer telecirurgia. Dois meses atrás aqui na nossa universidade, a nossa disciplina de urologia realizou a primeira telecirurgia na América Latina. O dr. Cássio Andreone, que trabalha comigo na urologia, o dr. Nelson Gataz, que está aqui, o dr. Valdemar Ortiz fizeram a primeira telecirurgia, eles operaram um porquinho que estava numa sala e eles estavam numa outra sala.

Só para vocês perceberem ou entenderem como se faz isso, esse é um exemplo de uma telecirurgia. Esse cirurgião está sentado aqui, com o console na sua frente, é uma cirurgia cardíaca real, esse aqui é um ser vivo. Essa cirurgia foi feita em Cleveland, Clinics(?), nos Estados Unidos. Ele olha no monitor e ele está operando esse paciente, através desse monitor, mexendo esse joy stick. Vejam, essa é uma imagem real do coração do doente, que está parado, ele teve uma parada cardíaca e vai ser feita uma anastomose da coronária. Ele continua operando o doente e outro médico, à distância, vai dizendo a ele o que ele tem que fazer. Isso mostra a vocês a que ponto está chegando a medicina.

O coração artificial está em franco progresso e é provável que, daqui a alguns anos a gente tenha um coração artificial altamente eficiente. Nosso coração parou, nós retiramos e colocamos um coração artificial. Nós já conseguimos, com terapia genética, impedir que um câncer apareça, controlar muitos cânceres, isso ainda é uma coisa emergente. Nós eliminamos com terapia genética as inflamações, só para vocês entenderem a importância, inflamação não é só inflamação de joelho. Quem desenvolve aterosclerose tem uma inflamação na aorta e a gente já consegue bloquear os processos de inflamação, com isso a gente está a um caminho de bloquear, por exemplo, a aterosclerose e com isso evitar enfartes e evitar derrames.

Já dá para fazer um camundongo inteligente. Isso foi feito dois anos atrás ou três anos atrás, se pegou um ratinho e se inseriu num óvulo um gene que deixa ele mais inteligente. Isso foi feito nos Estados Unidos e se obteve um ratinho, que recebeu esse nome de Dugy e esse ratinho era um ratinho inteligente, mais inteligente que os outros ratos. Ele sabe achar uma plataforma para sair da água, ele faz uma porção de tarefas que um rato normal não faz. Isso já é uma realidade.

A gente vai conseguir pegar um fetinho, dentro da barriga da mãe daqui a alguns anos e inserir nele um gene que vai deixá-lo mais inteligente.

E a clonagem, que todos vocês ouviram falar, que é uma realidade também. A Dolly foi obtida, a partir de uma célula única de uma outra ovelha. Se retirou uma célula dessa ovelha e dela se gerou um ser. Não precisou de ter um ovelho. Isso é grave para os homens, heim? Nós estamos ficando desnecessários. A gente pega a célula de uma mulher e gera um novo ser. Por sorte os cromossomos nasceram todos envelhecidos, quer dizer, as mulheres vão ter que continuam procurando os homens para poderem ter filhos com cromossomos jovens. A nossa sorte é que a Dolly nasceu, infelizmente, com os cromossomos da mãe dela, que tinha seis anos de idade. Então, ela já nasceu com seis anos. Quando ela tinha um mês de idade as células já tinham seis anos, por isso que ela morreu logo.

Será que é possível evitar o envelhecimento com todos esses avanços da medicina? Essa pergunta já começa a ter algum sentido, porque vocês viram que a medicina tem feito coisas, realmente, estonteantes. Eu acho que não.

Vejam o que está acontecendo com a expectativa de vida das pessoas aqui no nosso planeta. Independente da renda delas, vejam que, em 1900, a expectativa de vida era de 50 e poucos anos. Em 1990, já está chegando em 80, no Japão já é 86. Então, na verdade, está havendo algum avanço nessa área, mas o que esse slide deixa claro é que nós não estamos obtendo a imortalidade, nós estamos prolongando o envelhecimento.

Esse estudo também é um estudo curioso, que foi publicado na Scientific América, em 96, eles reuniram um grupo de cientistas e falaram: nós gostaríamos que vocês pudessem prever o futuro, o que vai acontecer nos próximos anos em termos de saúde pública e de medicina?

Eles fizeram uma previsão que em 2000 nós já teríamos terapia gênica, com gene. Isso já é realidade.

Em 2005, nós teríamos o Genoma Humano completo, ele já se completou antes disso.

Eles fizeram uma previsão que, em 2010 nós vamos ter robôs que vão cuidar dos pacientes, a gente não vai precisar mais de enfermeiras. Estou vendo que têm umas enfermeiras lá no fundo, a partir de 2010, elas vão ficar desempregadas, vai ter robozinho que vai trabalhar no lugar delas.

Em 2020, nós vamos ter fetos maturados em incubadora. Nós vamos pegar um espermatozóide, um óvulo, juntamos os dois, colocamos numa encubadora, não na barriga da mãe e esse ovo vai se desenvolver e o fetinho vai crescer dentro de uma caixinha e vai se tornar um ser vivo.

Em 2030, nós vamos ter pulmão, rim e fígado e olhos artificiais. O olho parou de funcionar, você tira e coloca o olho mecânico.

Em 2035, vai ter a hibernação humana. O indivíduo é congelado, fica hibernado e consegue ser jogado cem anos para a frente, ele fica numa caixa hibernado e depois de cem anos a gente faz ele acordar. Aquece de novo e ele acorda.

Em 2500, a expectativa de homem vai ser de 140 anos. Apesar de tudo isso, daqui a 500 anos a gente ainda está muito longe de ser imortal. Então, o que eu estou querendo enfatizar é que os avanços da medicina, o que eles estão fazendo? Eles estão prolongando o envelhecimento. Estão diminuindo a chance de a gente morrer precocemente, mas estão muito, muito, muito longe de nos levar para a imortalidade.

Eu falei a vocês que a medicina está realmente tentando prolongar a nossa existência e diminuir o envelhecimento. Será que já existem soluções técnicas agora imediatas? É meio complicado, porque eu mostrei a vocês que nós nascemos com alguns genes que vão dar uma ordem para que a gente morra num certo momento da vida. O meio ambiente produz muitos danos no nosso DNA, que também produzem doenças e a gente morre e nós desenvolvemos doenças que, na verdade, também precipitam a nossa morte. Mexer com os genes não dá, porque não dá para a gente escolher os nossos pais.

Se a gente pudesse escolher os pais a gente escolheria pais com genes bons, não dá para escolher. Os danos do DNA, produzidos pelo meio ambiente também não dá para evitar, porque nós vivemos num planeta obviamente maltratado, um planeta agredido, um planeta onde o próprio homem não tenta preservar a sua integridade. Talvez, a gente possa atuar nessa área de doenças ajudando o organismo a reparar lesões. O que a gente pode fazer de esforço cada um de nós aqui para tentar prolongar a existência? Existe uma idéia que a restrição calórica tem um valor importante. Se a gente pegar ratinhos e diminuir em 30% a ingestão calórica desses ratos, eles passam a viver muito mais tempo, eles não têm câncer e eles não têm as doenças da idade, simplesmente com a diminuição da ingestão calórica. Acho que é por isso que os japoneses vivem mais, porque os japoneses são muito magrinhos, todos eles. Eles têm uma ingestão calórica muito baixa, vivem por isso muito mais que as outras populações do mundo.

Ser vegetariano, fazer exercício, ser gordo e fumar tem também uma influência grande. Vejam, esse trabalho é um trabalho médico, publicado dois anos atrás em que se analisou a expectativa de vida. Nas pessoas que são vegetarianas é melhor do que aquelas que comem carne, porque a carne tem muita gordura animal. As pessoas que se exercitam vivem seis anos a mais do que aquelas que não se exercitam. Os obesos vivem dez anos a menos do que os homens magros. Então, ser magro nos dá dez anos de vantagem de sobrevida e quem fuma vive 11 anos menos do que os que não fumam. Então, na verdade, fazendo pequenas medidas, incorporando pequenas medidas no nosso dia-a-dia a gente talvez consiga viver um pouco mais.

Esse trabalho é um trabalho muito curioso. Tem três pesquisadores da Universidade de Chicago, que resolveram estudar o corpo humano para ver como é que a gente podia melhorar o corpo humano para a gente viver mais tempo? E, eles chegaram a essa figura muito estranha aqui, que eu estou apresentando, que seria o homem ideal...

(...)

...dores na coluna cervical. O certo seria nosso corpo ser dobrado um pouco para a frente. Nós temos que ter juntas protegidas, o joelho tem que ter esse movimento para trás para não se desgastar com o tempo. Nossa altura tem que ser menor do que a atualmente, de modo que esse é o homem ideal do futuro. Será que a gente vai chegar nesse ponto? Se chegar, acho que ninguém vai querer parecer com esse sujeito de modo que não sei o que vai acontecer.

Eu vou terminar a minha apresentação fazendo uma pergunta para vocês aqui da platéia. Será que é melhor ser feliz e viver pouco ou viver muito e ser infeliz? Alguém quer responder essa pergunta? A Mara...

Mara - ...(Inaudível)...

Srougi - É, na verdade, eu achei que você ia responder que é melhor ser feliz e viver muito, não é? As duas coisas.

Perguntaram isso acho que para o Bernard Shaw e ele disse o seguinte: - vocês conhecem bem, ele fez isso na introdução desse livro dele "Dilema do Doutor": use tua vida até não poder mais. É para isso que ela serve. Gaste tudo o que você tem antes de morrer e não tente viver para sempre, você não terá sucesso. Essa história aqui eu tirei na internet. Um dia eu joguei na internet a palavra felicidade, eu resolvi verificar o que era felicidade, o que é ser feliz e achei um artigo que falava de felicidade e tinham cento e poucas respostas dadas on-line pelas pessoas que leram aquele artigo. Eu comecei ler resposta por resposta o que é felicidade? E, foi muito curioso porque dessas 106 respostas que tinham, provavelmente, cem delas falavam em alguma coisa material. Ser feliz é ter dinheiro. Ser feliz é crescer na vida e ter uma profissão boa. Ser feliz é viajar. Ser feliz é fazer sexo, quer dizer, coisas absolutamente materiais e me chamou a atenção esse professor.


Srougi - Esse aqui é um professor de história da arte lá da Inglaterra e ele definiu felicidade como uma coisa que eu fiz questão de enfatizar aqui porque ela reflete, na verdade, um centro que eu acho que a gente tem que ter na cabeça: "Felicidade é um estado de harmonia interna, de contentamento com o que nós somos. Holisticamente é um contínuo de bem-estar físico, mental e afetivo". A gente não precisa ser rico para ter um bem-estar creio. Se tiver saúde, se você estiver bem mentalmente, se você estiver bem afetivamente, você é feliz. Não precisa ter dinheiro. Tem gente pobre que tem tudo isso e é feliz. Tem gente muito rica, que é absolutamente infeliz eles se suicidam porque não têm esse bem-estar físico, são doentes, não têm o bem-estar mental, não têm o bem-estar afetivo. Essa definição, na verdade mostra qual deve ser a essência da nossa vida. A gente, na verdade, se puder viver muito melhor, mas mais do que viver muito, como a Mara falou, a gente tem que aproveitar a existência e tem que procurar obter esse equilíbrio que esse equilíbrio que esse professor inglês definiu de forma muito simplória.

E um dia a gente vai ter que morrer. Eu acho que isso tem que estar também na nossa cabeça. A gente não gosta de pensar nisso, mas tem que estar na nossa cabeça.

Walden é um poeta, é um escritor inglês, que também num dos livros dele colocou essa pequena poesia, muito simplória também, mas que reflete toda a essência que a gente também tem que incorporar na nossa cabeça. Ele estava moribundo quando escreveu isso, ele morreu de enfisema grave, doença respiratória, uma morte sofrida e ele dizia o seguinte: dê-me um doutor,/ roliço como uma perdiz/ baixinho e de nádegas largas/ amorfo, mas com mãos gentis/ Que nunca fará exigências absurdas/ Pedindo para abandonar meus vícios./ Que não faça caretas durante uma crise/ Mas que com os olhos cintilantes/ Me dirá que tenho que morrer.

Isso mostra que nós temos que ter dentro da nossa cabeça esses princípios todos que eu acabei de ver.

Será que a imortalidade é possível? Eu já mostrei a vocês que não é. Mas, na verdade, existem histórias muito curiosas na história da humanidade, porque todo mundo sempre procurou a imortalidade.

Franz Cerkap(?) foi um endocrinologista muito famoso. Um dia ele anunciou para todo mundo que ele tinha descoberto a chave da imortalidade. Ele achava que se o homem se injetasse extrato de testículo de cobaio(?), ele passava a ter grande vigor físico e sexual. Ele ficou milionário. Ele injetava todos os doentes dele com esse extrato de testículo de cobaio(?) e se auto-injetava para dizer que ele era um indivíduo superior aos outros. Ele caiu em descrédito quando a mulher o abandonou com 56 anos de idade, quer dizer, esse vigor sexual talvez não fosse verdadeiro.

Descartes também dizia que passou a vida dele querendo descobrir por que o homem envelhecia? Como é que o homem poderia se tornar imortal? Descartes, real e efetivamente, escreveu muito sobre imortalidade e envelhecimento. Ele se propôs a descobrir o segredo da senescência. Também não foi bem sucedido, morreu com 54 anos.

Shakespeare nem provou que tinha descoberto alguma coisa nem procurou descobrir, ele foi mais modesto, ele apenas descreveu a senescência nessa peça dele: As pernas cada vez mais finas, dançam dentro de calças cada vez mais folgadas. Os músculos vão se atrofiando e ele descreveu a velhice de uma forma assim mais poética.

Eu queria dizer a vocês que se personalidades tão importantes da história da humanidade como Braun(?) Cakar(?), René Descartes, William Shakespeare não conseguiram provar a vocês o que era imortalidade. Espero que você não tenham vindo aqui nessa reunião querer que eu explicasse isso a vocês. Muito obrigado.

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